O governo saudita tem investido bilhões de dólares para ampliar e melhorar os lugares usados na peregrinação anual a Meca
O Hajj, ou a
peregrinação anual de muçulmanos para Meca, nunca foi fácil.
Antigamente, chegava-se a essa cidade mais sagrada do Islã de navio, a
camelo e a pé. Para muçulmanos vindos de Egito, Marrocos, Índia e a
Indonésia, era uma viagem longa, dura e, muitas vezes, perigosa. Esses
viajantes tinham que aguentar tempestades de areia, temporais em
alto-mar e os ataques de piratas ao longo do caminho. Agora em nossos
tempos modernos, com jatos que cortaram o tempo de viagem para meras
horas, os perigos são outros.
No dia 11 de setembro, um dos quase
50 guindastes enormes sendo usados para a ampliação da Grande Mesquita
de Meca caiu durante uma tempestade violenta e matou mais de cem
peregrinos. O governo saudita reagiu rapidamente, indenizando as
famílias de todos os atingidos e ordenando um inquérito para descobrir
se houve negligência por parte dos engenheiros da construtora Binladin,
que é encarregada da ampliação da mesquita. Também proibiu a saída do
país do alto escalão da Binladin até o fim da investigação.
Mas
foi na semana passada que ocorreu uma tragédia maior. Os peregrinos
estavam aglomerados em Mina, a cinco quilômetros de Meca, para apedrejar
o diabo, um ato simbólico e chave do Hajj. Em Mina há muitos
acampamentos com tendas para abrigar os dois milhões de fiéis que
fizeram o Hajj este ano. Na manhã do dia 24 de setembro, um grupo de
peregrinos seguia para o Jamarat, o lugar onde o apedrejamento é feito, e
outro estava vindo na mesma rua na direção oposta. O problema é que
esta rua é bem estreita e de mão única. Quando os dois grupos se
encontraram, o tumulto começou. No calor beirando os 45 graus, e com o
desejo fervoroso de muitos peregrinos de avançar rapidamente, o pior
aconteceu. O pânico se alastrou na multidão e centenas de pessoas
começaram a pisotear umas às outras. Nessa debandada fatal morreram 782
peregrinos, e mais de 900 ficaram feridos. A maioria morreu asfixiada.
O
Irã, antigo rival da Arábia Saudita, perdeu 464 dos seus peregrinos na
tragédia e foi o primeiro país a criticar o desempenho do reino em
organizar e controlar o Hajj. Parte desta crítica se refere ao fato de
que a Arábia Saudita deveria desistir de controlar o Hajj, e passar esta
atribuição a um grupo de países muçulmanos, incluindo o Irã. Mas esta é
uma demanda antiga, e uma acusação que os iranianos gostam de fazer
cada vez que uma tragédia acontece no Hajj. E é claro que os sauditas
nunca irão abrir mão da organização de um evento religioso tão
importante como o Hajj, que lhe dá um grande prestigio religioso. O rei
Salman ibn Abdul Aziz ordenou uma investigação, e disse que os
responsáveis vão ser punidos.
A verdade é que o governo saudita
tem investido bilhões de dólares para ampliar e melhorar os lugares
usados no Hajj, como em Mina e no Jamarat. Construiu uma ponte muito
larga para conduzir peregrinos em Mina depois que houve a tragédia em
1990, quando 1.426 peregrinos morreram pisoteados num túnel. A Grande
Mesquita em Meca e a Mesquita do Profeta Maomé em Medina foram
largamente expandidas algumas vezes para acomodar mais fiéis de uma vez.
Um veículo leve sobre trilhos foi construído, ligando Meca a Arafat,
Mina e Muzdalifah, com um percurso de 18 quilômetros, para levar
peregrinos a estes lugares, em lugar de ônibus. E um trem de alta
velocidade estará pronto no ano que vem ligando Meca a Medina, passando
por Jidá, a uma distancia de mais de 400 quilômetros.
Muitos
críticos perguntaram porque o reino não fez estudos de controle de
multidões, mas a verdade é que já fizeram isso anos atrás. E continuam
fazendo por meio do Centro de Pesquisas do Hajj, inaugurado em 1975.
Além do Ministério do Hajj, que se mobiliza o ano inteiro planejando e
se preparando para esse evento gigantesco. Este ano, somente dois
milhões de peregrinos fizeram o Hajj por causa da falta do espaço físico
na Grande Mesquita e na Mesquita do Profeta, em obras de ampliação. Em
2012, foram três milhões de peregrinos. O governo saudita dá cotas de
vistos para o Hajj a todo país com muçulmanos, para tentar regular o
número de pessoas. Mas os países com grande numero de muçulmanos, como o
Egito, o Paquistão, a Índia e a Indonésia sempre se queixam de que os
sauditas não dão um número suficiente de vistos a eles.
De acordo
com as estatísticas, o número de peregrinos em 1920 foi somente 58.584,
pulando para 100.000 em 1950, chegando a 1,86 milhão em 1995. De 2005
para cá, o numero anual de peregrinos não tem ficado abaixo de dois
milhões.
É extremamente triste e frustrante ver tantos mortos e
feridos como aconteceu na última tragédia em Mina. Espero que o governo
saudita investigue tudo prontamente e estude novos meios de controlar
essas multidões de peregrinos de várias idades e nacionalidades para
poder melhor protegê-los e não deixar tragédias assim acontecer de novo.
E o Irã deveria ter vergonha de tentar tirar proveito político e
ideológico dessa tragédia para ganhar pontos na sua luta sectária contra
a Arábia Saudita. Em vez de atacar os sauditas, os iranianos e todos os
outros muçulmanos deveriam se esforçar para achar novos meios de trazer
mais segurança para um acontecimento tão religioso e sagrado para todos
os muçulmanos.
Por: Rasheed Abou-Alsamh é jornalista