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domingo, 9 de julho de 2023

Nova resolução dos EUA coloca o mundo à beira da 3ª Guerra Mundial - Gazeta do Povo

Daniel Lopez - VOZES

Mesmo com a Ucrânia não integrando a OTAN, novo cenário poderia trazer toda a Europa para a guerra

Todos sabem hoje que o argumento principal apresentado pela Rússia para invadir a Ucrânia (ou “fazer uma operação militar especial”, como dizem os russos) foi impedir que o país passasse a integrar a OTAN. Putin sabia que estava diante de uma contagem regressiva. 
Ainda que Zelensky não tivesse entrado com um pedido oficial para integrar a aliança ocidental, o líder russo estava ciente que, caso isso acontecesse, uma investida contra Kiev faria com que fosse acionado o Artigo 5 da Organização do Tratado do Atlântico Norte.  
Segundo o texto, os países membros do grupo “concordam que um ataque armado contra um ou mais deles na Europa ou na América do Norte deve ser considerado um ataque contra todos eles”. 
Dessa maneira, caso Kiev fosse admitida no grupo, uma investida russa contra ele acionaria todos os 32 países do tratado contra Moscou, o que muito provavelmente iniciaria uma 3ª Guerra Mundial.

O fato de a Ucrânia ainda não integrar a OTAN evita um cenário catastrófico como esse
. Mas, e se eu dissesse que uma resolução recente do Senado americano pode mudar isso tudo, fazendo com que, mesmo não integrando a aliança ocidental, os 31 países da OTAN estariam prestes a declarar uma guerra aberta contra a Rússia, colocando em perigo a segurança global?

    Poderia acontecer um desastre ou ataque contra a usina nuclear de Zaporizhzhia, que completou 16 meses ocupada pelos russos.

Entenda o contexto do novo problema. No dia 16 de junho, Putin anunciou que armas nucleares táticas (menos destrutivas) estavam sendo transferidas para a Bielorrússia.  
Em resposta, o presidente americano afirmou que a atitude era completamente irresponsável. Isso levou os senadores Lindsey Graham (republicano) e Richard Blumenthal (democrata) a apresentarem uma resolução propondo que ações da Rússia que conduzam a uma contaminação radioativa no território dos aliados seja considerada um ataque direto à OTAN, ativando, dessa forma, ativando o Artigo 5 da aliança e abrindo caminho para uma 3ª Guerra Mundial.

O problema é que não é apenas o uso das armas nucleares táticas armazenadas na Bielorrússia que poderia levar a este cenário. 
A preocupação atual está no fato de que poderia acontecer um desastre ou ataque contra a usina nuclear de Zaporizhzhia, que completou 16 meses ocupada pelos russos. 
Zelensky tem dito que Moscou poderia realizar um “ataque terrorista” contra a usina. Isso desencadearia um caos radioativo que traz à memória o desastre acontecido em Chernobyl em abril de 1986, que tinha o potencial para deixar a Europa completamente inabitável. 
Isso porque, alguns dias após a explosão, especialistas descobriram que o núcleo do reator ainda estava derretendo, o que poderia gerar uma nova explosão, com capacidade de destruir toda a usina, danificando os outros três reatores do local.

    Estaria o mundo prestes a presenciar um novo incidente do Golfo de Tonquim, em 1964, que deu aos EUA a justificativa para entrar na Guerra do Vietnã?

O físico nuclear Vassili Nesterenko afirmou que essa segunda explosão poderia atingir uma potência de até 5 megatons, deixando todo o continente europeu inabitável por centenas de milhares de anos. 
Veja o tamanho do pesadelo que retornou ao mundo agora. 
Quem poderia imaginar que, quase 40 anos depois, estaríamos vivendo o mesmo perigo?

O cenário ficou ainda mais tenso quando, no final do mês passado, Zelensky afirmou que seus serviços de inteligência identificaram que as tropas russas instalaram objetos semelhantes a explosivos no telhado de várias unidades de energia da usina nuclear de Zaporizhzhia. 
O problema é que isso abre margem para um ataque de bandeira falsa por parte de ambos os lados. 
Os russos poderiam destruir a usina como medida de retaliação, e culpar a Ucrânia. 
Os ucranianos, por sua vez, poderiam explodir a usina e colocar a culpa em Moscou.  
Ou até mesmo os Estados Unidos poderiam destruir as estruturas (talvez como fizeram com o gasoduto Nord Stream, segundo Putin tem defendido), culpar os russos e usar a situação para justificar a entrada da OTAN no conflito. Vejam que loucura.

