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quarta-feira, 13 de abril de 2022

O exílio da individualidade e da lucidez. - Percival Puggina

Há tempos não vou a atos de formatura, mas contam-me cenas solenes de estupidez coletiva. Punhos erguidos, hinos socialistas e chorume de lixo marxista derramado aos berros sobre a distinta plateia servem como certificado de insuficiência da própria instituição que autentica o acontecimento: aquilo ali é o melhor que ela pôde fazer. No meio da turma, talvez haja quem divergiu e cuja vida acadêmica foi um inferno.

Nelson Rodrigues, em O Globo do dia 28 de março de 1970, publicou artigo abordando um fenômeno já então em curso e que ele denominou “a socialização do idiota” (anos depois, Olavo de Carvalho esmiuçaria o mesmo tema em “O imbecil coletivo”). Lá pelas tantas, o grande Nelson escreve assim: Vocês se lembram das greves estudantis da França? (ele se referia ao que ocorrera a partir de Nanterre, em maio de 1968, o tal ‘ano que não terminou’). Os jovens idiotas viravam carros, arrancavam paralelepípedos e incendiavam a Bolsa. E, então, o velho De Gaulle falou aos idiotas. ‘Eu sou a Revolução.’ Que ele fosse a Revolução era o de menos. O que realmente enfureceu o mundo foi o eu. Era alguém que queria ser alguém. Um dos maiores jornalistas franceses escreveu furibundo artigo contra aquele espantoso orgulho. Aquele guerreiro de esporas rutilantes e penacho negro foi o último eu francês. Os outros franceses são massas, assembleias, comícios, maiorias.”

Os tais movimentos sociais e protestos em atos solenes como formaturas são expressão dessa mesma coisa, meio século mais tarde, por obra e graça dos projetos ideológicos e da ambição pelo poder. A extrema esquerda desde cedo, compreendeu as imensas possibilidades abertas pela socialização dos idiotas
Um idiota sozinho é um solitário ridículo. Já um ônibus cheio deles, ou em passeata, vira expressão da sociedade. Eleva-se à categoria de povo e – imensa vantagem! se torna inimputável. “Como assim, inimputável?” perguntará o leitor. Sim, pode quebrar vitrines, incendiar automóveis, cometer tropelias, enfim, sem que precise responder pelo que faça. Há sempre um jornalismo que silencia e raras autoridades que discordam.

Vivemos o exílio da individualidade e da lucidez.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

A Chernobyl pessoal de Bolsonaro - Elio Gaspari

Folha de S. Paulo - O Globo

A pandemia já matou no Brasil três vezes mais gente que a radiação liberada pela explosão do reator nuclear de Chernobyl, da União Soviética, desde 1986. Segundo um artigo do “International Journal of Cancer”, as mortes ficaram entre 30 mil e 60 mil 
[em 2020,  de 1º janeiro 2020 a  15 de outubro de 2020, morreram no Brasil de infarto, AVC, outras doenças cardiovasculares, 352.000 PESSOAS - dados que podem ser apurados em Cartórios de Registro Civil;
segundo a mesma fonte, de 1º janeiro 2020 a 15 de setembro 2020, morreram no Brasil mais de 160.000 pessoas vitimadas das doenças respiratórias, digamos, tradicionais: tuberculose, edema pulmonar, enfisema, insuficiência respiratória - todas sem ligação com a covid-19.]

Conduta de Bolsonaro diante do coronavírus guarda semelhança com a dos soviéticos em Tchernóbil

Em abril, o general Luiz Eduardo Ramos disse o seguinte:

“No jornal da manhã, é caixão, corpo; na hora do almoço, é caixão novamente. No jornal da noite, é caixão, corpo e número de mortos. (...) Não tá ajudando. Ninguém aqui está dizendo que tem que esconder. Os senhores (jornalistas) têm que também... Eu conclamo e peço encarecidamente, tem tanta coisa positiva acontecendo”.

(..........)

A pandemia já matou no Brasil três vezes mais gente que a radiação liberada pela explosão do reator nuclear de Chernobyl, da União Soviética, desde 1986. Segundo um artigo do “International Journal of Cancer”, as mortes ficaram entre 30 mil e 60 mil.

