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segunda-feira, 10 de abril de 2023

A epidemia trans - Revista Oeste

Flávio Gordon

Em 2007, havia nos EUA duas clínicas pediátricas dedicadas ao tratamento de “redesignação de gênero”. Em 2022, elas passaram a ser centenas 

Frascos de estrogênio e testosterona para tratamento hormonal | Foto: Shutterstock
Frascos de estrogênio e testosterona para tratamento hormonal | Foto: Shutterstock 

“A ideia de que uma pessoa pode ter nascido em um corpo
do sexo errado que poderia ser transformado no outro sexo
por cirurgias e hormônios continuaria marginal por um tempo.
Isso agora está rapidamente se tornando uma visão
mainstream

de que a “transição” social e médica é o tratamento adequado
para pessoas, incluindo crianças, que se sentem em
desacordo com seu sexo biológico.”

Ryan T. Anderson, When Harry Became Sally, 2018

Uma imagem em circulação nas redes sociais sugere uma realidade alarmante: o aumento vertiginoso no número de clínicas pediátricas dedicadas ao tratamento (hormonal e/ou cirúrgico) de “redesignação de gênero”. São comparados dois mapas dos Estados Unidos, cada qual assinalado com as respectivas geolocalizações das clínicas. 
No primeiro mapa, de 2007, constam apenas duas, localizadas na Costa Oeste. 
Já no segundo, de 2022, aparece mais de uma centena de estabelecimentos do tipo, espalhados por todo o território do país. 
Em suma, em coisa de 15 anos, deu-se uma transformação social radical, que a muitos passou despercebida: a ideia de que alguém possa realmente mudar de sexo deixou de ser excêntrica e passou a ser normatizada, a ponto de se haver consolidado todo um vasto mercado médico em atenção à demanda.  
Aumento significativo de clínicas pediátricas dedicadas ao tratamento
 (hormonal e/ou cirúrgico) de “redesignação de gênero” em 2007 
e em 2022 | Foto: Reprodução
A informação trazida pelo comparativo é corroborada por uma série de outros dados similares. Todos apontam para um aumento vertiginoso, num curto período de tempo, de casos de pessoas transgênero em busca da assim chamada “redesignação”, tratamento médico que tem por objetivo modificar o corpo humano de modo a fazê-lo se adequar à identidade de gênero do paciente, ou seja, ao modo como o paciente se enxerga. 
O aumento mais significativo é observado entre crianças e adolescentes.  
Nos meses seguintes, a jovem que queria virar homem passou a sofrer com alterações drásticas de humor e ataques de fúria, durante os quais se autoflagelava violentamente
No Reino Unido, por exemplo, os dados de referência do Serviço Nacional de Saúde (NHS) mostraram um acréscimo de mais de 4.000% na demanda por serviços pediátricos de gênero, e isso em menos de uma década. 
Já nos EUA, uma pesquisa do UCLA School of Law’s Williams Institute (think tank dedicado a produzir estudos sobre identidade de gênero e orientação sexual para fins de políticas públicas) estimou em 1,6 milhão o número de pessoas trans no país, tendo por base os dados de saúde do CDC (Centers for Disease Control and Prevention) entre os anos de 2017 e 2020. Mas, para além desse número absoluto, o achado mais significativo da pesquisa é que, se a porcentagem de adultos identificados como transgênero permaneceu mais ou menos a mesma no período considerado, o número dobrou entre jovens e adolescentes na faixa etária dos 13 aos 24 anos, passando de 0,7% para 1,4%. 

Pesquisas mais recentes mostram números ainda mais expressivos. Segundo dados do Pew Research Center referentes ao ano passado, a porcentagem de pessoas adultas identificadas como transgênero ou seja, pessoas para as quais o próprio gênero não corresponde ao seu sexo biológico é atualmente de 1,6%. Já entre os jovens, esse número vai a incríveis 5,1%. 