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Tudo fica ainda mais tenso quando lembramos que recentemente foi destruída a usina hidrelétrica de Kakhovka, gerando prejuízos enormes à Ucrânia. 
Na ocasião, houve uma troca mútua de acusações entre russos e ucranianos. 
Pode acontecer a mesma coisa com a usina nuclear de Zaporizhzhia. Seria algo de proporções apocalípticas.

Estaria o mundo prestes a presenciar um novo incidente do Golfo de Tonquim? Essa foi a operação de bandeira falsa, acontecida em 1964, que deu aos EUA a justificativa para entrar na Guerra do Vietnã
Será que a usina de Zaporizhzhia será o estopim para a OTAN a entrar diretamente no conflito? 
Será que isso conduziria o mundo à 3ª Guerra Mundial? Espero que não. Que Deus nos proteja.


Daniel Lopez, colunista - Gazeta do Povo - VOZES
 
 

quinta-feira, 10 de março de 2022

Na coleira de Putin: a dependência europeia do gás natural russo - VOZES

 Flavio Gordon

Koni estranhou a silhueta desconhecida e o som daquela voz. Em busca de compreensão, inclinou a cabeça de lado, como tendem a fazer os de sua espécie. Embora imperceptível às demais criaturas presentes, o cheiro de repolho fermentado, mais carregado no sal do que a habitual salmoura doméstica, logo excitou suas sensíveis células olfativas. Acostumado a cheirar as mãos do dono, que o contemplava com um sorriso ao mesmo tempo zombeteiro e orgulhoso, o imponente cão julgou por bem fazer o mesmo com a convidada, fonte de tão inédito olor. Esta, vítima de um ataque canino no ano de 1995, crispou-se de visíveis constrangimento e temor.

A inspeção farejadora durou pouc
o. Apenas pelas diferenças no tom da voz e postura corporal, a intuição canina dera ao animal a certeza de que o poder ali permanecia nas mesmas mãos, e que, tal como ele próprio, a nova criatura no pedaço haveria de acomodar-se gostosamente à autoridade do velho dono. Koni espantou-se apenas com o fato de, conquanto solta como ele, mas pela curiosa rigidez dos músculos, a outra mais parecesse encoleirada. Tratava-se, afinal, de um cachorro muito perspicaz, herdeiro de um centenário clã de farejadores a serviço da polícia secreta. A habilidade de farejar fragilidades emocionais e psíquicas era questão de pedigree.

 
O encontro ao qual Koni compareceu em condição estratégica, e sobre o qual, posto que nominalmente irracional, extraiu conclusões tão razoáveis, aconteceu no ano de 2007, na bela dacha de Vladimir Putin em Sochi, cidade localizada à beira-mar. Sim, o dono de Koni era o presidente russo, que então recebia para uma conversa sobre fornecimento de energia a chanceler alemã Angela Merkel – objeto dos perspicazes insights caninos. Com efeito, intimidada pela presença do labrador preto, e inteiramente submissa ao seu dono, Angela estava mesmo na coleira.

Posto que altamente simbólico do ponto de vista das relações interespecíficas envolvidas, o encontro em Sochi era apenas mais um episódio no processo de aprofundamento da dependência alemã do gás natural russo. Esse processo, que se iniciara com o filo-russo Gerhard Schröder, antecessor de Angela, agravou-se bastante com essa última, grande entusiasta da agenda anti-combustíveis fósseis da União Europeia, instrumentalizada, por exemplo, pelo Comércio Europeu de Licenças de Emissão, um dos produtos do famigerado Protocolo de Quioto. Guiada por ideólogos da “sustentabilidade”, Merkel era um dos líderes europeus para os quais a mudança para o gás natural preencheria o vácuo entre o estágio de abandono do arcaico carvão e a fase da futura consolidação das energias renováveis.

