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domingo, 18 de setembro de 2022

O freio da pandemia - Alon Feuerwerker

 Análise Política

Entre as excentricidades das leis eleitorais no Brasil, uma a contribuir fortemente para atrapalhar as mentes é a que define uma data, perto da eleição, para o início oficial da campanha. Antes desse dia, entre outras bizarrices, não se pode falar em candidaturas, só em pré-candidaturas. Daí a ilusão de a campanha mudar de patamar num certo dia, e a partir daí existir sempre potencial para grandes mudanças.

Uma variável estatística há muito tempo já dava sinais de não ser bem assim desta vez: a alta escolha de candidatos na pesquisa espontânea, quando o entrevistado tinha de responder sem apresentarem a ele a relação dos concorrentes à Presidência da República. Na real, a eleição presidencial brasileira está na rua há um ano e meio, desde que Edson Fachin anulou as condenações de Luiz Inácio Lula da Silva na Lava-Jato. [ressalte-se: ANULOU as condenações, o criminoso NÃO FOI INOCENTADO.]

Ali começou um acelerado processo de sedimentação da bipolaridade entre o ex-presidente e o atual, o que acabou por fechar o espaço para uma fragmentada terceira via, que terminou se perdendo na ilusão de haver um grande estoque potencial de votos “contra os extremismos”. Registre-se ainda a ajuda do centro, quando matou os candidatos que, fora Ciro Gomes, tinham alguma massa crítica própria, Sergio Moro e João Doria.

Na política e no futebol, o “se” não joga, mas uma única terceira via que, por ser única, batesse em algo entre 10 e 15% dos votos produziria um fato político na campanha, sem o que qualquer centro teria imensa dificuldade para decolar. Mas isso agora é história.

A nossa longa corrida presidencial foi cristalizando algumas tendências que mostram resiliência agora na “campanha oficial”. Uma são as expressivas rejeições ao presidente da República e ao principal desafiante. É outra característica de um certo “segundo turno no primeiro”. Acontece que a rejeição do presidente tem sido consistentemente dez pontos maior que a do adversário, o que permite ao desafiante uma liderança estável nas projeções de segundo turno.

A melhora na economia e na percepção sobre o ambiente econômico está em algum grau cumprindo seu papel, ao manter o incumbente competitivo faltando apenas duas semanas para o fechamento do primeiro turno. Mas até agora não foi suficiente para estreitar a fenda de dez pontos a mais de rejeição. Talvez porque essa diferença tenha origem principal em outra fonte. O que também vem sendo apontado há tempos.

A origem dos problemas do incumbente nesta reta final de primeiro turno deve ser buscada na pandemia. Políticos arriscam-se mais do que seria prudente quando fazem questão de ter razão e ignoram os grandes movimentos da massa, as grandes ondas de opinião. E tudo se agrava quando os danos numéricos à saúde popular são maciços, e quando o governante transmite alheamento e insensibilidade.

Os grandes estoques de voto onde Lula constrói sua vantagem sobre Bolsonaro são o Nordeste, os pobres e as mulheres. Para ter chance real de vitória, o presidente precisa reduzir ao menos moderadamente o déficit de votos em cada um desses grupos, ou então reduzir fortemente em algum deles. Até o momento, a rejeição entre as mulheres cristalizada durante a pandemia vem funcionando como freio.

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político 

 

quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Inquéritos não são portes de armas destravadas. - Percival Puggina

A imprensa militante destacou como acintosa e imprópria a ausência do presidente da República na posse de Rosa Weber no comando supremo do Supremo. Bolsonaro se fez representar por Paulo Guedes.

 Cabe bem, aqui, o provérbio: “Tanto vai o cântaro à fonte que um dia lá deixa a asa”. Essa asa se partiu há bom tempo
Alguém pode achar saudável que o noticiário político seja absorvido por atos do STF, no entanto, um pouco de juízo basta para perceber, nisso, sintoma de grave enfermidade. Trata-se de algo totalmente anômalo. E cansativo.   
 
