Análise Política
Ficará para a história que a revogação da Lei de Segurança
Nacional foi sancionada por Jair Bolsonaro, o presidente admirador dos governos
comandados por generais (1964-1985), e cujos seguidores até outro dia saíam às
ruas pedindo a volta do Ato Institucional número 5. Desde a redemocratização, passaram pelo Planalto Sarney,
Collor, Itamar, FHC, Lula, Dilma e Temer. Mas quem revogou a LSN foi Bolsonaro.
Assim é a vida. Nenhum dos antecessores teve a vontade, a coragem ou as
condições políticas para fazer. Bolsonaro fez.
É provável ter influído na decisão do presidente os
correligionários e admiradores dele andarem acossados pela Justiça com
base no
texto agora revogado. Vale aqui Ortega y Gasset: cada um é ele mesmo e
suas
circunstâncias. Mas o que fica é o que se faz.
Quanto as circunstâncias
influíram? Os historiadores debaterão até o fim dos tempos.
Cada um ser ele mesmo e suas circunstâncias ajuda a explicar
também por que boa parte das vítimas da censura no período militar carreguem
agora a bandeira do “combate às fake news”. Ou seja, criminalizar a mentira.
Outro acerto de Bolsonaro: vetar na legislação que substitui a LSN dispositivos
que poderiam abrir (mais) espaço para a censura.
Segundo o “dicionário nacional do oportunismo político”
(atenção: isso foi uma ironia), “fake news” é a mentira que nosso adversário
político conta, enquanto “liberdade de expressão” é o nosso direito inalienável
de mentir, neste caso para a sociedade evitar o risco de ser tragada por
ditaduras brutais.
Entre o propósito alardeado de viver num país fundado em
concepções liberais e a intenção de proteger a sociedade da desinformação mora
um problema insolúvel: criar uma regra justa sobre quem vai deter o poder
de estabelecer o que é verdade e o que é mentira. Um exemplo singelo: se a Teoria da Evolução for definida
como a verdade oficial, a que tipo de punição estarão sujeitos religiosos e
religiões que defendem o universo ter sido criado por Deus em seis dias (consta
que Ele descansou no sétimo)? [NENHUMA PUNIÇÃO - a teoria da evolução teve um ponto inicial e quem criou tal ponto?]
Contra esse exemplo, poder-se-á argumentar que a legislação
afinal vetada pretendia punir não exatamente quem mentisse na eleição, mas quem
divulgasse maciçamente informação sabidamente falsa.
Aí piora. Segundo a Constituição brasileira, que ainda está
formalmente em vigor, só é considerado culpado quem tem sentença transitada em
julgado. Detalhe facilmente verificável em cada caso, bastando consultar os
anais da Justiça. Inclusive pela Internet.
Ora, mas se é assim, chamar o candidato Fulano de “corrupto”
sem ele ter condenação por corrupção transitada em julgado é fake news com
registro em cartório e firma reconhecida. O mesmo se dará quando alguém,
inadvertidamente, acusar o candidato Beltrano de “genocida” sem ele ter sido
condenado definitivamente por genocídio.
Exemplos abundam.
Deveríamos ter punido quem garantiu que a
revogação da CPMF baratearia os produtos e serviços?
Ou punir quem assegura que a
cada “reforma trabalhista” milhões de empregos serão criados por causa da
redução do custo de contratar?
Melhor deixar pra lá.
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político