Resta que as implicações políticas dessa exaltada mudança são bem conhecidas. Quase metade do fornecimento de gás natural para a Europa provém da Rússia uma proporção que tende a aumentar caso seja retomado o projeto do gasoduto Nord Stream 2, recentemente suspenso por conta da guerra, mas nada garante que de forma permanente. E, como prevê a Eurogas, o consumo europeu de gás natural utilizado tanto para aquecimento quanto para gerar eletricidade – deve aumentar entre 14% e 23% até 2030, o que provavelmente deixará mais justa a coleira do Kremlin em torno do pescoço do Velho Continente.

Dentre as razões para o aumento do consumo de gás natural,
destaca-se, por um lado, a radical agenda ambientalista de redução de emissão de CO2, cujo fundamento está na mitologia pseudocientífica e milenarista do aquecimento global antropogênico. E, por outro, o abandono do investimento em energia nuclear, também causado por histeria e alarmismo em torno da possibilidade de acidentes como os de Chernobyl e Fukushima. No ano 2000, por exemplo, o governo alemão assinou um tratado prometendo fechar todas as usinas nucleares até o presente ano, 2022. Sem combustíveis fósseis e sem energia nuclear, resta, obviamente, o gás natural, pelo menos até que as energias renováveis se tornem menos custosas.

O problema é que o aumento da dependência de gás natural fruto de muita ideologia e pouca racionalidade coincide com a diminuição de fontes alternativas para sua obtenção, (como as do Mar do Norte), 
criando uma situação obviamente explorada pela Rússia de Putin. Diante desse contexto, nações do Leste Europeu, a exemplo da Polônia, República Checa e Hungria, mostram-se apreensivas ao constatar que se encontram tanto mais vulneráveis aos fortes ventos geopolíticos que lhes chegam do Oriente quanto mais sujeitos a uma estratégia de redução de emissões formulada a muitas léguas dali, em Bruxelas. A cruzada contra os combustíveis fósseis é particularmente nociva a países como a Polônia, no qual esses combustíveis respondem por aproximadamente 80% da produção de energia.

Com o mercado cada vez mais regulado desde cima, e na medida do crescente controle russo sobre a oferta, esses países veem o futuro de modo ainda mais tenebroso do que estados-membros mais ricos da EU, nos quais o investimento em energias renováveis é muito maior. Antes da presente guerra, enquanto a política afetava mais sensivelmente os países mais carbono-dependentes, a Comissão Europeia pressionava por mais restrições às emissões. Resta saber se, agora, com o projeto imperialista neossoviético avançando obstinadamente, a Alemanha e outras nações ricas do bloco continuarão dóceis e submissas, presas na coleira curta de Vladimir Putin.

Flavio Gordon, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 


sexta-feira, 4 de março de 2022

Tropas russas tomam o controle da maior usina nuclear da Europa, após bombardeio e incêndio - O Globo

Não há indícios de vazamento, segundo agência da ONU; ataque provoca condenação de vários líderes mundiais e evidencia riscos de combates em área nuclear

Forças da Rússia capturam a maior central nuclear da Europa após incêndio gerar pânico de radiação 

Chamas foram controladas e não há indícios de vazamento segundo agência da ONU; ataque despertou condenação de vários líderes mundiais e evidencia riscos de conflito em área nuclear

Imagens de câmeras de vigilância mostram a usina nuclear de Zaporíjia durante o bombardeio das tropas russas Foto: Autoridade Nuclear de Zaporíjia / Via Reuters
Imagens de câmeras de vigilância mostram a usina nuclear de Zaporíjia durante o bombardeio das tropas russas Foto: Autoridade Nuclear de Zaporíjia / Via Reuters
Tropas russas no Sudeste da Ucrânia assumiram nesta sexta-feira o controle da maior usina nuclear da Europa, após um ataque provocar um incêndio e despertar apreensão em todo o mundo, informaram autoridades ucranianas. Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), as chamas foram extintas sem a detecção de sinais de vazamento de radiação. 

Durante a madrugada, houve grande temor de que o fogo pudesse se espalhar para  os seis reatores da central e provocar um vazamento nuclear. Monitores internacionais disseram na manhã de sexta-feira, no entanto, que não há nenhum sinal imediato de mudança nos níveis de radiação registrados.

