O Estado de S.Paulo
O ‘novo Senado’ tem base forte, articulação eficiente e uma líder: Simone Tebet
As votações do pacote anticrime e da prisão em segunda instância geraram
uma mudança no equilíbrio político do Senado do primeiro para o segundo
semestre de 2019. O Congresso viveu um grande ano, com evidente
afirmação do seu poder e independência, e o Senado deu visibilidade a
Davi Alcolumbre no primeiro semestre e confirmou a liderança e
habilidade de Simone Tebet no segundo.
No início do ano, o plenário derrubou os “jabutis” do Código Florestal e
os dois projetos de armas do presidente Jair Bolsonaro, depois
retirados da Câmara para evitar nova derrota pessoal dele. E Alcolumbre
devolveu ao Planalto a MP que empurrava a demarcação de terras indígenas
para a Agricultura – a raposa cuidando do galinheiro, mas o argumento
foi técnico: é inconstitucional MP sobre tema já derrotado no Congresso
no mesmo ano.
Alcolumbre ia bem, participando ativamente de um gabinete de crise
informal para enfrentar os arroubos de Bolsonaro, ou melhor, dos
Bolsonaros, com Rodrigo Maia, da Câmara, e Dias Toffoli e Gilmar Mendes,
do Supremo. Mas algo desandou. Alcolumbre perdeu fôlego antes de
concluir o seu primeiro ano na presidência do Senado. Talvez por
inconstância, ora se aproximando, ora se distanciando de Bolsonaro, mas
sempre atrelado ao baixo clero ou à “velha política”. Foi aí que Simone Tebet entrou em cena, surfando numa onda que começou
em fevereiro. Quando ela se inscreveu para disputar a presidência do
Senado com o então poderoso Renan Calheiros, quase todos imaginaram que
não era para valer. Era. Ela articulou bem e a grande surpresa foi
quando ela perdeu para Renan por um só voto na bancada do partido de
ambos, o MDB. Como uma novata como Simone Tebet quase bateu o imbatível
Renan?
Viu-se, então, que a derrota do senador alagoano não era impossível e
que Simone não era tão “ingênua” quanto boa parte de seus colegas
gostaria. Bem, Renan perdeu, Davi Alcolumbre venceu com apoio do
Planalto e o Senado mudou e continua mudando. Quando Alcolumbre e Maia fizeram um acordo “por cima” para a Câmara
cuidar, e aparentemente empurrar com a barriga, a emenda da prisão em
segunda instância, os senadores articularam uma reação “por baixo”. E
apontaram Simone líder da rebelião. Não era para o Senado votar nada
sobre o tema, mas ela atendeu a um manifesto de mais da metade dos
senadores e pôs na pauta da CCJ. Detalhe: onze líderes assinaram.
Alcolumbre se isolou.
E foi também Simone Tebet, advogada, mestre, doutoranda e professora de
Direito, além de filha do ex-governador do MS e ex-presidente do Senado
Ramez Tebet, quem comandou toda a bem-sucedida operação para aprovar,
ainda neste ano, o pacote anticrime de Sérgio Moro e Alexandre de
Moraes. Moro já estava a caminho da Base Aérea de Brasília na quinta-feira
passada, indo para Curitiba, quando atendeu a um telefonema de Simone e
voltou para conversar com ela no Senado. Ali traçaram a estratégia:
aprovava-se o pacote (para não retardar e não ter de devolver para a
Câmara) e depois cuidava-se do resto. Assim foi feito. Depois de meses
de protelações, o texto foi aprovado rapidamente, e por aclamação (sem
voto a voto), no plenário do Senado.
A segunda instância corre por fora, o excludente de ilicitude foi
excluído, Bolsonaro está para vetar o “juiz de garantia” (que foi uma
provocação a Moro) e, no ano que vem, fecha-se o pacote com o “plea
bargain”, pelo qual o réu que confessa escapa de processo e tem pena
abrandada. Articulação perfeita. Assim, Simone leva para o recesso um elogio e tanto do senador José
Serra, a quem admira e respeita: “Ela ensinou que é possível exercer
autoridade sem autoritarismo”. Taí uma renovação muito bem-vinda.
Eliane Cantanhêde, colunista - O Estado de S. Paulo