Análise Política
Entre as excentricidades das leis eleitorais no Brasil, uma a contribuir
fortemente para atrapalhar as mentes é a que define uma data, perto da
eleição, para o início oficial da campanha. Antes desse dia, entre
outras bizarrices, não se pode falar em candidaturas, só em
pré-candidaturas. Daí a ilusão de a campanha mudar de patamar num certo
dia, e a partir daí existir sempre potencial para grandes mudanças.
Uma variável estatística há muito tempo já dava sinais de não ser bem
assim desta vez: a alta escolha de candidatos na pesquisa espontânea,
quando o entrevistado tinha de responder sem apresentarem a ele a
relação dos concorrentes à Presidência da República. Na real, a eleição
presidencial brasileira está na rua há um ano e meio, desde que Edson
Fachin anulou as condenações de Luiz Inácio Lula da Silva na Lava-Jato. [ressalte-se: ANULOU as condenações, o criminoso NÃO FOI INOCENTADO.]
Ali começou um acelerado processo de sedimentação da bipolaridade entre o
ex-presidente e o atual, o que acabou por fechar o espaço para uma
fragmentada terceira via, que terminou se perdendo na ilusão de haver um
grande estoque potencial de votos “contra os extremismos”. Registre-se
ainda a ajuda do centro, quando matou os candidatos que, fora Ciro
Gomes, tinham alguma massa crítica própria, Sergio Moro e João Doria.
Na política e no futebol, o “se” não joga, mas uma única terceira via
que, por ser única, batesse em algo entre 10 e 15% dos votos produziria
um fato político na campanha, sem o que qualquer centro teria imensa
dificuldade para decolar. Mas isso agora é história.
A nossa longa corrida presidencial foi cristalizando algumas tendências
que mostram resiliência agora na “campanha oficial”. Uma são as
expressivas rejeições ao presidente da República e ao principal
desafiante. É outra característica de um certo “segundo turno no
primeiro”. Acontece que a rejeição do presidente tem sido
consistentemente dez pontos maior que a do adversário, o que permite ao
desafiante uma liderança estável nas projeções de segundo turno.
A melhora na economia e na percepção sobre o ambiente econômico está em
algum grau cumprindo seu papel, ao manter o incumbente competitivo
faltando apenas duas semanas para o fechamento do primeiro turno. Mas
até agora não foi suficiente para estreitar a fenda de dez pontos a mais
de rejeição. Talvez porque essa diferença tenha origem principal em
outra fonte. O que também vem sendo apontado há tempos.
A origem dos problemas do incumbente nesta reta final de primeiro turno
deve ser buscada na pandemia. Políticos arriscam-se mais do que seria
prudente quando fazem questão de ter razão e ignoram os grandes
movimentos da massa, as grandes ondas de opinião. E tudo se agrava
quando os danos numéricos à saúde popular são maciços, e quando o
governante transmite alheamento e insensibilidade.
Os grandes estoques de voto onde Lula constrói sua vantagem sobre
Bolsonaro são o Nordeste, os pobres e as mulheres. Para ter chance real
de vitória, o presidente precisa reduzir ao menos moderadamente o
déficit de votos em cada um desses grupos, ou então reduzir fortemente
em algum deles. Até o momento, a rejeição entre as mulheres cristalizada
durante a pandemia vem funcionando como freio.
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político
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