A política não pode ser polarizada por um poder sem voto. Eminentes juristas, ex-ministros do Supremo, jornalistas bons e experientes advertem para os malefícios causados por tão claro desvio de rota. Se fez presente, o STF, nas festividades oficiais do 7 de setembro? Não. 
No caso, para a mesma imprensa militante, foi tudo como tinha que ser. Atende, o STF, algum pedido do presidente? Não. Mas também nisso está tudo bem para os plantonistas da mídia engajada.
 
Pouco antes da posse, a ministra Rosa Weber indeferiu o pedido da PGR para que se encerrassem os inquéritos abertos contra o presidente da República como decorrência do relatório da espalhafatosa e politiqueira CPI da Covid. 
O órgão titular da ação penal pública disse não ter encontrado motivos consistentes para dar continuidade às investigações. 
A ministra, mesmo assim, reproduz o padrão do poder que passaria a presidir: dane-se o ministério público.

Manter inquéritos abertos no Supremo virou uma espécie de porte ostensivo de arma destravada...

Em outras palavras, a ministra optou por desacreditar a PGR e atribuir maior valor ao denuncismo desvairado de Renan Calheiros, um senador de má reputação, que em 14 de setembro de 2021 tinha nove inquéritos abertos no STF.  

Mas, aparentemente, nada disso tem algo a ver ou dá razões para a tão reprovada polarização...

LEIA TAMBÉM:  O dia em que Ruy Barbosa falou para nós

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. 

 

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

O SENADO E AS FICHAS SOBRE A MESA - Percival Puggina

O presidente cumpriu o que dissera: não atende mais determinações do ministro Alexandre de Moraes. Ao considerar extemporâneo o pedido da AGU para que o presidente, em vez de comparecer à delegacia como estabelecera o ministro, se manifestasse por escrito, Alexandre dobrou a aposta. Bolsonaro, por sua vez, dobrou também, silenciando. 

Que outras fichas tem o ministro para pôr sobre a mesa? Os colegas do Pleno. 
Irão cobrir a aposta dele e ordenar o comparecimento do presidente a uma delegacia? 
Há alguns meses, isso não surpreenderia. Hoje, não sei não. Esse é um jogo que roda sob os olhos da sociedade e esta já percebeu o empenho com que o ministro e a maior parte de seus colegas dão curso à tarefa de destruir a harmonia entre os poderes e desestabilizar o governo. 
 
“Tanto vai o cântaro à fonte que um dia lá se quebra”, diz um bem aplicável provérbio. A fúria persecutória contra o presidente da República e seus apoiadores se tornou tão evidente que ele, tudo indica, resolveu dar um basta. 
De fato, quando se pensa em todas as violações do sistema acusatório que vigem em inquéritos abertos dentro do STF e se percebe o quanto esses inquéritos são pernetas, puxando sempre para o mesmo lado, não há como a sociedade não se escandalizar.  

Enquanto os dias passam, olho para o Senado e percebo que o Senado não olha para mim. Nem para você, leitor. O Senado olha para os senadores e estes só atentam para si mesmos. Com a mais generosa boa vontade, as exceções a esse quadro egocêntrico não chegam a vinte.

Eis uma das grandes missões da ação política em favor do Brasil ao longo deste ano eleitoral. 
Vinte e sete senadores serão escolhidos pelos eleitores no primeiro domingo de outubro. 
Cada estado deve passar um pente fino na atuação dos que se apresentarem buscando renovar os mandatos. 
É preciso conhecer e tornar conhecidas, entre outras, as respectivas posições em relação à CPI da Lava Toga, à CPI da Covid, à prisão após condenação em segunda instância, à governabilidade do país, ao pacote anticrime.

A rigor, toda a insegurança jurídica causada por excessos monocráticos e colegiados do STF, apontados por Marco Aurélio Mello quando ministro, podem ser atribuídos ao desequilíbrio causado pelas décadas em que coube à esquerda política (mais precisamente a José Dirceu) apontar ao Senado os ocupantes dessas cadeiras. Agora, é o que temos, um poder de estado fazendo política sem voto.

