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terça-feira, 27 de setembro de 2022

Constituição federal brasileira: Carta Magna ou tapete de entrada? - Samir Keedi

Todos nós vivemos sabendo, ou acreditando, que uma Constituição era a Lei maior de um país
Aquela pela qual se guiam todas as demais Leis. 
E, claro, guiando governantes, governados, instituições, etc., para que um país seja governável e considerado civilizado.

Quando se olha para a Constituição dos Estados Unidos da América, cuja independência ocorreu em 1776, se vê que ainda é a única feita por eles. Sofreu algumas alterações, mas, poucas, e permanece única.

O Reino Unido nem tem uma constituição escrita. A sua Constituição é um conjunto de leis e princípios sob o qual o Reino é governado. 
Não é constituído de um único documento constitucional, como é normal. É, muitas vezes, dito que o país tem uma constituição "não escrita"
A maior parte da constituição britânica existe na forma escrita de leis, jurisprudência, tratados e convenções.

E assim devem ou deveriam ser em todos os países. Mas, infelizmente, não é o que tem ocorrido no Brasil, que já teve várias Constituições. Sempre ao bel-prazer de governantes e congresso de plantão. Sempre sujeita a interesses individuais, quando deveria ser sobre interesses gerais, coletivos.

Pode-se dizer que aqui troca-se de Constituição como de camisa. Ou de governante. "Não gostei, vou trocar".

Já tivemos sete Constituições, começando com a de 1824. Depois, seguiram-se as de 1891, de 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988. Esta de 1988 está em morte lenta, ou já morreu.

No Império tivemos apenas uma, a de 1824. Depois, aos borbotões. A de 1891 foi uma troca justificável, já que houve mudança de sistema de governo, saindo do Império para República. Uma mudança lamentável, agravada também pela forma como se deu, pela tradição brasileira de fake news desde sempre.

Só no século XX tivemos cinco Constituições, sendo que de 1934 a 1946 tivemos três em 12 anos. Provavelmente um recorde mundial. Mais um recorde negativo, no qual somos pródigos.

E, agora, embora não convocada, nem tampouco anunciada ou discutida uma Assembleia Nacional Constituinte, já temos uma nova Constituição desde pelo menos 2016, a oitava. Que vem sendo criada aos poucos.

Todos agora se perguntarão, como assim, que Constituição é essa, quem a criou que ninguém conhece, a não ser este escritor? Infelizmente todos conhecem, aceitaram, estão vivendo por ela, sem praticamente haver qualquer reclamação ou ação.  
A não ser simples reclamação de poucos dos 213 milhões de brasileiros. E, estranhamente, de poucos juristas, o que é, para dizer o mínimo, bem estranho.
 
Foi e está sendo criada pelo STF - Supremo Tribunal Federal, que com o impeachment da Presidente em 2016, começou a reescrever a de 1988. Começou fatiando-a, mantendo os direitos políticos que a Carta Magna, claramente, sem nenhuma possibilidade de interpretação diferente, manda cassar. 
Diferentemente do que ocorreu em 1992, em que o Presidente da época teve seus direitos políticos cassados por oito anos, como determinava a nossa ex-carta magna de 1988. [só que o povo mineiro, em sua sabedoria, cassou a decisão do STF - não elegeu a ex-presidente 
cuja candidatura aquela Corte impôs = não cassando os direitos políticos da escarrada.]

E, desde então, em que o STF se transformou no único poder no Brasil, legislando, executando e, até, nas horas vagas, "judiciando", já temos outra Constituição. E, em certos aspectos, lembrando a do Reino Unido, que não é escrita. Mas, esta, sem valor. [muitas decisões são tomadas na base da "interpretação criativa" o texto constitucional continua o mesmo, só que a interpretação o reescreve virtualmente.]

O STF está legislando a seu bel-prazer, reescrevendo, até por um único "juiz", nem sendo pelo colegiado. Ora um, ora outro. E, pior, que nem são juízes, pois sabemos que dos 11 ministros, apenas um realmente é juiz, tendo sido aprovado em concurso. Os demais, apenas advogados.

E, tudo isso, com o beneplácito do Congresso, que abdicou de seus deveres, amedrontado, em que agora, o que parece importar são apenas os cargo e salário.  
Concordando até com censura e prisões de seus pares, sem respeito pela livre expressão garantida pela Constituição anterior, a de 1988, que a maioria ainda acredita estar em vigor.
 
E esses privilegiados e ungidos, como acreditam, estão céleres, executando, determinando o que a figura maior do país, o Presidente da República, deve fazer ou não fazer. 
E, em prerrogativas exclusivas do presidente, como nomeações, política econômica, redução de impostos, execução da infraestrutura, viagens, reuniões, etc. etc. etc. 
E, também, da mesma forma, com o beneplácito do Congresso, juristas, povo brasileiro, etc. É bem verdade que o Presidente tem culpa. 
Não reagiu, deixou que o STF começasse a mandar, sem se impor, sendo ele a figura maior do País.
 
Assim, quem pode discordar de que há pelo menos seis anos está sendo reescrita esta nova Constituição? 
E apenas por uma ou poucas pessoas, que nem são representativas no país. Não foram eleitas, e cuja missão é única, constitucional, como foi desde 1824 até a Constituição de 1988, agonizando desde 2016. Apenas interpretar e julgar à Constituição.
 
Constituição já foi pisoteada de tudo quanto é maneira, inclusive com meios de comunicação oficiais e pessoais calados.  
Ou seja, a antiga constituição de 1988 e o que resta dela, foi e está sendo tratada como tapete de entrada, em que nela se limpa os pés.

Será que o Brasil acordará algum dia, ou continuará em seu sono profundo iniciado em 1492, ou 1822, ou 1989?

*         O autor é jornalista (editor do blogdosamirkeedi.com.br) e empresário (Ske Consultoria Ltda), titular da cadeira 4 da APH-Academia Paulista de História


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