De acordo com a AIEA, o incêndio foi apagado sem se espalhar, nenhum reator nuclear ou equipamento essencial foi danificado e os níveis de radiação são normais. A equipe ucraniana da fábrica continua a operar as instalações e os sistemas de segurança estão funcionando. [vamos deixar os líderes mundiais com seu palavrório inútil - Biden é um deles, o que diminui o valor do apelido - e expressar nossa modéstia opinião de que não há, nem houve risco de acidente nuclear. 
Nos parece que o risco aumentou apenas no tocante a que agora além de ter condições, basta querer, para reduzir em 40% o fornecimento de gás para a Europa, os russos podem desligar a usina nuclear - desligamento que aumentará a níveis altíssimos a carência de energia na Europa.
Situação que em nossa opinião leiga, apresenta risco zero de radiação.]

Líderes mundiais condenaram o ataque “imprudente” à usina de Zaporíjia, que danificou um prédio.  Enquanto isso, o Ministério da Defesa da Rússia acusou as forças ucranianas de iniciar o incêndio e realizar uma “provocação monstruosa”.

Leia mais:   Em nova ofensiva contra a Rússia, EUA anunciam sanções contra oligarcas e o porta-voz do Kremlin

As forças russas avançam em várias frentes na Ucrânia, com uma estratégia de cercar cidades e tentar controlar portos e infraestrutura crucial, enquanto organizam cadeias de suprimentos e lentamente conduzem um cerco a Kiev, em preparação para uma ofensiva. A situação está especialmente grave em Mariupol, a 220 km a leste da usina, onde a população de 460 mil pessoas sofre escassez de comida, água e energia elétrica em função do cerco em andamento.

Bombardeio em Marioupol

O Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia pediu para outros países adotarem medidas punitivas decisivas contra a Rússia, acusando-a de gerar o perigo de um desastre nuclear sem precedentes. O ministério disse que qualquer dano a uma instalação de armazenamento de combustível nuclear usado pode liberar radiação nuclear. "Como resultado, um desastre nuclear dessa escala pode exceder todos os acidentes anteriores em usinas nucleares", afirmou em comunicado.

A usina atualmente opera com apenas uma pequena fração de sua capacidade máxima. Dois membros da equipe de segurança da instalação ficaram feridos após um projétil atingi-la durante a noite, enquanto ocorria uma batalha entre forças russas e ucranianas em seus arredores. O diretor geral da AIEA, Rafael Grossi, se ofereceu para viajar à central de Chernobyl e negociar com Ucrânia e Rússia garantias para a segurança das instalações nucleares ucranianas.

Grossi mostrou uma foto aérea da instalação de Zaporíjia. O prédio que foi atingido, que abriga laboratórios e unidades de treinamento, fica perto, mas claramente separada da fileira de edifícios dos reatores. — O que entendemos é que este projétil veio das forças russas. Não temos detalhes sobre o tipo de projétil — disse Grossi.

Grossi sugeriu um encontro com autoridades russas e ucranianas na extinta usina de Chernobyl, onde nos primeiros dias da ofensiva a Rússia assumiu o controle das imediações da região onde ocorreu o pior acidente nuclear do mundo, em 1986. A equipe de plantão em Chernobyl não foi trocada desde que foi apreendida na semana passada, apesar dos repetidos apelos de Grossi.


A situação em Zaporíjia é semelhante, pois a Rússia a controla, mas a equipe ucraniana continua a operá-la.

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, usou o incidente para pedir um endurecimento maior contra a Rússia.  Ele disse que conversou com vários líderes mundiais nas primeiras horas de sexta-feira, acusando a Rússia de atacar deliberadamente os reatores. — É necessário endurecer imediatamente as sanções contra o Estado terrorista nuclear  — declarou Zelensky em um vídeo. — É necessário impedir que a Europa morra de um desastre nuclear. [ao nosso entendimento,só tem um endurecimento que favorecerá o povo ucraniano e a própria Europa = a remoção imediato do ainda presidente ucraniano. Aquele cidadão já teve tempo amais que suficiente para entender que palavrório, falação e coisas do tipo, não resolverão o problema. Enquanto ele permanecer na presidência o sofrimento do povo ucraniano só vai aumentar.]

