Argumentação presidencial de que existiria fraude no sistema de votação é inconsistente
A urna eletrônica, que rivaliza com a cloroquina, o nióbio e o grafeno no ranking das obsessões de Bolsonaro, é usada no Brasil desde 1996. Nesse um quarto de século, cada eleitor foi chamado a votar em seis disputas para presidente, seis para governador, nove para senador, seis para deputado federal, seis para deputado estadual, sete para prefeito e sete para vereador.
Muitas dessas corridas tiveram segundo turno. Teve ainda um punhado de eleições suplementares. E, em 2005, um referendo nacional sobre proibição do comércio de armas de fogo e munições. Um eleitor paulistano nascido em 1980 ou antes e que tenha tido a oportunidade de participar de todos esses pleitos compareceu 26 vezes à seção eleitoral desde 1996 e votou 62 vezes em urnas eletrônicas.
Fiz a conta por curiosidade matemática.
Somando todas as idas de eleitores às milhares de seções dos 5.570 municípios
em todas as disputas, constata-se que as urnas eletrônicas computaram cerca de
5,4 bilhões de votos nesses 25 anos. Em toda eleição há um número residual de
urnas que quebram e são substituídas. Mas é raro. E quando ocorre, não altera o
voto de ninguém. [é notório que o presidente Bolsonaro costuma se exceder na forma como emite opiniões, suposições, que ao serem interpretadas de forma criativa, deixam a impressão de que está afirmando, quando está apenas supondo, opinando. Um pouco de criatividade na interpretação, leva a uma narrativa de que o presidente acusou, quando na realidade expressou apenas um entendimento, uma suposição.]
Nesses eventos, participantes podem questionar sobre qualquer aspecto do processo de votação, dissecar peças, simular votações, levar técnicos, especialistas e até hackers para tentar encontrar brechas de vulnerabilidade. Levando em consideração que Bolsonaro faz acusações extremamente graves nessa seara, é de se supor que representantes do presidente inundem as audiências de testes e fiscalização com casos, perguntas e denúncias.
Só que não. Diante de um questionamento feito para esse texto, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) respondeu que “o único partido que efetivamente participou da fiscalização dos códigos-fonte dos sistemas eleitorais foi o PT, tendo feito isso até as eleições de 2002”. Naquela época, ressaltou a corte, o PDT também costumava mandar representantes, “mas não fiscalizavam de forma efetiva”. Em 2018, quando Bolsonaro foi eleito, só a PF apareceu no evento de abertura dos códigos-fonte - a oportunidade para revirar o equipamento. Na cerimônia de assinatura digital e lacração das urnas, PSD, PT e PSL enviaram representantes, mas só para observação.
Em 2020 foi ainda pior. Não apareceu no TSE nenhum representante do presidente ou de qualquer partido nos eventos de teste e fiscalização. Toda a organização das eleições é centralizada no TSE. Entre centenas de atribuições, cabe à Justiça Eleitoral a distribuição das urnas eletrônicas, a soma dos votos e a divulgação dos resultados.[a centralização é que complica; não colocamos em dúvida a integridade do TSE, TREs, porém, lembramos que a centralização é um processo que dificulta a detecção de eventuais erros, falhas, fraudes, etc... A Justiça Eleitoral executando centenas de atribuições, torna todo o resultado mais suscetível a erros, falhas, fraudes, etc...
Conforme a Constituição, o TSE é composto por três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), dois do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ainda dois juristas advogados escolhidos pelo presidente da República a partir de uma lista tríplice elaborada pelo STF. O presidente do TSE é sempre um dos três oriundos do STF. Em 1996, quando a urna eletrônica estreou, o TSE era presidido por Carlos Velloso. Depois dele, o tribunal trocou de presidente em 18 ocasiões. Como alguns exerceram o posto mais de uma vez, foram 15 presidentes em 25 anos. O atual é Luís Roberto Barroso.
A ideia segundo a qual as eleições seriam
fraudulentas em decorrência de falcatruas insertadas nas urnas eletrônicas
pressupõe a existência de um pacto corrupto de silêncio e cumplicidade
envolvendo todos os 15 ministros que presidiram o TSE desde 1996. [todos eles, incluindo os ministros do Supremo - alguns, se julgam possuidores da 'suprema supremacia' - não possuem elementos que permitam detectar eventual ocorrência de certos tipos de fraudes.]
Um pacto ainda que deveria envolver as dezenas de outros magistrados que já passaram por lá, técnicos e diretores administrativos de diferentes áreas e épocas da corte eleitoral. É crível um negócio desse? Desde 1996 o Brasil já foi comandado por cinco presidentes: Fernando Henrique, Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro. Por meio de eleição, o comando do governo central efetivamente mudou de mãos em duas ocasiões. Em 2003, quando um tucano passou a faixa para um petista, e em 2019, quando Bolsonaro assumiu. Nos Estados e nos municípios, alternâncias não são incomuns. E no Legislativo, as taxas de renovação são altas.
Num sistema fraudulento, capturado e controlado por algum grupo, isso ocorreria? Apesar de zero evidência de trapaça, Bolsonaro vem intensificando sua campanha de difamação contra as urnas eletrônicas. Diz que teria vencido em 2018 no primeiro turno, embora nunca tenha apresentado prova disso. Nos últimos tempos, passou a repetir que Aécio Neves ganhou de Dilma em 2014, o que é refutado pelo próprio tucano.
Além do trololó habitual e das bravatas de YouTube e redes sociais, o que efetivamente Bolsonaro fez em face de seu alegado conhecimento sobre gravíssimas violações eleitorais e, portanto, violações à democracia? Nada. Acionou a PF? Ninguém sabe. Reportou ao Ministério Público? Não. Levou ao TSE? Também não. Não há notícia nem sequer de um B.O. de delegacia.Em junho, o corregedor do TSE deu 15 dias para Bolsonaro apresentar as evidências que alega possuir sobre fraudes. Depois que o prazo já havia expirado, Bolsonaro disse que ainda não havia demonstrado nada porque a pessoa que tem as informações estava com covid-19. Pediu mais prazo.
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