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quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Temer quer destruir o PSDB

Aécio é um biombo atrás do qual está o PMDB do tempo em que FHC, Montoro e Covas fundaram o tucanato

Fernando Henrique Cardoso e Tasso Jereissati jamais poderiam ter imaginado que, apoiando a deposição de Dilma Rousseff, substituindo-a por Michel Temer, levariam o partido para sua pior crise, correndo o risco da implosão. O vice-presidente da chapa de Dilma está esfarelando o tucanato com a ajuda de Aécio Neves, o candidato do PSDB derrotado em 2014.

Com todos os seus defeitos, o PSDB não é um partido qualquer. Ele foi criado por Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas, Franco Montoro e José Richa. Noves fora a qualidade biográfica desse grupo, eles abandonaram o PMDB, porque prevalecera a caciquia do governador paulista Orestes Quércia.  Quércia foi o primeiro político bilionário produzido pela redemocratização. Ao morrer, em 2010, deixou um patrimônio de cerca de R$ 1 bilhão. Montoro, Fernando Henrique e Covas fugiram desse modelo e fundaram o PSDB em 1988. Dois anos depois, o poderoso Quércia e seu PMDB elegeram seu sucessor, e Aloysio Nunes Ferreira tornou-se vice-governador. O tucanato só recuperou o governo de São Paulo em 1995, com Mário Covas e está lá até hoje, com o apoio do PMDB, é claro.

Michel Temer navegou no PMDB, sem ser admitido no círculo elitista do tucanato de São Paulo. O vice Nunes Ferreira migrou para o PSDB em 1997 e chegou a ocupar o Ministério da Justiça no governo de Fernando Henrique Cardoso. Hoje é o ministro das Relações Exteriores de Temer e feroz defensor da permanência do tucanato no governo. (Antônio Imbassahy, atual ministro da Secretaria de Governo, também quer que os tucanos fiquem no Planalto, mas sua relação com o PSDB começou em 2005. Antes disso, era um quadro promissor dos governos de Antônio Carlos Magalhães na Bahia.)

Brigas de tucanos não chegam a ser novidade, mas poucos estranhamentos podem ser comparados ao que envolveu Tasso e Aloysio no Alvorada, em dezembro de 2001. Uma testemunha temeu pelo pior. Os dois reaproximaram-se, mas nem tanto.  O que parece ser uma briga de Aécio Neves com Tasso Jereissati pelo controle do PSDB é uma revanche do PMDB. A revanche de um partido no qual o quercismo foi uma doença infantil que se fortaleceu na maturidade e chegou ao poder com a deposição de Dilma Rousseff.

Pode-se acusar o PSDB de tudo, mas ele tem uma corrente ideológica. É ambígua, convive com o que condena, mas preserva uma ambição ideológica. Quem duvidar dessa característica pode ler quaisquer páginas dos três volumes dos “Diários da Presidência”, de Fernando Henrique Cardoso. Enquanto os tucanos mandaram em Brasília, sempre houve quem defendesse um endurecimento do jogo com o PMDB. Tratava-se de contrariar seus pleitos, elevando a tensão, na certeza de que o partido de Temer seria capaz de tudo, menos de romper com o governo. A ideia nunca foi em frente. Numa trapaça da História, Temer está na Presidência e fez com os tucanos o que eles não tiveram coragem de fazer com ele. Elevou a tensão e obrigou o PSDB e seus valorosos intelectuais a decidir se são valentes a ponto de apoiar programas e abandonar cargos.

Para Tasso Jereissati, isso não é ameaça, é conforto. Para Temer, a briga com Aécio Neves é um presente dos deuses. O PSDB, dividido, poderá encolher, dando ao PMDB o direito de sonhar com o seu espólio. Não foi uma vingança planejada, era apenas inevitável.

Fonte: Elio Gaspari, jornalista - O Globo

sábado, 26 de novembro de 2016

O conjunto da obra ameaça Temer

Os políticos não entenderam que o país mudou. Eles se matam por um apartamento de luxo? 

Não é um tríplex, mas o apartamento embargado de Ged­del Vieira Lima (que pediu demissão na sexta-feira, dia 25) já desabou em cima do presidente Michel Temer. A política tem dessas coisas, Temer, esse tipo de pressão popular. Não basta saber ajeitar o nó da gravata e falar bem o português. Num país traumatizado pela corrupção, apostar todas as suas fichas numa figura pretérita como Geddel é pedir para ser crucificado neste Black December.

