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sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Tragédia no Hajj

O governo saudita tem investido bilhões de dólares para ampliar e melhorar os lugares usados na peregrinação anual a Meca

O Hajj, ou a peregrinação anual de muçulmanos para Meca, nunca foi fácil. Antigamente, chegava-se a essa cidade mais sagrada do Islã de navio, a camelo e a pé. Para muçulmanos vindos de Egito, Marrocos, Índia e a Indonésia, era uma viagem longa, dura e, muitas vezes, perigosa. Esses viajantes tinham que aguentar tempestades de areia, temporais em alto-mar e os ataques de piratas ao longo do caminho. Agora em nossos tempos modernos, com jatos que cortaram o tempo de viagem para meras horas, os perigos são outros.

No dia 11 de setembro, um dos quase 50 guindastes enormes sendo usados para a ampliação da Grande Mesquita de Meca caiu durante uma tempestade violenta e matou mais de cem peregrinos. O governo saudita reagiu rapidamente, indenizando as famílias de todos os atingidos e ordenando um inquérito para descobrir se houve negligência por parte dos engenheiros da construtora Binladin, que é encarregada da ampliação da mesquita. Também proibiu a saída do país do alto escalão da Binladin até o fim da investigação.

Mas foi na semana passada que ocorreu uma tragédia maior. Os peregrinos estavam aglomerados em Mina, a cinco quilômetros de Meca, para apedrejar o diabo, um ato simbólico e chave do Hajj. Em Mina há muitos acampamentos com tendas para abrigar os dois milhões de fiéis que fizeram o Hajj este ano. Na manhã do dia 24 de setembro, um grupo de peregrinos seguia para o Jamarat, o lugar onde o apedrejamento é feito, e outro estava vindo na mesma rua na direção oposta. O problema é que esta rua é bem estreita e de mão única. Quando os dois grupos se encontraram, o tumulto começou. No calor beirando os 45 graus, e com o desejo fervoroso de muitos peregrinos de avançar rapidamente, o pior aconteceu. O pânico se alastrou na multidão e centenas de pessoas começaram a pisotear umas às outras. Nessa debandada fatal morreram 782 peregrinos, e mais de 900 ficaram feridos. A maioria morreu asfixiada.

O Irã, antigo rival da Arábia Saudita, perdeu 464 dos seus peregrinos na tragédia e foi o primeiro país a criticar o desempenho do reino em organizar e controlar o Hajj. Parte desta crítica se refere ao fato de que a Arábia Saudita deveria desistir de controlar o Hajj, e passar esta atribuição a um grupo de países muçulmanos, incluindo o Irã. Mas esta é uma demanda antiga, e uma acusação que os iranianos gostam de fazer cada vez que uma tragédia acontece no Hajj. E é claro que os sauditas nunca irão abrir mão da organização de um evento religioso tão importante como o Hajj, que lhe dá um grande prestigio religioso. O rei Salman ibn Abdul Aziz ordenou uma investigação, e disse que os responsáveis vão ser punidos.

A verdade é que o governo saudita tem investido bilhões de dólares para ampliar e melhorar os lugares usados no Hajj, como em Mina e no Jamarat. Construiu uma ponte muito larga para conduzir peregrinos em Mina depois que houve a tragédia em 1990, quando 1.426 peregrinos morreram pisoteados num túnel. A Grande Mesquita em Meca e a Mesquita do Profeta Maomé em Medina foram largamente expandidas algumas vezes para acomodar mais fiéis de uma vez. Um veículo leve sobre trilhos foi construído, ligando Meca a Arafat, Mina e Muzdalifah, com um percurso de 18 quilômetros, para levar peregrinos a estes lugares, em lugar de ônibus. E um trem de alta velocidade estará pronto no ano que vem ligando Meca a Medina, passando por Jidá, a uma distancia de mais de 400 quilômetros.

Muitos críticos perguntaram porque o reino não fez estudos de controle de multidões, mas a verdade é que já fizeram isso anos atrás. E continuam fazendo por meio do Centro de Pesquisas do Hajj, inaugurado em 1975. Além do Ministério do Hajj, que se mobiliza o ano inteiro planejando e se preparando para esse evento gigantesco. Este ano, somente dois milhões de peregrinos fizeram o Hajj por causa da falta do espaço físico na Grande Mesquita e na Mesquita do Profeta, em obras de ampliação. Em 2012, foram três milhões de peregrinos. O governo saudita dá cotas de vistos para o Hajj a todo país com muçulmanos, para tentar regular o número de pessoas. Mas os países com grande numero de muçulmanos, como o Egito, o Paquistão, a Índia e a Indonésia sempre se queixam de que os sauditas não dão um número suficiente de vistos a eles.

De acordo com as estatísticas, o número de peregrinos em 1920 foi somente 58.584, pulando para 100.000 em 1950, chegando a 1,86 milhão em 1995. De 2005 para cá, o numero anual de peregrinos não tem ficado abaixo de dois milhões.