Apesar das enormes diferenças entre as duas tragédias, a conduta pessoal do capitão Bolsonaro e dos generais Ramos e Pazuello diante do coronavírus guarda uma triste semelhança com a reação dos comissários soviéticos em Chernobyl.

A explosão ocorreu na madrugada de 26 de abril de 1986. Quando o chefe da Defesa Civil da usina mostrou ao diretor que a radiação chegara a níveis intoleráveis, o burocrata expulsou-o da sala: “Seu medidor está quebrado”. Pela manhã, o vice-presidente do conselho de ministros disse que religaria o reator, e o ministro da energia da Ucrânia explicou-lhe:
— Não existe mais reator.
— Você é um alarmista — respondeu o comissário.
“Não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar”, disse Bolsonaro, em março, quando 165 pessoas já haviam morrido. Dias antes, ele dissera que a pandemia reconhecida pela Organização Mundial da Saúde “não é isso tudo que a grande mídia propala ou propaga pelo mundo todo”. [qualquer especialista sério - muitos perdem tal condição quando estão sendo entrevistados como especialistas - confirmará que a taxa de contágio da covid-19 é inferior a da gripe comum = influenza = sazonal.
A atual taxa de contágio, R0, da covid-19 é de 1,02 e a da influenza 1,2.]

O negacionismo seguiu cursos diferentes na fase seguinte, ambos estimulando a inércia. Em Chernobyl, quando o chefe da Defesa Civil mencionou a necessidade de evacuar a população da cidade, um comissário da região foi breve: “Sente-se. Isso não é da sua conta”. O Ministério da Saúde concordava com ele.

Em Pindorama, Bolsonaro chamou os governadores que defendiam o isolamento social de “destruidores de empregos”, e o general Pazuello ainda acha que não se deve falar nisso.  A cidade próxima ao reator Chernobyl só foi evacuada no dia seguinte. Trinta e seis horas depois da explosão não haviam sido disparadas as medidas previstas nos protocolos da Defesa Civil. Vídeos mostram cenas de um casamento e de vida normal em vários lugares.

Quando Bolsonaro falava em gripezinha, o presidente mexicano, Manuel López Obrador, dizia que a Covid “não equivalia a uma gripe”, e o primeiro ministro inglês, Boris Johnson, desdenhava o perigo. Johnson foi parar numa UTI, abandonou o negacionismo e pediu desculpas por ter dado informações erradas. Obrador orgulhosamente anunciou seu plano de imunização dos mexicanos, começando neste mês pelos profissionais de saúde.

Como os burocratas soviéticos, Johnson e Obrador pensavam que mandavam e disseram besteiras, mas corrigiram-se. Bolsonaro ainda não entendeu o que está acontecendo e continua brincando com os diminutivos. No dia em que o número de mortos pela “gripezinha” havia chegado a 179 mil, com a média móvel em alta, ele disse que “estamos vivendo um finalzinho de pandemia”.

(............)

BRETAS E NYTHALMAr
Só o juiz Marcelo Bretas sabe quão próximas eram suas relações com o advogado Nythalmar Dias Ferreira. Surfando a onda da Lava-Jato, esse doutor formou um plantel de clientes que foi do ex-deputado Eduardo Cunha ao empresário Fernando Cavendish.

Dependendo da proximidade, Bretas precisará de um bom advogado. Nythalmar é investigado pela Polícia Federal e poderá achar conveniente colaborar com a Viúva. Não seria desejável que o magistrado deixasse a narrativa em mãos alheias.

Os De Gaulle e os Kennedy
É excelente a biografia do general Charles De Gaulle (1890-1970) escrita por Julian Jackson. Ele governou a França por dez anos, até 1969. Tinha uma filha e um filho longe da política. Outra filha, Anne, nasceu em 1928 com síndrome de Down. Mal enxergava e não falava. De Gaulle nunca se afastou dela, e os dois brincavam por horas.