O presidente não podia blindar Geddel antes mesmo de a Comissão de Ética abrir processo. As “ponderações” do ministro da Secretaria de Governo para o então ministro da Cultura Marcelo Calero tinham um peso imoral. O talento de “articulador” do baiano Geddel virou poeira, aquele pó de obra que suja até a alma. Os aliados correram para dar apoio irrestrito a um ministro acusado de tráfico de influência em benefício pessoal. O condenado arranha-céu La Vue, em Salvador, tem as digitais de amigos e parentes de Geddel desde sua concepção. Um espigão em área tombada arranhou Congresso e Planalto – por tibieza do presidente.

Parece que os políticos não entenderam que o país mudou. Eles se matam por um apartamento de luxo com “la vue” total da Baía de Todos-os-Santos? Ao dar o caso por “encerrado”, todos que apoiaram Geddel colocaram seus dedos na tomada. Foi falta de visão, uma irresponsabilidade com um momento em que o Brasil deveria focar na estabilidade econômica e na recuperação do emprego. Com amigos como Geddel, Renan Calheiros e Rodrigo Maia, nenhum presidente precisa de inimigos. [esse Rodrigo Maia mostrará, se lhe concederem tempo, ser pior que a soma de Sarney, Geddel, Romero Jucá, Renan e outros luminares da política corrupta e suja.]
 
Ao assumir a Presidência há seis meses, após longo e doloroso impeachment de Dilma Rousseff, Temer disse que era “hora de tentar pacificar o país”. Agora, ao nomear Roberto Freire para a Cultura, Temer nem se referiu ao antecessor Calero. Estava amuado. O próprio Temer havia intercedido com Calero em favor de Geddel, que andava “muito irritado” com o embargo de seu apartamento. Na posse de Freire, Temer disse que vai “salvar o Brasil”, “ganhar céu azul e velocidade de cruzeiro”. Não, presidente. O céu está enfarruscado, e sua forma de menosprezar o caso Geddel é mais do mesmo. Só ajuda a inflamar as ruas.

Em setembro, Geddel havia constrangido o governo, ao declarar: “Caixa dois não é crime. Quem se beneficiou deste mecanismo no passado não pode ser punido”. [praticamente tudo que for dito sobre Geddel é a verdade e válido; mas ele estava CERTÍSSIMO quando produziu a frase destacada. INDISCUTIVELMENTE,  os beneficiários do que ele chama de mecanismo (estaria sendo estúpido se chamasse de crime - já que a Constituição diz com clareza meridiana que 'não há crime sem lei anterior que o defina' e nenhuma lei define, até o presente momento,  CAIXA DOIS como CRIME).]

Será que Temer ponderou com Geddel? Depois, a imprensa deu a lista dos salários acima do teto constitucional de R$ 33.763. Olha o Geddel ali, gente! Ele ganha R$ 51.288 por mês, acumulando dois vencimentos. Fora privilégios e benefícios.   O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, decidiu abrir mão de parte do salário para se adequar ao teto. Geddel nem pensou: “Os meus vencimentos estão dentro da lei. A lei é para todos”. Geddel, o grande articulador, não convenceria servidores a abrir mão de vencimentos para ajudar estados falidos. Onde vive Geddel? Nas nuvens, e faz tempo. Você lembra o vídeo Geddel vai às compras, que mostrava, a partir de um helicóptero, as fazendas adquiridas por ele de maneira antiética? As imagens são do ano 2001. Quem divulgou foi o então presidente do Senado, o também baiano Antônio Carlos Magalhães. O que mudou foi só a tecnologia. Naquele tempo, o vídeo era distribuído em fita.

“Vamos trabalhar! O Congresso nos espera”, disse um comovido Geddel com o apoio de seus pares. Rodrigo Maia, presidente da Câmara, foi impiedoso com o ex-ministro Calero: “Ele enlouqueceu (...) O ministro sai atirando para desestabilizar o Brasil”. O presidente do Senado, Renan Calheiros, também saudou a blindagem de Geddel por Temer: “O bom é que isso fique para trás”. Essa dobradinha Rodrigo-Renan é o retrato do Brasil reciclável na política.

Maia quer logo votar na Câmara o projeto de medidas anticorrupção, no qual foi infiltrada uma anistia ao caixa dois eleitoral, que coloca em risco inquéritos passados, presentes e futuros da Lava Jato contra políticos. E o açodado Renan quer logo votar no Senado o projeto contra abuso de autoridade, porque está prestes a virar réu no Supremo por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. O projeto de Renan tem o apoio do PT e de petistas, amedrontados com o que está por vir.


