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domingo, 5 de fevereiro de 2023
Um governo de más notícias - Revista Oeste
J. R. Guzzo
Os números vão começar a cair no noticiário e na vida
real das pessoas — e não poderão ser suprimidos com discursos sobre a
“herança maldita” e o “genocídio” dos ianomâmis
Michel Temer, Alexandre de Moraes, Lula e Dilma Rousseff | Foto: Montagem
Revista Oeste/Wikimedia Commons/SCO/STF
A maior parte da esquerda brasileira, que
se comporta cada vez mais como se as últimas eleições para presidente da
República tivessem sido a conquista de Havana pelas tropas de Fidel
Castro, continua convencida, pelos atos que pratica, de que a “ditadura
do proletariado” já começou no Brasil. O presidente Lula, naturalmente, é
o condutor dessa marcha da insensatez.
É duvidoso que controle de fato o
que estão fazendo em seu governo, ou que saiba direito o que está sendo
feito, ou até quem foi nomeado para isso ou aquilo, mas está se achando
o grande comandante mundial das lutas pela vitória do “socialismo”
sobre a face da Terra. Imagina que é o Che Guevara do século 21, ou pelo
menos o Nicolás Maduro do Brasil — ou, quem sabe, um novo Perón, com
Evita e tudo.
Na sua esteira, com as mesmas agressões ao Brasil do
trabalho, da produção e das liberdades, vêm os ministros e a multidão de
sócios-proprietários que invadiu o seu governo e começa a construir ali
um caos digno de Dilma Rousseff. Ignoram que praticamente metade dos
eleitores que foram votar no segundo turno, pelos números do próprio
TSE, preferiu o seu adversário — e, por seu simples peso aritmético,
teriam de ser levados em conta em qualquer projeto minimamente
responsável de governo. Estão certos de que ganharam uma daquelas
eleições cubanas em que o governo leva 99% dos votos e que, por isso,
podem fazer o que bem entendem com o país, com 215 milhões de
brasileiros e, sobretudo, com o dinheiro do Tesouro Nacional.
Será que vai ser assim mesmo, e tão fácil? Quer dizer: Lula faz uns
discursos para criar a “moeda sul-americana”, o ministro da Justiça
amontoa projetos, medidas provisórias e decretos-lei destinados à
repressão política, o Senado reelege um presidente disposto a executar
as instruções do Palácio do Planalto, as autoridades falam em todes e todes,
e o Brasil vira socialista?
A conferir, em futuro próximo — mas com
apenas um mês de governo a revolução de Lula, do PT e da esquerda
nacional começa a descobrir que a vida tem problemas. O primeiro deles
foi uma espécie de bomba de hidrogênio nas ambições mais agressivas de
se suprimir a oposição do Congresso Nacional.
O ministro Alexandre
Moraes, numa decisão que oferece o primeiro grande sinal de paz para a
política brasileira nos últimos quatro anos, negou o destrutivo pedido
de suspender a posse de 11 deputados da oposição — exigência de um grupo
de advogados que está no coração da candidatura de Lula e ocupa
postos-chave dentro do seu governo.
Foi, possivelmente, a decisão mais
acertada de um ministro do Supremo Tribunal Federal desde que a vida
pública nacional entrou em parafuso com a eleição de Jair Bolsonaro para
presidente do Brasil.
O ministro Moraes deu um aviso claro, vigoroso e
essencial para a segurança dos parlamentares da oposição: seus mandatos,
conferidos pelo eleitor brasileiro, estão garantidos pelo STF — e não
dependem, como pretendem os radicais de esquerda, de aprovação do
governo para serem exercidos.
A decisão desmonta, simplesmente, o pior
ataque já feito pelo lulopetismo contra a liberdade parlamentar no
Brasil — as últimas cassações de mandato por motivo político foram no
Ato 5, durante a “ditadura militar” que Lula e o PT, pelo que têm feito,
tanto gostariam de ressuscitar no Brasil. Foi um choque elétrico.
“Daqui vocês não podem passar”, informou Moraes.
O ministro Alexandre de Moraes, que já havia desapontado a esquerda
com a decisão de devolver o acesso às redes sociais do deputado Nikolas
Ferreira, do PL— o mais votado nas últimas eleições, com quase 1,5
milhão de votos —, é um problema em aberto.
Com 54 anos de idade e a
vida pela frente, Moraes é um homem-chave no presente e no futuro da
política brasileira. Vale, sozinho, pelos dez outros ministros do STF
somados — com a exceção, talvez, de Gilmar Mendes, que também exerce
influência decisiva no compasso do tribunal.
(...)