Deveria ser tarefa de gincana encontrar um esquerdista, investido de autoridade, que se mantenha dentro de seu quadrado.

Para o Senado, diferentemente do Supremo, a vida segue outro curso. Nossa Câmara Alta é um poder cujos membros se submetem à manifestação periódica de seus eleitores
Então, em outubro, sela-se o destino de 27 senadores. 
Salvem-se os raros bons e renovação já! 
Os restantes 54 entram na contagem regressiva para 2026.  
Também a estes deve ir o recado dos cidadãos de seus Estados. 
É a hora da cobrança, da revisão de vida, do respeito ao eleitor, da transparência das condutas. 
Hora de compreender que dirigir é servir.     

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Jornalista tem fonte, blogueiro tem informante? - Gazeta do Povo

Rodrigo Constantino


"Blogueiro bolsonarista investigado pelo STF usou estagiária de Lewandowski como informante", diz manchete em destaque na Folha de SP hoje. O jornal conseguiu acesso às conversas trocadas entre o jornalista e a funcionária do ministro, usando alguma fonte. Mas eis o interessante: só quem tem fonte é jornalista de esquerda!  A tática da velha imprensa é tão manjada que falta sutileza. Todos percebem o truque. Para começo de conversa, o uso do rótulo blogueiro, que os militantes disfarçados de jornalistas usam para se referir a qualquer jornalista que não seja de esquerda.

Mesmo alguém que atua e atuou nos principais veículos de comunicação do país, como no meu caso, continua chamado de blogueiro se não for da patota corporativista, dominada pelo esquerdismo. Jornalista é termo reservado só para quem é do clubinho, gente que leva a sério Renan Calheiros.

Por que o preço da carne subiu tanto – e não deve baixar tão cedo

Bolsonaro aceita depor presencialmente em inquérito e STF suspende julgamento

É a mesma tática do uso da expressão "empresário bolsonarista". Ora, nunca vimos a imprensa falar em empresário tucano ou empresário lulista, mesmo quando o empresário em questão é ligado umbilicalmente ao PT ou ao PSDB. Mas bastou enxergar virtudes no presidente ou em seu governo para virar um empresário bolsonarista, em tom depreciativo.

Voltando ao caso de Allan dos Santos, do Terça Livre, eu poderia jurar que a mídia chamasse esse tipo de contato de "fonte". Algo inclusive preservado pela Constituição Federal, com direito ao sigilo e tudo. Mas como se trata de um "blogueiro bolsonarista", a fonte virou "informante", e o panfleto esquerdista disfarçado de jornal faz de tudo para criar ares golpistas e criminosos na relação entre fonte e jornalista.

A ponto de passar batido pelo que realmente importa nessas trocas de mensagens! "O que vi de mais espantoso é que realmente eles decidem como querem e o que querem. Algumas decisões são modificadas porque alguém importante liga para o ministro", diz a funcionária do ministro Lewandowski.

Barbara, a mineira do popular canal TeAtualizei, comentou sobre isso:
"Invés da galera comentar o absurdo da informação dada pela estagiária do Lewandowski, d q as coisas mudavam qdo alguém importante ligava, os jornalistis estão chocados pq ela foi a fonte de alguém. Ninguém tá ligando para a gravidade da informação sobre a justiSSa desse país!"

O jornalismo morreu? Esses militantes perderam a capacidade de identificar o essencial numa notícia? 

Vale tudo para atingir jornalistas independentes ou simpáticos ao governo Bolsonaro? 
Carolina Brígido, colunista do UOL e que escreve sobre o STF, tirou disso tudo que Allan dos Santos tentou "espionar o Supremo". Leandro Ruschel rebateu:
Quando você recebe uma informação das suas fontes no Supremo é "jornalismo", e quando o Allan faz o mesmo é "espionagem"? Alem disso, sobre a grave acusação de mudança de sentenças a pedido de autoridades, é mentira? Fake news? Nunca aconteceu?