Mesmo com as urgências, e já prevendo os estragos do Furacão Odebrecht, os parlamentares se recusam a trabalhar nas segundas e sextas-feiras. Eta, país. Juntando a isso o fato de que os deputados tentam evitar votação nominal em assuntos explosivos, para se esconder da sociedade... Temos um Congresso dissociado da sociedade.

Calero foi o quinto ministro a deixar o governo Temer. Geddel, o sexto. Dilma chegou a trocar um ministro a cada 22 dias. Agora Temer se aproxima da média de sua antecessora. O caso Geddel pode ajudá-lo a pensar melhor antes de blindar o próximo.

Fonte: Ruth de Aquino - Revista Época
 

 

sábado, 29 de outubro de 2016

A milícia de Calheiros e o abuso de poder

Nenhum outro corpo policial pode existir na República. Se não fosse assim, cada órgão de poder criaria a sua “polícia” própria, como a que existe no Senado

A prisão, no recinto do Senado Federal, do chefe da sua milícia – o Pedrão – e três de seus companheiros põe à mostra até que ponto os donos daquela Casa, nas últimas décadas, a tornaram um feudo para a prática de grandes crimes e de refúgio de notórios corruptos. Para tanto os sucessivos presidentes do outrora respeitável Senado da República formaram uma milícia, totalmente à margem do sistema constitucional, a que, pomposamente, denominaram “Polícia Legislativa”, também alcunhada de “Polícia do Senado”.

Não se podem negar a esse agora notório exército particular relevantes trabalhos de inteligência do tipo CIA, KGB –, como a célebre violação do painel de votações daquele augusto cenáculo, ao tempo do saudoso Antônio Carlos Magalhães e do lendário José Roberto Arruda, então senador e depois impoluto governador do Distrito Federal. E nessa mesma linha de sofisticação tecnológica a serviço do crime – agora de obstrução de Justiça – a milícia daquela Casa de Leis promove “varreduras”, nos gabinetes e nos solares e magníficos apartamentos onde vivem esses varões da República, a fim de destruir qualquer prova de áudio que porventura possa a Polícia Federal obter no âmbito das investigações instauradas pelo STF.

Acontece que o poder de polícia só pode ser exercido pelos órgãos instituídos na Carta de 1988, no seu artigo 144, e refletidos nos artigos 21, 22 e 42, dentro do princípio constitucional de assegurar as liberdades públicas. Assim, somente podem compor o organograma da segurança pública constitucional a Polícia Federal (incluindo a Rodoviária e a Ferroviária) e as Polícias Civis e Militares dos Estados (incluindo o Corpo de Bombeiros).

Nenhum outro corpo policial pode existir na República. Se não fosse assim, cada órgão de poder criaria a sua “polícia” própria, como a que existe no Senado. Também seriam criadas tais forças marginais nos tribunais superiores e nos Tribunais de Justiça dos Estados, nas Assembleias Legislativas, nos Tribunais de Contas, nas Câmaras Municipais, cada um com seu exército particular voltado para contrastar e a se opor aos órgãos policiais que compõem o estrito e limitado quadro de segurança pública estabelecido na Constituição.

Cabe, a propósito, ressaltar que todos os órgãos policiais criados na Carta Magna de 1988 estão submetidos à severa jurisdição administrativa do Poder Executivo, da União e dos Estados, sob o fundamento crucial de que nenhum ente público armado pode ser autônomo, sob pena de se tornar uma milícia. Nem as Forças Armadas – Exército, Marinha e Aeronáutica – fogem a essa regra de submissão absoluta ao Ministério da Defesa, pelo mesmo fundamento. [submissão absoluta das Forças Armadas ao Ministério da Defesa ou a qualquer outro ente só pode ser uma nova piada; é público e notório que as FF AA só se subordinam a elas próprias, aceitando uma hipotética subordinação enquanto for possível e conveniente aos superiores interesses da Segurança Nacional e da Soberania da nossa Pátria Amada BRASIL.]

E não é que vem agora o atual chefe da nossa Câmara Alta declarar textualmente que a “polícia legislativa exerce atividades dentro do que preceitua a Constituição, as normas legais e o regulamento do Senado”? Vai mais longe o ousado presidente do Congresso Nacional, ao afirmar que o Poder Legislativo foi “ultrajado” pela presença, naquele templo sagrado, da Polícia Federal, autorizada pelo Poder Judiciário. Afinal, para o senhor Renan, o território do Senado é defendido pela chamada polícia legislativa. Ali não pode entrar a Polícia Federal, ainda mais para prender o próprio chefe da milícia – o Pedrão.  E com esse gesto heroico o preclaro chefe do Congresso Nacional proclama mais uma aberração: o da extraterritorialidade interna.

