Em raros
casos é feita a remarcação do chassis, por que daria ainda mais autenticidade à
falsificação. E, assim, o motorista do clone comete todas as infrações que
quiser, mas a punição vai para o dono do carro clonado. Até o
fechamento desta edição, Alfredo já contava 43 multas, que somam 167 pontos na
carteira e R$ 10 mil. Como se não bastasse, ele ainda está impossibilitado de
licenciar seu RAV4 no ano de 2018, por conta dos débitos pendentes. Seu prazo
para vistoria se encerra no fim do mês, o que pode ser mais um problema: a
partir daí, o carro original poderá ser apreendido em uma blitz.
Só em
2018, o Detran já fez 143 processos para solucionar esse tipo de problema. O
assassinato da vereadora Marielle Franco também teve um clone envolvido: os
assassinos usaram uma placa falsa no Cobalt de onde foram feitos os disparos.
— E se o
cara mata alguém e a polícia vem atrás de mim?— imagina Alfredo.
De acordo
com o Detran-RJ, o proprietário que começar a receber multas de um carro que
não é o seu deve procurar primeiro a Delegacia de Roubos e Furtos de Automóveis
(DRFA) para registrar o caso. Após esse procedimento, a Polícia Civil abre uma
investigação para ver se o veículo do reclamante é o verdadeiro. Isso se dá por
uma análise de números de chassis, motor e vidros, feita gratuitamente pelos
próprios policiais, de acordo com o Detran-RJ. Caso tudo esteja certo, um
registro de ocorrência é lavrado, as fotos do carro original são anexadas e o
dono recebe um laudo de autenticidade de seu automóvel. Com o
laudo em mãos, o proprietário legal deve levar à polícia cópias das infrações
com fotos do clone e, se houver, alguma prova de que seu veículo estava em
outro lugar na mesma hora da infração, além de informar diferença de cores,
sinais gráficos nas placas e outras características visuais.
Seguindo
esses procedimentos, o Detran abre um processo para fazer a troca da placa do
veículo original, livrando-o da dualidade. O número do chassis é desconectado
do número da placa original e uma nova combinação de letras e dígitos é dada ao
proprietário. Um
um
requerimento no Detran-RJ com tudo que foi pedido — laudos feitos por um perito
particular, fotos comprobatórias e outros diversos comprovantes, numa pilha de
papéis que chega a assustar. Nos registros, fica clara a diferença entre os
carros. O RAV4 de Alfredo tem um rack no teto, além de dois adesivos bem
visíveis na tampa da mala.
Como se
não bastasse, há duas multas em um mesmo dia: uma do clone e outra do
original... A diferença é que, enquanto Alfredo foi multado na BR-040, em
Petrópolis, à tarde, o clone foi multado em Curicica, à noite. — Tudo
bem que o trajeto de 243km entre os radares poderia ter sido feito no intervalo
de tempo entre as infrações, mas a diferença fica clara quando comparamos as
fotos. Enquanto há dois adesivos bem visíveis no meu carro, o clone tem a tampa
traseira completamente lisa — descreve o dono do RAV4 original.
Documento
frio passou na Lei Seca
Apesar de
estar entre os procedimentos para a conclusão do laudo pericial do veículo, o
Detran-RJ não considera “sinais gráficos nas placas ou outros elementos visuais
entre os veículos, se houver”, como provas da diferença. Assim, o primeiro
pedido de Alfredo foi negado e arquivado, mesmo com toda documentação atendendo
à resolução Nº 670 do Contran, em vigor desde 18 de maio de 2017, para a troca
de placas de veículos clonados.
No
despacho do Detran-RJ, o corregedor diz que o Contran não disciplinou os
critérios para comprovar clonagem. Afirma ainda que, baseando-se na Portaria
4033 de 2009, e após a análise dos documentos que compõem o processo, não foi
possível detectar elementos que permitiriam a troca de placas.
A
Portaria 4033 só leva em consideração a marca, o modelo e o ano de fabricação,
ignorando quaisquer outras diferenças entre os veículos, caso do rack e dos
adesivos.
— Em
estados Minas Gerais e Ceará, a resolução 670 do Contran já é aplicada — afirma
Alfredo. Entre
todas as multas do clone, uma chama atenção em especial: numa operação Lei
Seca, o motorista não soprou o bafômetro, foi autuado, mas conseguiu a
liberação do RAV4.
Ou seja:
além da placa clonada, o criminoso também conseguiu documentos convincentes —
em cada blitz da Lei Seca há um posto móvel do Detran-RJ, que confere toda a
papelada entregue. O problema, portanto, é bem maior do que uma mera confecção
de placas: a emissão de documentos falsificados. Uma
divergência atrasou a solução do problema. Enquanto Alfredo afirma que
comunicou ao Detran-RJ sobre a tal multa da Lei Seca recebida pelo clone de seu
RAV4, o órgão informa que não tomou ciência do fato.
Após ter
seu pedido de troca de placa recusado, Alfredo apelou à ouvidoria do Detran.
Ontem, o órgão pediu as imagens da blitz à Secretaria de Governo do Estado, que
é responsável por filmar todas as operações. Assim, a vítima terá mais provas
para comprovar o golpe. Se as
imagens forem enviadas e tudo ficar comprovado, um problema que se estende por
quatro meses será resolvido. O caso caminha para um final feliz, mas deixa
evidente que é preciso melhorar a comunicação e os procedimentos para ajudar
quem é vítima de clonagem. Em
resumo: quem passar por essa situação deve procurar o Detran e seguir os passos
indicados pelo órgão. E munir-se de muita paciência.