Já o milionário americano Joseph Kennedy mandou sua filha Rosemary, uma adolescente com distúrbios nervosos, para ser submetida a uma lobotomia. Deu tudo errado. Anne De Gaulle morreu em 1948. “Agora ela ficou como as outras”, disse De Gaulle. Um ano depois, Rosemary Kennedy foi escondida numa casa de religiosas. Ela sobreviveu aos pais e aos irmãos John e Robert. Morreu em 2005, aos 86 anos.

Folha de S. Paulo - Jornal O Globo - Elio Gaspari, jornalista

 

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Nações não têm amigos - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S.Paulo

A mudança na direção americana exporá à luz do dia os equívocos da atual política externa

Em 1941, a França sob a presidência do marechal Philippe Pétain, herói de Verdun, convertido à colaboração com os alemães, tornando o Estado francês um Estado súdito ou escravo, o general Charles de Gaulle, de início cavaleiro solitário, tentava organizar o que denominara Forças Francesas Livres, ainda em pequeno número e mal equipadas. Em Vichy, o vice-presidente do Conselho, Pierre Laval, de tendências totalitárias, aproximava-se cada vez mais dos nazistas, dizendo com isso salvar a França, vindo a ser “amigo” do embaixador alemão, Otto Abetz. Na Síria, juntamente com os ingleses, as tropas de De Gaulle lutavam contra os franceses subordinados a Pétain, embora o futuro presidente não cessasse de desconfiar dos próprios ingleses. Suspeitava que eles queriam dominar o Levante, passando a ser senhores de partes do Império (Empire) Francês, no caso, Síria e Líbano. Exasperado com seus aliados, exclamou: “Nações não têm amigos”.

Nações têm interesses. Agem de acordo com o que acreditam ser melhor para elas, dispostas a enfrentar outros Estados com interesses distintos, produzindo um panorama internacional, mutável, de parcerias, convergências, divergências e oposições dos mais diferentes tipos. Os interesses vão se acomodando segundo as relações econômicas, militares, políticas e diplomáticas se vão desenhando. Em situações extremas de divergências, nações tornam-se inimigas em situações de guerra; 
em convergências, criam-se instituições internacionais visando à acomodação dos interesses mais amplos possíveis, com o intuito de evitar soluções de força. Nesse contexto, cada Estado exporá suas projeções geopolíticas de poder, conforme suas distintas capacidades e forças.

Não há amigos nesse jogo. Quando muito, afinidades pessoais entre presidentes e primeiros-ministros que podem facilitar as relações, sem que estas possam ser ditas fruto da amizade. A amizade é uma categoria aplicável às relações pessoais, não pode ser generalizada para o domínio da política internacional, em que impera o conflito de interesses. O ex-presidente Michel Temer, por exemplo, tinha uma afinidade pessoal com o presidente Vladimir Putin, sem que isso se traduzisse por qualquer subordinação aos interesses russos. Jamais, por exemplo, justificou a invasão da Crimeia.

O presidente Jair Bolsonaro, por sua vez, com sua família, tornou o presidente Donald Trump um “amigo”, procurando alinhar os interesses brasileiros aos americanos. Seu chanceler chegou a fazer elogios ditirâmbicos a Trump no que denominou “discurso de Varsóvia”, como se naquela ocasião o presidente americano se apresentasse como o representante-mor dos valores ocidentais e, particularmente, religiosos. Amigos até nos valores, como se dali em diante esse devesse ser o norte da política externa. Em determinado momento chegou-se a falar da “amizade” entre as famílias Bolsonaro e Trump, o que justificaria o projeto, depois frustrado, de designar um dos filhos, o deputado Eduardo Bolsonaro, embaixador nos Estados Unidos.

Os Estados Unidos sabem muito bem defender os seus interesses; no momento atual, porém, tal não parece ser o caso do Brasil. Se os americanos atacam os chineses, é porque os seus interesses estão sendo contrariados por eles, afirmando-se também como uma potência mundial. Confirmado o novo presidente americano, Jorge Biden certamente será mais diplomático, procurando aumentar as convergências com seu adversário asiático, sem que daí se siga que ele deixará de defender os interesses americanos, como tem feito Trump. Sua aproximação será diferente; seu interesse, o mesmo.