Como se sabe, a extraterritorialidade é concedida às embaixadas estrangeiras que se credenciam num país e ali têm instalada a sua representação diplomática. Trata-se, no caso, da extraterritorialidade externa, que garante a inviolabilidade da embaixada e a imunidade de jurisdição de seus membros, em tempos de paz e de guerra.  Mas não para aí a extraterritorialidade interna proclamada pelo grande caudilho do Senado. As palacianas residências e os apartamentos dos senadores e senadoras tampouco podem ser violadas pela Polícia Federal. Trata-se de um novo conceito de Direito Internacional Público inventado pelo grande estadista pátrio: a noção de extraterritorialidade estendida. Ou seja, o domicílio de um representante do povo é incólume às incursões da Polícia Federal autorizadas pelo Poder Judiciário.

Foi o que ocorreu em agosto, quando o ilustre marido de uma senadora do Paraná foi preso na residência do casal e dali foram retirados documentos comprometedores. A reação foi imediata: marido de senadora, estando na casa onde com ela coabita, não pode ser ali preso, pois se trata de espaço extraterritorial interno estendido!  E assim vai o nosso país, que não para de andar de lado em matéria de instituições republicanas. E o fenômeno é impressionante. Basta o sr. Calheiros declarar que o território do Senado é inviolável para que a tese seja acolhida por um ministro do Supremo, numa desmoralização do próprio Poder Judiciário, que se autodesautoriza, na pessoa do ilustre magistrado de primeiro grau que acolheu as providências da Polícia Federal no território livre do Senado Federal.

E, last but not least, o senhor das Alagoas, não contente com o reconhecimento da legitimidade de sua milícia e da extraterritorialidade interna, por força do despacho do ministro Teori Zavascki, propõe-se, com o maior rompante, próprio dos destemidos senhores medievais, a cercear as atividades da Polícia Federal, do Ministério Público e do Poder Judiciário, sob a égide do abuso do poder, para, assim, livrar-se, ele próprio, e liberar dezenas de representantes do povo no Congresso do vexame das “perseguições políticas” que se escondem nos processos por crime de corrupção, que nunca praticaram, imagine!

E vivam o foro privilegiado, a futura Lei de Abuso de Autoridade e os demais instrumentos e interpretações, omissões e postergações do STF, que, cada vez mais, garante a impunidade desses monstros que dominam o nosso Congresso Nacional, sob o manto de lídimos representantes do povo brasileiro.

Que vexame, que vergonha!

 Fonte: Modesto Carvalhosa - Publicano no Estadão - Coluna do Augusto Nunes - VEJA

sábado, 21 de maio de 2016

Chute ao cadáver

Entre mortos e afogados, flutua impávida a estrutura do poder real 

A produção nacional de cadáveres vai de vento em popa. Não falo dos milhares sucumbidos diante da violência explícita ou implícita que toma conta do País. Neste momento, o sistema de poder e do dinheiro, a fonte de toda a violência, prepara as exéquias de mais um cadáver notório. 

O epitáfio de Eduardo Cunha é estampado em editoriais que alteiam a voz do moralismo para esconder a cumplicidade do defunto, um servidor fiel daqueles que agora promovem a sua liquidação moral e política. Diria o personagem de Lampedusa no Leopardo: “É preciso mudar para que tudo continue como está”. O transformismo à brasileira é mais cruel: “É preciso assassinar os súditos mais nobres para preservar a reprodução das engrenagens do poder”. Os porta-vozes do establishment nativo se encarregam do conhecido esporte, o chute ao cadáver. 

No Congresso e fora dele, os maganos e maganões da República já preparam requintados pontapés na carcaça de quem, afinal, serviu e serve tão bem aos seus interesses e apetites. Foi assim, diga-se, que escaparam do naufrágio do regime militar e foram entronizados na democracia como corifeus das liberdades.    

