Projeto da Lei Orgânica da corporação teve regime de urgência aprovado e deve ser votado no início do próximo ano
Em busca de consenso em torno do projeto da Lei Orgânica da Polícia Militar em tramitação na Câmara dos Deputados, o relator da proposta, deputado Capitão Augusto (PL-SP), afirma que vai retirar do texto trechos que reduzem o poder de governadores sobre as tropas.Na quarta-feira (8), a Casa aprovou um requerimento de urgência para permitir que o projeto seja votado a qualquer momento no plenário. Porém, diante das polêmicas que envolvem a proposta, a apreciação deve ocorrer apenas em fevereiro de 2022, segundo estimativa do próprio relator.
Nenhum relatório oficial foi protocolado, mas uma das adaptações feitas pelo Capitão Augusto na última versão preliminar previa que a escolha dos comandantes-gerais da PM e do Corpo de Bombeiros seria feita a partir de uma lista tríplice elaborada pelos próprios oficiais, com mandato de dois anos.
Hoje, esta escolha é feita pelo governador, sem lista e sem mandato. Para organizações como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a mudança enfraqueceria o controle do governador sobre as corporações militares estaduais, uma vez que hoje os chefes dos Executivos locais têm liberdade para definir os comandantes.
Capitão Augusto argumenta que a intenção era evitar o uso político das forças de segurança pública, mas garante que essa possibilidade será excluída do texto. "A questão é que não estávamos querendo o uso político da instituição. A gente queria uma polícia que trabalhasse para a sociedade, e não fosse usada para campanhas, mas, como foi divulgado, foi distorcido que a gente queria tirar a autonomia do governador, resolvi tirar por completo", disse o deputado.
"O projeto é muito mais que isso. Então, não consta mais no projeto nem lista tríplice nem mandato para o comandante-geral, infelizmente", afirmou Capitão Augusto. Outro ponto de preocupação entre os especialistas são as medidas de fortalecimento da Justiça Militar, como a criação de Tribunais de Justiça Militar em estados com efetivo superior a 20 mil integrantes e a manutenção de sua competência para o julgamento de crimes militares praticados contra civis, inclusive os de violência doméstica.[crimes militares DEVEM ser julgados pela Justiça Militar e, por óbvio, seguindo os preceitos do Código Penal Militar e do Código de Processo Penal Militar.] "Todos os relatórios da ONU, os relatórios especiais, falam que está na hora de acabar com a Justiça Militar, que tem de se garantir a investigação mais imparcial desses casos, mas o projeto é, de alguma forma, superconservador e fortalece o controle deles [militares]", critica Isabel Figueiredo, membro do conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Ainda pela última versão do projeto, as funções exercidas por policiais militares e bombeiros militares passariam a ser consideradas "atividades jurídicas e típicas de Estado". De acordo com Figueiredo, a medida pode permitir que a categoria tenha salários acima do teto da administração pública e resultar em impactos orçamentários para os estados. "O teto do funcionalismo no estado é o salário do governador, com exceção das carreiras jurídicas. Quando você coloca a PM como carreira jurídica, você consegue furar o teto do governador", disse ela. "Então, e aí considerando que a estrutura salarial da polícia é uma estrutura piramidal, você acaba tendo um enorme impacto orçamentário", afirmou Figueiredo.
A proposta também cria uma nova categoria de oficiais, a de "oficiais generais", compostas por tenente-general, major-general e brigadeiro-general.[entendemos que a carreira militar da PM deve se encerrar no posto de coronel. O posto de oficial general deve continuar privativo das Forças Armadas - as polícias militares são Forças Auxiliares das Forças Armadas.]
Hoje, só há generais nas Forças Armadas, e a medida é vista como uma aproximação exagerada com o modelo estrutural das instituições nacionais. Essa ideia não é unânime nem entre os PMs, principalmente entre os praças, que são favoráveis à diminuição das patentes das polícias.Apesar disso, o relator disse que se trata apenas de uma questão para "fins protocolares" que será mantida no texto.
"É só uma questão de prestígio para a instituição, prestígio dentro do Brasil e prestígio internacional. Um comandante nosso [de São Paulo] vai a um evento, que talvez seja uma das maiores instituições militares do mundo, e não pode ter direito à fala porque ele é considerado coronel, e não é general. A intenção é somente valorizar a função", afirmou. O projeto padroniza as regras para ingresso nas corporações militares e exige o nível superior como um dos pré-requisitos.
Para os oficiais da Polícia Militar, será preciso apresentar diploma de conclusão de graduação em Direito. Além disso, 20% das vagas deverão ser reservadas para pessoas do sexo feminino. A proposta também afrouxa as regras e permite que um indiciado em inquérito policial ou réu em processo judicial ou administrativo possa ingressar na PM. Capitão Augusto afirmou que essa medida é necessária para cumprir o princípio constitucional da presunção de inocência.
Atualmente, as atividades dos militares estaduais no Brasil são regidas por um Decreto-Lei criado em 1969, há 52 anos. Defensores da Lei Orgânica afirmam que ela é necessária para tornar as corporações mais dinâmicas e atualizadas. Para os críticos, porém, ele atende apenas aos interesses dos militares."Do jeito que o projeto está, está muito corporativo no mau sentido, pensando só nos interesses do oficialato. A gente perde uma oportunidade de modernizar mesmo essas instituições, de arejar minimamente essas polícias", disse Figueiredo.
O relator afirmou que o projeto é resultado de audiências públicas e sugestões de entidades ligadas à segurança pública, mas garante que o texto está "em aberto" e deve sofrer mais alterações antes de ser votado no ano que vem.
Cotidiano - Folha de S. Paulo
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