Por que, nesse contexto, o presidente Bolsonaro atacar os chineses? Porque são comunistas? Ora bolas! O país asiático é hoje o maior destinatário das exportações brasileiras do agronegócio, tornando-se progressivamente também um investidor no País. Onde está o interesse brasileiro? Atualmente, numa convergência com os interesses dos chineses, não cabendo minimamente alinhar-se com os americanos. Seguir os americanos significa, no caso, contrariar os interesses brasileiros. O Brasil não é amigo de uns nem de outros!

Aliás, no que diz respeito aos Estados Unidos, os interesses deles consistem em ser “ambientalistas” em relação ao Brasil, tal como foi publicamente sustentado pela National Farmers Association. Eles adoram florestas aqui e fazendas lá! Farms Here, Forests There = Florestas aqui e fazendas lá. Procuram aumentar a competitividade de seus produtos, advogando pelo irrestrito direito à propriedade, enquanto o Brasil possui o instituto da reserva legal, que obriga os proprietários rurais a preservarem com vegetação nativa uma parte de sua propriedade. Na Amazônia, convém lembrar, esse índice é de 80%.

A mudança na direção americana exporá à luz do dia os equívocos da atual política externa. Amizades à parte, os interesses deverão impor-se. Se o presidente Bolsonaro for inteligente, e ele o é quando se trata diretamente de seus interesses políticos e familiares, realinhará e remodelará as relações do Brasil com o mundo, em particular com os seus principais parceiros, numa cena internacional que apresentará mutações importantes. [consignamos que a mudança de direção americana depende da mudança de presidente, que depende do resultado das eleições, que ainda não tem nada decidido = grande parte da  imprensa,  brasileira e mundial, precisa entender, aceitar, que eles não escolhem presidentes - AP é uma mera contadora de votos há mais de 100 anos, o que não influi nem contribui para ter autoridade para empossar seu eleito; 

vale o mesmo para algumas emissoras de TV, cá no Brasil,  que por não aceitarem o presidente Bolsonaro, insistem em se imiscuir em assuntos internos de outro país, chegando ao absurdo de até insinuarem que se o esquerdista se tornar presidente dos EUA adotará medidas contra os interesses brasileiros = insinuações que são, no mínimo, antipatrióticas.] 

Denis Lerrer Rosenfield, professor de filosofia - O Estado de S. Paulo - Espaço Aberto

 

sábado, 22 de setembro de 2018

Pão, pão, queijo, queijo



Se uma visão mais moderada perder a batalha eleitoral não terá perdido com isso a sua importância

É com a realidade que está aí que teremos que construir nossos sonhos,  ainda que modestos



Ando muito pelo Brasil, mas não faço pesquisas. Nem pergunto em quem o interlocutor vai votar. Apenas converso. E com isso vou formando um quadro que, às vezes, é confirmado pelas pesquisas que dizem ter estreita margem de erro.  Faz algum tempo que tento me acostumar com a realidade que vem pela frente, um confronto polarizado entre dois líderes populares, Lula e Bolsonaro. Como um está na cadeia e o outro no hospital, a eleição ganha um tom de realismo fantástico. É preciso abstrair a dimensão romanesca e cair na realidade: um dos dois será vitorioso, com todas as consequências que isso implica.

Senti no Nordeste que Lula tem muita força. Na Bahia, sobretudo, um sentimento de gratidão a Lula e a popularidade do governo local indicam uma supremacia da esquerda. No Norte, Sudeste e Sul, ouço muito o nome de Bolsonaro. Se o que vi tem o valor de uma pesquisa espontânea, minha inclinação é supor que a aspiração de mudança está encarnando nele.  Às vezes tendo a imaginar se essa imensa resistência ao governo de esquerda não se parece com o susto que os franceses tiveram com o Maio de 1968, optando pela volta de De Gaulle.

Não vejo o momento que virá pela óptica dos anos 60 no Brasil, pelo menos não o descreveria como Roberto Campos ao analisar a queda de Goulart e a tomada do poder pelos militares. Para ele, a alternativa eram anos de chumbo ou rios de sangue. E também não é, como às vezes dizemos brincando, um dilema entre Venezuela e Filipinas. O presidente das Filipinas é um peso-pesado no gênero. E um destino venezuelano é altamente improvável. Maduro não se aguentaria tanto tempo se não tivesse cooptado as Forças Armadas com empregos que rendem muito aos generais. No Brasil isso seria diferente.