Um aspecto curioso é o aumento de casos entre adolescentes do sexo feminino, fenômeno que reverte uma tendência pretérita, que costumava registrar a presença da assim chamada “disforia de gênero”, uma rara desordem psíquica, quase que exclusivamente entre jovens e adultos do sexo masculino. No livro Irreversible Damage: The Transgender Craze Seducing Our Daughters, a jornalista Abigail Shrier, do Wall Street Journal, aborda o fenômeno de maneira cuidadosa, demonstrando com sólidos argumentos tratar-se de uma verdadeira epidemia psicossocial, induzida por uma pesada indústria de propaganda, da qual fazem parte a imprensa mainstream, o meio acadêmico e várias instituições médicas. Hoje, suas principais vítimas são adolescentes do sexo feminino. 

Livro Irreversible Damage: The Transgender Craze Seducing 
Our Daughters | Foto: Divulgação

Baseando-se em centenas de depoimentos de pais, médicos, psiquiatras e adolescentes trans (muitas das quais arrependidas de se haverem submetido ao tratamento de “redesignação”), Shrier conclui que o problema não é realmente de saúde física individual, residindo muito mais no terreno das paixões coletivas, do contágio mimético e da psicose em massa, que acabam gerando uma demanda inautêntica e histerioforme por parte do público em questão. 

Para a autora, essas adolescentes têm sido vitimadas por um movimento político-ideológico que, de maneira irresponsável, as induz a assumirem definitiva e irrevogavelmente uma identidade trans, justo numa fase da vida em que as crises de identidade e as incertezas existenciais são comuns. O livro é repleto de casos, como o da jovem Helena, que, na plataforma Substack, escreveu um profundo relato sobre seu processo de “transição” e posterior “destransição” de gênero.  

Tendo sido uma criança absolutamente normal, sem qualquer sinal de desconforto com a sua condição prototípica de menina, Helena tornou-se uma adolescente introvertida e socialmente mal adaptada, eventualmente desenvolvendo depressão, mania de autoagressão e distúrbios alimentares. Por conta de suas dificuldades sociais no mundo real, a adolescente acabou encontrando refúgio no mundo virtual, notadamente no Tumblr. Nessa plataforma — cujo perfil demográfico de usuário era bastante homogêneo, consistindo numa absoluta maioria de meninas brancas de classe média —, conheceu centenas de outras adolescentes com problemas similares aos seus, e, pela primeira vez em muito tempo, passou a se sentir aceita. 

Foi na rede social que Helena ouviu falar do transgenderismo — e, mais especificamente, do transativismo. Apesar de se sentir confortável naquela “pequena ilha isolada, cuja população raramente interage com o mundo exterior” — assim a autora se refere ao Tumblr —, ela logo percebeu que a ideologia da justiça social ali predominante podia ser frequentemente opressiva. Na “República Popular do Tumblr”, o que veio a se chamar de movimento woke já era uma seita religiosa obrigatória, e Helena não tardou a ser inferiorizada e agressivamente cobrada por conta de seus “privilégios” de classe, de raça e… de gênero!  

“É compreensível que qualquer jovem exposto a esse sistema de crenças desenvolva um ressentimento pelo fato de ser branco, ‘cis’, hétero ou (biologicamente) homem” diz Helena. “A beleza da ideologia de gênero consiste em prover um meio de burlar o sistema, de modo a nos permitir retirar alguns daqueles alvos da própria testa e desfrutar da camaradagem de jovens com as mesmas ideias. Não podemos mudar de raça, e fingir outra orientação sexual seria bem desconfortável na prática. Mas podemos mudar de gênero, apenas acrescentando um determinado pronome à sua biografia. No ato, você passa de um opressor cruel, privilegiado e egoísta representante da escória cis-branca para uma respeitada pessoa trans, digna de celebração e acolhimento, por, agora, experimentar o sofrimento da marginalização e da opressão.” 