Essa postura da velha imprensa tem sido responsável por sua acelerada perda de credibilidade. 
Enquanto os jornalistas deveriam estar debruçados sobre os esquemas absurdos que existem em nosso Poder Judiciário e ameaçam nosso Estado de Direito, preferem fazer picuinha e atacar "blogueiros bolsonaristas", gente que, aliás, costuma ter muito mais engajamento do que esses jornalistas.
 
A prioridade dessa turma é lutar com unhas e dentes para resgatar uma era de hegemonia e monopólio das narrativas, uma época que não volta mais após o advento das redes sociais
Não há mais espírito público, compromisso com os fatos, a busca da verdade. 
Restou apenas a militância ideológica e a tentativa de assassinato de reputação dos novos concorrentes. 
São os blogueiros socialistas, que comandam o espetáculo da velha imprensa decadente...
Saber mais, clique aqui.
 
Rodrigo Constantino, colunista - Gazeta do Povo - VOZES
 
 

segunda-feira, 6 de julho de 2020

Maior transferência de renda precisa indicar fonte de recursos – Valor Econômico – Editoria

Valor Econômico


O grande debate se dará no Congresso, pois a ampliação do programa de transferência de renda necessitará de alterações constitucionais e legais

A pandemia de covid-19 desnudou para uma parte significativa da população brasileira uma realidade social de grande desigualdade e de pobreza no país. O quadro já era conhecido de muitos, mas ele ficou mais evidente para todos quando a mídia revelou que um grande número de cidadãos não dispunha sequer de água e sabão para higienizar as mãos e, com isso, proteger-se do novo coronavírus.

O desconhecido de quase todos foi o universo de brasileiros sem qualquer amparo do Estado, muitas vezes sem identificação civil. Foi essa a impressionante realidade revelada pelo auxílio emergencial de R$ 600 aos trabalhadores informais. Muitos ambulantes, domésticos e aqueles que fazem pequenos “bicos” para sobreviver não conseguiram o auxílio oferecido pelo governo simplesmente porque não tinham o RG (Registro Geral). Ou seja, não existiam para o Estado. Os cidadãos “invisíveis” passaram a ser identificados, pela primeira vez.

[Como é sabido ainda tem na fila da primeira parcela do 'auxílio emergencial', quase dois milhões de brasileiros.
Ocorre que o que é ruim, sempre pode piorar; especialmente quando envolve a Caixa Econômica Federal. Com muita enrolação grande parte dos inscritos conseguiram receber a primeira parcela no mês de junho. Todos ficaram confiantes de que a segunda parcela cairia na mesma conta que caiu a primeira.

Mas, a Caixa sempre empenhada em complicar decidiu pagar todos os auxílios via poupança digital - desprezando, buscando complicar, a conta corrente ou de poupança usada para a primeira parcela.

Com tão 'facilitadora' providência os milhões que ficaram esperando o crédito na conta convencional (usada na primeira parcela - portanto, testada e aprovada)  nada receberam e por desconhecer a mudança da conta de depósito, não conferiram a poupança digital.
A promessa é de que em meados deste mês, as contas digitais que não foram movimentadas, terão os valores transferidos para a conta convencional e ficará tudo bem.

FICARÁ MESMO? Tudo indica que as contas digitais são fáceis de serem  movimentadas indevidamente - fraudes - e o dinheiro sumir. Não tendo o que transferir, nada será transferido e também os que não receberam, não terão como, nem a quem, reclamar.

Aliás, ninguém entende para que colocar o tal 'ministério da cidadania' na questão nada faz. A redução do número de pessoas que não receberam é mérito da interferência da Dataprev. 
Uma pergunta: será que esse ministério da cidadania é mesmo necessário?
Talvez fosse conveniente, inteligente e até mesmo humano, disponibilizar uma página na Dataprev para que as pessoas que ainda estão com seus pedidos em análise - quase 2.000.000 de brasileiros, necessitados - possam recorrer da demora, questionar.
E os que receberam a primeira parcela e não tiveram acesso à segunda possam questionar.]