Os fâmulos de Eduardo enfrentam, porém, uma dúvida terrível: não sabem se, de fato, o cadáver está bem morto. Sendo o defunto notório e possuidor de amplos e reconhecidos saberes sobre as mazelas da política nativa, os estragos de uma ressurreição ou de um último suspiro podem ser pavorosos. Imagino as angústias que nesta hora oprimem os corações de alguns acusadores de ocasião. Como pistoleiros de aluguel, só vão sossegar o espírito quando convencidos de que o cadáver está completamente morto. Não podem fazer outra coisa senão esperar sua defunção definitiva. Mas aqui só há uma certeza possível: não há como evitar o estrebucho político do moribundo. 

Então caberia pesar as conveniências do assassinato de um personagem tão emblemático, uma encarnação perfeita dos vícios e das virtudes do sistema dominante. Os vícios são muitos. Deixo à imaginação do leitor o trabalho de enunciar o elenco. Quanto às virtudes, dentre as poucas sobressai a capacidade de reproduzir as alianças de poder à custa da descaracterização humilhante e trágica dos que alegam se opor a tal estado de coisas. Aí estão, prostradas e subjugadas, estraçalhadas, as instituições incumbidas de promover a mediação democrática. 

A democracia dos patrícios, observada de uma perspectiva realista e sombria, revela a enorme capacidade de sobrevivência dos poderes dos donos. Governo após governo, mudam os métodos, mas não os rumos, sequer os pretextos. Há que se admirar o requinte dos poderosos nos cuidados de preservar pessoas notoriamente comprometidas com a truculência e as malfeitorias do passado. Aí estão os sobreviventes de outros naufrágios da República a perorar sobre as virtudes da dita-cuja.   

Elementar, meu caro Watson, entre mortos e afogados flutua impávida a estrutura do poder real, esse contubérnio entre o dinheiro e a política. Mandam e desmandam os mesmos grupos de sempre, reforçados agora pela presença dos yuppies cosmopolitas da finança globalizada. A grande inovação dos tempos, além da internet e do celular, é a porta giratória entre as mesas de operação das instituições financeiras e as burocracias econômicas executoras dos projetos e programas da privataria. Nesse bloco hegemônico não faltam os serviçais da mídia, infatigáveis em apresentar esses companheiros de jornada como portadores de um saber superior, o único capaz de assegurar, aos olhos dos mercados financeiros, a credibilidade da política econômica. 

Mais do que isso, as normas do mercado passaram a ditar as regras da vida política. No Brasil de hoje, essa lógica fatal vem contaminando as instâncias decisivas do poder estatal. O sistema partidário e o financiamento das campanhas eleitorais parecem engendrados com o propósito de transformar o Congresso num mercado de balcão, onde os gritos de “compro” e “vendo” tornam ridícula a hipocrisia dos discursos moralistas dos plenários. 

O arbítrio, o favorecimento, o segredo, a obscuridade e o nepotismo eram os demônios que os valores da República restaurada pretendiam exorcizar. Pois os curupiras da Pátria Amada estão aí, livres e folgazões, gargalhando sobre as nossas incríveis esperanças.  Nesta coluna, reescrevo um artigo publicado por ocasião da renúncia do então senador Antonio Carlos Magalhães. Mudam as máscaras, mas os personagens são os mesmos. Ao contrário do que se divulga, os senhores tornaram-se mais ferozes. Mas aprenderam a usar métodos mais sutis e eficientes para torturar coletivamente os cidadãos com as técnicas da desinformação, do massacre ideológico e da “espetacularização” da política.  

Por: Luiz Gonzaga Belluzzo - Carta Capital

 

 

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Competência exagerada do filho do presidente do TCU, pode desmoralizar àquela Corte na investigação das ‘pedaladas’ da Dilma



Escritório de filho de Cedraz conseguiu vitória mirabolante no TCU
Contas declaradas irregulares por ministro relator sofreram reviravolta e terminaram sem qualquer multa ou penalidade
O advogado Tiago Cedraz, filho do presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Aroldo Cedraz, tem apenas 33 anos, mas coleciona feitos notórios no exercício do Direito. Alvo de um mandado de busca e apreensão na manhã de terça-feira, Cedraz é citado como "facilitador" de negócios junto ao TCU, segundo o termo de delação premiada do empreiteiro Ricardo Pessoa, presidente da UTC. O delator disse ter pago uma mesada ao advogado para abrir caminhos no Tribunal e viabilizar a construção de Angra 3. Contudo, bem antes da Lava Jato, o escritório do jovem bacharel já colecionava vitórias de causar inveja às mais famosas bancas do país.