É extremamente triste e frustrante ver tantos mortos e feridos como aconteceu na última tragédia em Mina. Espero que o governo saudita investigue tudo prontamente e estude novos meios de controlar essas multidões de peregrinos de várias idades e nacionalidades para poder melhor protegê-los e não deixar tragédias assim acontecer de novo. E o Irã deveria ter vergonha de tentar tirar proveito político e ideológico dessa tragédia para ganhar pontos na sua luta sectária contra a Arábia Saudita. Em vez de atacar os sauditas, os iranianos e todos os outros muçulmanos deveriam se esforçar para achar novos meios de trazer mais segurança para um acontecimento tão religioso e sagrado para todos os muçulmanos.

Por: Rasheed Abou-Alsamh é jornalista

sábado, 10 de janeiro de 2015

A tirania do silêncio

Uma cruel inversão de valores leva muitos a fechar os olhos à dimensão político-religiosa de atentados bárbaros e, imediatamente depois deles, culpar a “islamofobia”

Em algum lugar entre dois extremos está a razão. Uma das extremidades é bem conhecida: a cada vez que é cometido um atentado sanguinário em consonância com os ensinamentos do fundamentalismo muçulmano, multiplicam-se as reações garantindo que a violência não tem absolutamente nada a ver com a religião revelada há 1 400 anos a Maomé, por inspiração divina segundo acreditam seus seguidores. Ao contrário, dizem, o Islã é a religião da paz e quem comete atrocidades em seu nome está desvirtuando seus fundamentos. Ou talvez seus autores tenham lá no fundo suas razões, pelos motivos de sempre — a exclusão, a perseguição, o domínio imperialista e outras distorções infantis que povoam o universo mental daqueles que querem, no fim de tudo, pôr a culpa nos americanos. Entre estes, incluem-se muitos americanos, fruto da civilização ocidental avançada na qual os enormes benefícios do pensamento livre de controles do Estado e da Igreja redundaram, em sua forma distorcida, no impulso masoquista de culpar a si mesmos por todas as atrocidades, contanto que cometidas por gente de pele mais escura, cabelos mais encaracolados e roupas mais exóticas.
 Rejeitados por todo o espectro político, alemães se manifestam no escuro contra a islamização (Jens Meyer/AP)
E do outro lado, quem está? Surpreendentemente, a extrema direita, que deveria estar bradando por sangue, pronta para cravar seus dentes islamofóbicos em vítimas inocentes e tirar proveito dos atos de barbárie, tem demonstrado, pelo menos em público, contenção e argumentos razoáveis. “Por que chegamos a esse ponto? Qual o percurso desses assassinos, as ramificações das fileiras do Islã radical em nosso solo, seus financiamentos? Que países os apoiam? As perguntas são muitas e legítimas. O tempo da negação e da hipocrisia já passou. É preciso proclamar em alto e bom som o repúdio absoluto ao fundamentalismo islâmico”, disse sobre o massacre de qu­arta-feira Marine Le Pen, herdeira, líder e candidata razoavelmente viável a presidente pela Frente Nacional, um dos partidos europeus classificados ora de populistas, ora de ultradireitistas. É sob o pretexto de não fazer o jogo desses partidos que as esquerdas nem esperam esfriar os corpos das vítimas da mais poderosa ideologia político-religiosa das últimas décadas para invocar os perigos da islamofobia. Aliás, não só as esquerdas. Na Alemanha, o centro e a direita também se uniram à condenação a um movimento que surgiu nos últimos meses, o Pegida — acróstico de Patriotas Europeus contra a Islamização do Ocidente. Chamados de tudo — de inocentes tolamente manipulados a neonazistas —, cerca de 17 000 alemães manifestaram-se comportadamente em Dresden, em um ato que terminou em frente à histórica catedral, de luzes apagadas como sinal de repulsa a eles.

É claro que todos esses partidos ou movimentos têm esqueletos xenofóbicos no armário, que procuram esconder ou, devidamente, extirpar. E é lamentável que acabem se constituindo quase que na única opção àqueles que não acreditam que não existe problema algum na militância político-religiosa do islamismo radical, mesmo quando os próprios radicais proclamam sua pureza teológica — a cena em que um acusado de roubo tem a mão decepada por integrantes do Estado Islâmico foi divulgada na semana passada como outra atroz demonstração de que seguem ao pé da letra a sharia, o conjunto de leis muçulmanas originais. Entre as duas pontas, sobra pouco espaço para pessoas razoáveis e corajosas como Flemming Rose, editor do jornal dinamarquês que encomendou charges sobre Maomé que provocaram reação brutal em 2005, não só entre os muçulmanos que cortam alegremente cabeças e mãos, mas entre cidadãos comuns para os quais a liberdade de expressão é um valor desprezível ante suas crenças religiosas e seus cúmplices atordoados pelo medo da islamofobia. “Encomendei as charges em resposta a vários incidentes de autocensura na Europa provocados por um crescente sentimento de medo e de intimidação no trato de assuntos relacionados ao Islã”, escreveu Rose, que depois fez um livro com o título reproduzido nesta reportagem, A Tirania do Silêncio. “E continuo a acreditar que esse é um tópico que nós europeus precisamos enfrentar, desafiando os muçulmanos moderados a se pronunciar.” Rose está em todas as listas de cabeças a prêmio de grupos fundamentalistas. Quantos moderados estão dispostos a protegê-lo para que o massacre na redação do Charlie Hebdo não se repita?

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