Ainda assim, descartando modelos mais assustadores, viveremos uma situação delicada. As duas forças em presença são dificilmente conciliáveis.  Nos Estados Unidos, apesar da rivalidade, em alguns e raríssimos momentos democratas e republicanos reconhecem o interesse nacional. Já a polarização brasileira, de uma certa forma, reduziu as chances de um esboço de projeto nacional para enfrentar a crise e reconstruir o País. Certamente cada uma das partes tem o seu. Mas ele dificilmente atravessa os limites dos seus entusiasmados seguidores.

O estímulo ao equilíbrio deve vir da sociedade, mas isso não é fácil quando a maioria dos eleitores pende para uma visão mais radical. O discurso do equilíbrio é sentido como uma das formas de manter o sistema político-eleitoral. As expectativas são muito maiores.
Num posto de gasolina da estrada, um homem com um longo chapéu de palha me disse: “Voto no Bolsonaro porque é preciso virar a mesa”. Nesses momentos sinto a fragilidade dos instrumentos com que deveríamos contar quando o presidente assumir: Congresso e Supremo Tribunal.

O Congresso, na verdade, é a força sobre a qual a sociedade ainda pode exercer uma influência maior. Ainda assim, com discretíssimas mudanças será sentido mais como parte do problema do que como solução.  O Supremo… Bem, o Supremo todos sabemos que está parcialmente empenhado em neutralizar a Lava Jato. Cada vez que concede um habeas corpus, liberta um condenado, desmembra um processo para tirá-lo de Curitiba, está alimentando o desejo de uma renovação pela direita.  Vejo um amplo jogo de grandes forças sociais e, diante dele, poucas as chances da intervenção individual. 

Reconheço que vivemos num país com alto nível de imprevisibilidade. Mas, com os dados que tenho, creio que a tarefa será cada vez mais pensar os próximos passos, estabelecer um roteiro de redução de danos. É uma tarefa para todos os que querem sair do atraso, incluídos os eleitores mais moderados dos dois líderes.  Ultimamente têm surgido alguns livros no Brasil sobre a decadência da democracia, que não sofre mais golpes de Estado, mas simplesmente transita para regimes autoritários. Os livros são ótimos, porém o cenário dos últimos anos no Brasil é um livro aberto. Várias vezes o Congresso votou projetos absurdos sabendo que estava cavando um abismo maior entre os políticos e a sociedade. Os escândalos de corrupção, que levaram um grupo para a cadeia e deixaram seu principal aliado agonizando diante da pressão policial, tudo isso contribui para um desencanto geral com o sistema político-partidário.

Não se trata de um “bem que avisei” ou de caça aos culpados, apenas uma constatação importante de como será difícil a nova fase.  Se uma visão mais moderada perder a batalha eleitoral, e isso me parece provável no momento, não terá perdido com isso a sua importância. Ela pode ser um fio de esperança para que surja um projeto de reconstrução mais consensual. E ser uma espécie de algodão entre cristais, lembrando que a guerra fria acabou e é necessário superar os grandes dilemas ideológicos para recuperar o tempo perdido.

A polarização entre dois líderes populares de certa forma simplifica e torna o processo mais caloroso ainda. Mas revela como surgem os líderes nacionais no Brasil democrático. Eles simbolizam também a força da comunicação oral. São capazes de transmitir a mensagem que a forma literária dos intelectuais não consegue.  Claro que seu discurso também é lido, perpassa os jornais e revistas. No entanto, é a linguagem oral, com seus erros, hesitações e exageros, que consegue chegar ao coração dos eleitores em escala nacional. Outros podem usá-la sem êxito. Entra aí um outro fator importante: o papel do indivíduo, sua trajetória e personalidade.  Poderia divagar muito sobre o dilema brasileiro. Poderia até desejar que não fosse assim. Mas seria perda de tempo. Se não estou muito equivocado, essa é a realidade que está aí. E é com ela que teremos de construir incessantemente nossos sonhos, ainda que modestos.