A injusta realidade brasileira incomodou a consciência nacional e muitas pessoas - economistas, sociólogos, empresários e cidadãos de várias profissões - passaram a defender a execução de uma política de transferência de renda pelo Estado que garanta um mínimo de dignidade a esses brasileiros.  São numerosas as propostas que surgiram, que vão desde a duplicação do programa Bolsa Família até a concessão de uma renda mínima a cada brasileiro. Em recente estudo feito para o Insper, o economista Marcos Mendes estimou que o custo adicional dos programas de transferência de renda varia de R$ 33 bilhões por ano a mais de R$ 900 bilhões por ano.


Um passo importante para a melhoria do quadro social, no entanto, já foi dado. O Congresso Nacional acaba de aprovar o novo marco legal do saneamento básico, que permite a privatização de estatais do setor e a participação da iniciativa privada nas licitações de obras. A perspectiva é de que aumentem os investimentos em saneamento nos próximos anos, melhorando o triste cenário brasileiro, onde cerca de 40 milhões de pessoas não têm acesso a água potável e cerca de 100 milhões não dispõem de coleta de esgoto em suas residências. A meta do novo marco legal é que, até 2033, 99% das residências tenham água potável e 90%, coleta e tratamento de esgoto. Isso pode melhor significativamente a saúde da população.

O impacto da realidade escancarada pela pandemia parece ter criado na sociedade um consenso de que é preciso aumentar a rede de proteção social, englobando aqueles que, atualmente, não recebem nada do Estado. O governo já anunciou a sua intenção de ampliar o programa de transferência de renda. Mas, como lembrou o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, em entrevista ao Valor, na semana passada, a condição para o novo programa é que o teto de gastos da União seja mantido. O teto é a âncora fiscal à qual o governo se agarra para sair do turbilhão de gastos que foi obrigado a fazer no enfrentamento desta terrível crise de saúde, e que elevou a dívida pública a quase 100% do Produto Interno Bruto (PIB). A ideia das autoridades econômicas é fazer uma realocação orçamentária, tirando recursos de programas menos eficientes e passando recursos para os mais eficientes.

O grande debate se dará no Congresso Nacional, pois, certamente, a ampliação do programa de transferência de renda necessitará de alterações constitucionais e legais. Há, no entanto, um princípio que deve nortear este debate. Ele foi expresso pelo economista Marcos Mendes, em seu estudo para o Insper. Mendes observa que qualquer ampliação de programa de transferência de renda deve ser precedida por medidas que assegurem as receitas para o seu financiamento. “Aprovar primeiro a expansão dos gastos, para depois se buscar o financiamento, em um contexto de alta fragilidade fiscal, será a receita para mais uma crise econômica”, adverte.  A justa exaltação de alguns para mudar o atual quadro de desigualdade do país não pode obscurecer a noção de que primeiro é necessário assegurar os meios para, em seguida, definir os benefícios. É o mínimo que se deve esperar de pessoas que realmente desejam mudar a atual realidade social do país, de forma sustentável.

Editorial Valor Econômico 

quarta-feira, 12 de junho de 2019

Diálogos permitem várias versões

Interpretações

Como a palavra escrita não tem entonação, é possível ter-se versões diferentes sobre o mesmo tema

A decisão do Conselho Nacional de Justiça de não levar adiante um pedido de investigação sobre o hoje ministro Sérgio Moro, sob a alegação de que ele não é mais juiz e, portanto, não está sob a jurisdição do CNJ, retira qualquer possibilidade de punição no campo jurídico a respeito das conversas reveladas pelo site Intercept. A questão agora fica por conta do Supremo Tribunal Federal (STF), que vai julgar no dia 25 um pedido de suspeição do juiz Moro feito pela defesa do ex-presidente. Esse pedido já foi rejeitado em diversas instâncias da Justiça, e a única novidade são as conversas reveladas agora.