Uma delas, alcançada em 2010, dá mostras de sua, digamos, competência. Detalhada investigação do TCU levantou irregularidades na prestação de contas da Federação Agrícola do Estado de São Paulo (Faesp), gerida pelo empresário Fábio de Salles Meirelles. O relatório do Tribunal, de autoria do ministro Marcos Bemquerer, apontava má gestão, repasse de recursos públicos sem comprovação, favorecimento de familiares e omissão de dados na prestação de contas. Apenas em multas, o relatório recomendava o pagamento de 500.000 reais, além da recomposição ao erário. As contas da Faesp são analisadas pelo TCU porque a entidade recebe repasses do Sistema S (financiado por depósitos compulsórios de trabalhadores de diversos setores), e constantemente eram aprovadas com ressalvas.

As contas irregulares apontadas pelo relator se referiam ao repasse de verbas ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), que é gerido pelas federações estaduais, ou seja, entidades como a Faesp. O exercício em análise era o de 2005, mas o processo foi julgado apenas em 2010, após cinco anos de auditoria e explicações prestadas pela Federação.  

O relator julgou as justificativas insuficientes e reprovou sumariamente as contas. Mas um poderoso recurso protocolado pela Faesp mudou os rumos da apuração. A essa altura, entrou no processo o ministro José Múcio, também ex-ministro do governo Lula, no papel de revisor. Ao analisar o texto, Múcio pediu que o colegiado dispensasse "um pouco mais de atenção" às explicações da Faesp.

Ao final, contrariando todos os pontos levantados pelo relator, o revisor decidiu - com aval da maioria - que as falhas administrativas, as contratações indevidas e as despesas incompatíveis com os objetivos institucionais da entidade teriam origem na falta de normas para acompanhar o relacionamento entre o Senar e o sistema confederativo. O argumento da ausência de norma do qual Múcio se valeu também isentou de responsabilidade os executivos da Faesp, abrindo perigoso precedente para o gasto de dinheiro público por federações. Enquanto o papel do revisor é aprimorar o relatório, com a sugestão de ressalvas ao texto principal, o caso da Faesp surpreende pela diferença entre as avaliações do revisor e do relator. Tudo graças à hábil defesa apresentada pelos advogados, já na etapa dos recursos. À época, também era sócio de Cedraz o ex-deputado Sérgio Tourinho Dantas, primo do banqueiro Daniel Dantas e aliado histórico de Antonio Carlos Magalhães. 

O ministro Aroldo Cedraz, por sinal, foi indicado por ACM ao posto no TCU.

Segundo consta do próprio acórdão com o TCU, o advogado da entidade era um dos sócios de Cedraz, Romildo Peixoto Júnior. Para outros processos que não os do TCU, em especial os que tramitam no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o defensor da Faesp continua sendo o próprio Cedraz. Já a relação da Federação com o TCU manteve-se sempre azeitada. A tal ponto que, no ano passado, Fábio de Salles Meirelles foi agraciado com honraria auferida a poucos brasileiros: o Grande-Colar do Mérito do Tribunal de Contas da União. Ao entregá-lo, o ministro Múcio enalteceu os feitos do empresário. "É um daqueles empreendedores que, no dia a dia, se arriscam no competitivo e essencial ramo do agronegócio para que todos nós tenhamos nossas mesas abastecidas".

Já Cedraz, que concilia as funções de advogado e assessor jurídico do partido Solidariedade - o qual ajudou a fundar - talvez tenha de dar uma pausa em seus feitos. Enquanto a PF chafurda em seus negócios, o bacharel pode ter de explicar situações mal contadas do passado, como ter sido citado na Operação Vaucher, da PF, que apurou fraudes no Ministério do Turismo e derrubou o então ministro Pedro Novais. Polivalente, o jovem também atua na área de contratos em operações de cifras nada desprezíveis. Segundo reportagem do jornal O Globo,  publicada em 2013, o escritório de Cedraz ganharia 10 milhões de dólares se concretizasse a venda da refinaria de San Lorenzo, na Argentina, especificamente ao empresário do ramo de cassinos Cristóbal López

Trata-se de uma cláusula contratual à qual a Polícia Federal teve acesso depois de iniciar investigações sobre pagamento de propina na venda da refinaria. Segundo a PF, há indícios de que o empreendimento da Petrobras tenha sido vendido a López abaixo do preço de mercado. Enquanto o empresário havia se disponibilizado a pagar, inicialmente, 50 milhões dólares, o negócio foi fechado por apenas 36 milhões de dólares, em 2010. Cedraz, contudo, negou ao jornal que a cláusula em questão tivesse rendido os tais milhões ao escritório.

Fonte: Revista VEJA