É claro que ele continua tendo a seu cargo o inquérito criminal que
funciona, hoje, como a principal lei do Brasil, além, naturalmente, de
todos os inquéritos derivados dali — e sem o arquivamento do processo
todo a paz política e a segurança jurídica não voltam ao país. Mas não
haverá, na linha de tiro de Moraes, a figura que tem sido o inimigo
número 1, 2, 3, 4 e 5 de Lula e das forças que o apoiam. Não é a mesma
coisa. Daqui para a frente, sem Bolsonaro, o ministro Moraes muda de
natureza para Lula. A pergunta-chave é: seus planos vão ou não vão
continuar andando juntos? Não está claro se os dois querem as mesmas
coisas, e nem se o ministro está interessado em dividir o governo com o
presidente.
Não se sabe se ele pretende entrar em parceria com os
extremistas que controlam hoje as decisões de Lula; no caso da agressão
aos deputados, Moraes ficou contra eles e do lado da liberdade. Há
outras coisas que não se sabe. O que se sabe é que as âncoras políticas
do ministro, até o momento, têm sido o ex-presidente Michel Temer e o
vice-presidente Geraldo Alckmin; isso não é o PT.
Outro problema, para Lula, é a descoberta de que também ele, Sua
Santidade, pode meter o pé na jaca.
O pior momento, num mês com momentos
ruins quase diários, foi esse súbito caminhão de ira que resolveu
despejar em cima do impeachment de Dilma Rousseff. Foi um
desastre. Ninguém ficou a favor; ao contrário, o presidente levou até
dois editoriais indignados no lombo, um de O Estado de S. Paulo e outro de O Globo —já tinha levado um terceiro, da Folha de S.Paulo,
contra a neurastenia repressiva do governo.
Para que isso? Lula fez uma
acusação alucinada: sem que ninguém tivesse lhe perguntado nada, disse
que Dilma foi expulsa do governo por “um golpe de Estado”. Repetiu o
disparate e, para coroar, se referiu ao “golpista Michel Temer” — tudo
isso em viagem ao exterior e para plateias estrangeiras. É uma mentira
primitiva, insultuosa e mal-intencionada. Dilma foi destituída por um
procedimento absolutamente legal de impeachment, pelos votos de
61 senadores e 367 deputados, num processo que durou nove meses
inteiros, foi supervisionado passo a passo pelo STF e no qual teve o
mais amplo direito de defesa. Onde está o golpe? Estaria Lula anunciando
que, se houver um processo de impeachment contra ele, também será “golpe”? E se estiver — o que adianta isso?
Foi uma ofensa grosseira ao Congresso, ao STF e à verdade mais
elementar dos fatos; se ele não fosse Lula, seria punido histericamente
pelas duas polícias de combate à “desinformação” que já foram criadas em
seu governo. Foi, também, uma agressão sem pé nem cabeça contra o
ex-presidente Michel Temer.
A questão, aí, parece ser um velho e
aparentemente incurável defeito de fabricação de Lula — sua incapacidade
de controlar o próprio despeito. Temer fez, possivelmente, o melhor
governo que o Brasil já teve no período da pós-democratização, se for
considerado o país em ruínas que recebeu da era Lula-Dilma e o país que
entregou ao seu sucessor — mesmo levando-se em conta o extraordinário
sucesso de Fernando Henrique na eliminação da inflação e os evidentes
êxitos econômicos de Jair Bolsonaro. O governo Temer só teve um
problema: durou pouco, porque seu mandato constitucional foi curto. Tudo
isso, muito simplesmente, é insuportável para Lula, o presidente das
“heranças malditas” e imaginárias — um caso exemplar de problema que não
contém a semente de uma solução, mas apenas a semente de um outro
problema, e problema para ele mesmo.
O fato é que, depois de um mês no governo, Lula e o seu sistema não
conseguiram gerar uma única boa notícia — nem para eles próprios. O
único projeto de obra pública que Lula anunciou é na Argentina — e para a
duvidosa construção de um gasoduto conhecido pelo nome de “Vaca
Muerta”, para se ter uma ideia de onde estão querendo amarrar o burro do
BNDES.
A principal notícia no mundo dos negócios é a monumental fraude
contábil das Lojas Americanas,em cujo comando figura o empresário Jorge
Paulo Lemann, estrela entre os bilionários de esquerda do Brasil e
grande destaque na ala dos apoiadores capitalistas do presidente.Os
juros continuam em 13,75% ao ano, como resultado das expectativas ruins
em relação à inflação.
O mercado, a cada dia, mostra que não confia nem
na competência e nem nas intenções da equipe econômica — e Lula, em vez
de olhar para os problemas reais que provocam essa desconfiança, fica
bravo com o mercado. O Ministério da Agricultura, peça-chave para a área
mais produtiva da economia brasileira, está sendo substituído por um
“Ministério do Desenvolvimento Agrário”.
Os números do seu governo,
inevitavelmente, vão começar a cair no noticiário e na vida real das
pessoas — e não poderão ser suprimidos com discursos sobre a “herança
maldita” de Bolsonaro, a guerra na Ucrânia e o “genocídio” dos
ianomâmis.
O presidente, queira ou não queira, vai ter de conviver com a
realidade.
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