A Segunda Turma, como fez ontem com o pedido de anulação dos julgamentos do TRF-4, deve mandar para o plenário a decisão dessa nova ação da defesa de Lula, pela gravidade de suas conseqüências. As conversas, mesmo não fazendo parte da ação que será julgada, certamente afetarão a decisão dos juízes. É difícil imaginar que o presidente da Corte, Dias Toffoli, e o ministro Alexandre de Moraes, aceitem julgar com base em provas recolhidas ilegalmente, já que eles são os líderes de uma ação singular do Supremo contra as fake news, e a atuação de hackers nas redes sociais. O que mais impactou quem leu a troca de mensagens entre o então juiz Sérgio Moro e o chefe dos procuradores da Lava-Jato, Deltan Dallagnol é a informalidade com que tratam de assuntos relacionados ao processo do ex-presidente Lula.


Jornalisticamente é compreensível que o Intercept tenha escolhido trechos sobre o ex-presidente Lula para abrir o que deve ser uma série. Não há registros, porém, de conversas sobre investigados de outros partidos políticos que, como ressaltou o procurador Dallagnol em defesa da Lava-Jato, já acusou só em Curitiba políticos e pessoas vinculadas ao PP, ao PT, ao PMDB, ao PSDB, ao PTB, e só a colaboração da Odebrecht nomeou 415 políticos de 26 diferentes partidos.

O trecho do Intercept em que Moro claramente sugere que os procuradores ouçam uma testemunha sobre uma suposta transferência ilegal de imóveis de filho do ex-presidente Lula, parece ser o mais próximo de um aconselhamento, o que é proibido pelo Código de Processo Penal e, teoricamente, pode ser motivo de anulação do julgamento.

“Então. Seguinte. Fonte me informou que a pessoa do contato estaria incomodado por ter sido a ela solicitada a lavratura de minutas de escrituras para transferências de propriedade de um dos filhos do ex Presidente. Aparentemente a pessoa estaria disposta a prestar a informação. Estou então repassando. A fonte é seria”, escreveu Moro. “Obrigado!! Faremos contato”, respondeu Dallagnol pouco depois. “E seriam dezenas de imóveis”, acrescentou o juiz. O que está sendo considerada uma sugestão indevida, na verdade, segundo fontes ligadas aos procuradores de Curitiba, foi uma maneira informal de oficiar ao Ministério Público a ocorrência de um possível crime que precisava ser apurado.

Qualquer pessoa, sobretudo um servidor público, [redundante destacar que mesmo um  juiz sendo considerado MEMBRO do Poder Judiciário, ele é antes de tudo um SERVIDOR PÚBLICO, além do que a obrigação de comunicar se estende a QUALQUER PESSOA.
Se ocorreu o tal diálogo Moro estava apenas cumprindo um DEVER LEGAL.]  tem o dever legal de encaminhar a denúncia ao Ministério Público. Não se sabe se Moro formalizou o ofício depois, ou achou suficiente essa comunicação através de mensagem de celular. Mais adiante, segundo a transcrição do Intercept, o procurador disse que ligou para a fonte, mas ela não quis falar. “Estou pensando em fazer uma intimação oficial até, com base em notícia apócrifa”, cogitou Dallagnol. Ao que tudo indica, diz o Intercept, o procurador estava considerando criar uma denúncia anônima para justificar o depoimento da fonte.

O juiz Sergio Moro endossou a gambiarra, na interpretação do Intercept: “Melhor formalizar então”, escreveu Moro. Assim como essa interpretação leva a um desvio de conduta, outras podem revelar uma relação informal, mas dentro da lei. Moro, alegam as mesmas fontes, quando escreveu “melhor formalizar, então”, estava advertindo Dallagnol de que teria que oficializar esse pedido, incluindo seu ofício aos procuradores. Como a palavra escrita não tem entonação, é possível ter-se versões diferentes sobre o mesmo tema.

Moro já disse que não tem condições de confirmar a veracidade das conversas, mas não negou que elas tenham acontecido. A certeza de que as conversas são editadas pelo site Intercept, revelada por ele, se deve, entre outras coisas, ao fato de estranhar que não haja nomes citados nessa suposta conversa. Ainda mais quando Dallagnol diz que vai mandar procurar a tal testemunha.

Merval Pereira, jornalista - O Globo