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sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Melhor deixar pra lá - Alon Feuerwerker

Análise Política
 
Ficará para a história que a revogação da Lei de Segurança Nacional foi sancionada por Jair Bolsonaro, o presidente admirador dos governos comandados por generais (1964-1985), e cujos seguidores até outro dia saíam às ruas pedindo a volta do Ato Institucional número 5. Desde a redemocratização, passaram pelo Planalto Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula, Dilma e Temer. Mas quem revogou a LSN foi Bolsonaro. Assim é a vida. Nenhum dos antecessores teve a vontade, a coragem ou as condições políticas para fazer. Bolsonaro fez.
 
É provável ter influído na decisão do presidente os correligionários e admiradores dele andarem acossados pela Justiça com base no texto agora revogado. Vale aqui Ortega y Gasset: cada um é ele mesmo e suas circunstâncias. Mas o que fica é o que se faz. 
Quanto as circunstâncias influíram? Os historiadores debaterão até o fim dos tempos.
 
Cada um ser ele mesmo e suas circunstâncias ajuda a explicar também por que boa parte das vítimas da censura no período militar carreguem agora a bandeira do “combate às fake news”. Ou seja, criminalizar a mentira. Outro acerto de Bolsonaro: vetar na legislação que substitui a LSN dispositivos que poderiam abrir (mais) espaço para a censura.
Segundo o “dicionário nacional do oportunismo político” (atenção: isso foi uma ironia), “fake news” é a mentira que nosso adversário político conta, enquanto “liberdade de expressão” é o nosso direito inalienável de mentir, neste caso para a sociedade evitar o risco de ser tragada por ditaduras brutais.
 
Entre o propósito alardeado de viver num país fundado em concepções liberais e a intenção de proteger a sociedade da desinformação mora um problema insolúvel: criar uma regra justa sobre quem vai deter o poder de estabelecer o que é verdade e o que é mentira. Um exemplo singelo: se a Teoria da Evolução for definida como a verdade oficial, a que tipo de punição estarão sujeitos religiosos e religiões que defendem o universo ter sido criado por Deus em seis dias (consta que Ele descansou no sétimo)? [NENHUMA PUNIÇÃO - a teoria da evolução teve um ponto inicial e quem criou tal ponto?]
Contra esse exemplo, poder-se-á argumentar que a legislação afinal vetada pretendia punir não exatamente quem mentisse na eleição, mas quem divulgasse maciçamente informação sabidamente falsa.
 
Aí piora. Segundo a Constituição brasileira, que ainda está formalmente em vigor, só é considerado culpado quem tem sentença transitada em julgado. Detalhe facilmente verificável em cada caso, bastando consultar os anais da Justiça. Inclusive pela Internet.
Ora, mas se é assim, chamar o candidato Fulano de “corrupto” sem ele ter condenação por corrupção transitada em julgado é fake news com registro em cartório e firma reconhecida. O mesmo se dará quando alguém, inadvertidamente, acusar o candidato Beltrano de “genocida” sem ele ter sido condenado definitivamente por genocídio.
 
Exemplos abundam
Deveríamos ter punido quem garantiu que a revogação da CPMF baratearia os produtos e serviços? 
Ou punir quem assegura que a cada “reforma trabalhista” milhões de empregos serão criados por causa da redução do custo de contratar?
Melhor deixar pra lá.
 
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político
 

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Organizações e seus líderes se escondem no momento em que o País precisaria oferecer resistência à escalada ditatorial do STF - J.R. Guzzo



‘Sociedade civil’





Onde andaria, nos dias de hoje, asociedade civil”? Muita gente talvez ainda se lembre dela – um condomínio de nomes com registro no CNPJ, chefiados por gente que jamais chegou perto de uma eleição direta para ganhar os cargos que ocupa e dedicados, segundo o que está escrito nos seus estatutos, a assinar documentos em favor das boas causas. Cidadania, igualdade entre as pessoas e povos, “diversidade”, oposição ao racismo, proteção das “minorias”, dos índios, dos moradores de rua – enfim, tudo serve. Até um tempo atrás, sua Bíblia exigia, também, o respeito religioso à Constituição e às liberdades públicas e individuais, a começar pela livre manifestação do pensamento. Faziam questão fechada, enfim, de que fossem cumpridas as mais extremadas miudezas legais que protegem o direito de defesa sobretudo quando se trata da defesa de acusados por crimes de corrupção cometidos entre 1º. de janeiro de 2003 e 31 de agosto de 2016, mais ou menos.







Muito bem: o Brasil está passando hoje pela mais intolerante ofensiva contra as liberdades, a democracia e o estado de direito desde que o governo do general Costa e Silva baixou o Ato Institucional número 5, em 1968, que durante dez anos inteiros serviu como manual de regras do regime militar. A violação da lei, hoje, não vem do QG do Exército – vem do Supremo Tribunal Federal, onde dez ministros se tornaram cúmplices de atos que agridem abertamente a Constituição e outros códigos de lei, com seu inquérito ilegal e secreto contra os militantes radicais do governo do presidente Jair Bolsonaro. Mas justo nessa hora em que o país precisaria tanto da “sociedade civil”, para oferecer um mínimo de resistência à escalada ditatorial do STF, suas organizações e seus líderes se escondem. A lei é para todos o fato de serem adeptos de Bolsonaro não elimina os direitos civis de nenhum dos brasileiros hoje perseguidos ilegalmente pelo STF. Ninguém, nem o tribunal que se diz “supremo”, tem a autoridade legal de anular a sua cidadania. Está acontecendo o contrário.

“Estamos vivendo um período crítico, em que vários direitos fundamentais do cidadão estão sendo violados”, diz o advogado Emerson Grigollette, um dos coordenadores da ação que 7.000 advogados brasileiros movem no momento contra o inquérito ilegal do STF. “Precisamos ter acesso ao inquérito na íntegra, para que a gente possa exercer a nossa profissão – preservando a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal”. A OAB, à esta altura, deveria estar dando todo apoio para os 7.000 dos seus associados que cobram o direito de trabalhar – além do mais, são 7.000, não uma meia dúzia. Mas não está; sumiu, simplesmente. “A OAB não fez absolutamente nada”, diz Grigollette. Melhor assim, talvez: se a OAB tiver de tomar posição é possível que tenhamos o espetáculo inédito de uma associação de advogados que fica contra os advogados.


Não é pouca coisa. A maioria das entidades da “sociedade civil” tem importância próxima ao zero. Nenhum jornalista, por exemplo, é obrigado a ser sócio da Associação Brasileira de Imprensa. A única atividade de alguma relevância da União Nacional dos Estudantes é traficar carteirinhas de meia entrada no cinema. Se você não é bispo, pouco se lhe dá o que fazem ou não fazem os membros da Conferência Nacional dos Bispos. Mas com a OAB a história é diferente. Todos os 1,1 milhão de advogados do Brasilsim, é isso mesmo, mais de 1 milhãosão obrigados por lei a serem filiados (e pagarem anuidade) à OAB; sem a “carteira da Ordem”, não podem exercer a profissão. O mínimo que os associados poderiam esperar é que sua entidade profissional não os persiga. Mas no Brasil a “sociedade civil” é outra coisa. [atualmente a OAB é usada como palanque para seu presidente criticar o governo de um presidente eleito com quase 60.000.000 de votos.] 

J.R. Guzzo, jornalista - O Estado de S. Paulo