Hoje, Helena interpreta a sua imaginária “disforia de gênero” e a sua adesão à narrativa-padrão do transativismo o sentimento de repulsa por seu sexo biológico, a sensação de estar “preso” num corpo errado, a incessante e paranoica caça às bruxas da transfobia — como uma racionalização desse impulso primário por aceitação e acomodação social. Auto convencida de sua disforia, e amparada por um ambiente cultural que, glamorizando o transgenderismo como “a luta pelos direitos civis da nossa época” (segundo o presidente norte-americano Joe Biden), incentiva cada vez mais a “redesignação”, o fato é que, aos 18 anos, ela acabou indo parar numa das clínicas da Planned Parenthood em busca de tratamento com testosterona injetável.  
Não deixa de ser significativo, a propósito, que uma entidade cuja meta tem sido o controle da natalidade via aborto e esterilização tenha ingressado no ramo da “redesignação” ou “transição” de gênero, um tipo de experimento médico que, recorrendo entre outras coisas a bloqueio da puberdade, tende a causar infertilidade em jovens e adolescentes. 
Clínicas da Planned Parenthood ingressaram no ramo da 
“redesignação” ou “transição” de gênero, um tipo de experimento 
médico que tende a causar infertilidade em jovens e adolescentes - 
 Foto: Shutterstock

Na clínica de “redesignação”, Helena teve de preencher uns poucos formulários. Na conversa com a atendente que avaliaria a sua elegibilidade para o tratamento, a jovem argumentou que queria uma dosagem bem alta, pois, acreditando ter mais estrogênio que a média das AFABs (pessoas “assigned female at birth”), temia que a dosagem usualmente aplicada em outras companheiras do universo trans fosse insuficiente no seu caso. A enfermeira achou o argumento perfeitamente razoável e, incrivelmente, perguntou à paciente com qual dose ela gostaria de iniciar. Ansiosa, Helena solicitou a mais alta possível, e foi injetada com 100 miligramas de testosterona, dosagem quatro vezes maior do que a usual. 

Nos meses seguintes, a jovem que queria virar homem passou a sofrer com alterações drásticas de humor e ataques de fúria, durante os quais se autoflagelava violentamente. Após um dos surtos, no qual quase cometeu suicídio, foi parar numa clínica psiquiátrica, diagnosticada com síndrome da personalidade borderline, depressão profunda e psicose aguda. Nada lhe foi perguntado sobre o tratamento hormonal. A experiência fez com que Helena começasse a tomar o perigoso caminho da apostasia, passando a questionar, de início com muita culpa e medo, o próprio transgenderismo. 

“Na comunidade trans, as pessoas lidam com as dúvidas inerentes, e a dissonância cognitiva de querer ser o que não se é encorajando outros a fazer o mesmo” — conta Helena. “Daí por que tantos adultos trans façam a apologia da transição entre crianças. Se uma criança pura e inocente pode ‘ser trans’, isso ajuda a validar a sua identidade e o seu sistema de crenças. Grande quantidade de energia mental é devotada a esse crowdsourcing de validação social e banimento de tudo o que possa gerar um conflito interno, possibilidade que está sempre à espreita no fundo do espírito”. 

Tendo tomado consciência desse mecanismo coletivo de recalcamento, sob a bandeira do transativismo, de crises psicossociais típicas da adolescência feminina — processo de contágio social que a psicóloga social Lisa Littman celebremente batizou de rapid-onset gender dysphoria (ROGD) —, Helena não pôde deixar de concluir: “Fui manipulada, abusada e envolvida numa espécie de culto ou seita”. No Brasil contemporâneo, o fenômeno conta com a adesão irrestrita de grande parte da mídia mainstream, que reporta como grande conquista civilizacional o fato de já haver crianças entre 4 e 12 anos de idade submetidas ao radical experimento da “transição de gênero”, cujos efeitos físicos e psíquicos podem marcar para sempre suas vidas. Seguiremos com o exame do transativismo em artigos futuros.  

Leia também “O retorno de Bolsonaro e o futuro político da direita”

Flavio Gordon, colunista - Revista Oeste

 

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