Um porta-voz do Ministério da Defesa russo descreveu os eventos em uma versão inteiramente oposta à ucraniana. Ele disse que a usina nuclear está operando normalmente e que a área está sob controle russo desde 28 de fevereiro. — No entanto, ontem à noite, no território adjacente à usina, foi feita uma tentativa do regime nacionalista de Kiev de realizar uma provocação monstruosa — disse o porta-voz Igor Konashenkov. — Por volta das 2 da manhã, durante uma patrulha do território vigiado adjacente à usina nuclear, uma patrulha móvel da Guarda Nacional foi atacada por um grupo de sabotagem ucraniano. Para provocar um contra-ataque no prédio, disparos pesados de armas leves foram lançados contra militares da Guarda Nacional Russa das janelas de vários andares de um complexo de treinamento localizado fora da usina.

Ele disse que a patrulha russa respondeu ao fogo para reprimir o ataque, e o "grupo de sabotagem" abandonou o complexo de treinamento, incendiando-o ao sair.

Condenação de líderes
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, conversou com Zelensky e classificou a ação como uma “irresponsabilidade” da Rússia, mesma definição usada pelo secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Jens Stoltenberg.

Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido, condenou as “ações imprudentes” de Putin e disse que pedirá uma reunião emergencial do Conselho de Segurança da ONU. Já Justin Trudeau, do Canadá, pediu que os “ataques horríveis” cessassem imediatamente.

Na hora do ataque, quatro dos seis reatores da usina estavam sendo resfriados de acordo com procedimentos operacionais seguros, informou a inspetoria nuclear da Ucrânia. O órgão advertiu que impedir a resfriação das unidades de energia pode levar a “liberações radioativas significativas".

Oleksandr Kharchenko, consultor do ministro da Energia ucraniano, disse que o maior risco seria uma possível interrupção no fornecimento de energia da usina e nos geradores de reserva. — Se estes também fossem cortados, isso afetaria o sistema de resfriamento do reator — afirmou, citado pelo Financial Times. — Se isso for danificado, ninguém pode prever as consequências.

A central nuclear de Zaporíjia fica no Sul da Ucrânia, às margens do rio Dnieper, a 525 km de Chernobyl. Ela tem uma capacidade total de quase 6.000 megawatts, suficiente para abastecer quatro milhões de residências. Em um período normal, a usina produzia 20% da energia elétrica do país e quase metade de sua energia nuclear. A construção do primeiro reator começou em 1979 e o último entrou em operação em 1995. O local tem seis reatores VVER-1000 de concepção soviética. Estes reatores têm duração média de entre 40 e 60 anos, e possivelmente mais, caso passe por ajustes tecnológicos.

Embora o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, tenha alertado para um desastre “10 vezes maior” do que Chernobyl, analistas disseram que isso era improvável. Os reatores nucleares em Zaporíjia  têm um design diferente, com uma concha de contenção, e desde então foram atualizados para novos regulamentos. — Se não houver danos militares significativos em seus múltiplos sistemas de segurança redundantes, os reatores devem permanecer em um estado seguro e estável — disse à Bloomberg Lake Barrett, ex-funcionário da Comissão Reguladora Nuclear dos EUA que esteve envolvido na limpeza da usina nuclear de Three Mile Island, nos EUA, onde houve um acidente em 1979.

Nos dias que antecederam o ataque, a AIEA considerou uma zona de exclusão de 30 quilômetros ao redor de todos os reatores da Ucrânia, reconhecendo a natureza sem precedentes de combates dentro e ao redor das instalações. Nunca houve um ataque militar a uma usina nuclear em operação, disseram analistas.

A informação sobre o fogo na usina foi divulgada primeiramente pelo prefeito da cidade de Energodar, Dmytro Orlov, em um vídeo postado em seu canal no Telegram. Ele citou o que chamou de ameaça à segurança mundial, mas sem dar detalhes. Mais cedo, Orlov já tinha afirmado que uma coluna de soldados russas se direcionava para a usina nuclear, relatando que "tiros altos podiam ser ouvidos na cidade".

Mundo - O Globo 

[Sugestão: para que nossos leitores comprovem o empenho da mídia militante em narrar fatos, com chamada manipulada, de forma a maximizar qualquer resíduo que possa deixar a impressão que as coisas estão ruins para o Brasil,sugerimos ler: Míriam Leitão: PIB brasileiro cresce 4,6% e recupera tombo de 2020, mas guerra de Putin amplia incertezas para o já fraco cenário deste ano.                              A jornalista procura maximizar o aspecto negativo - eventual reflexo,  desfavorável ao Brasil,  da guerra de Putin - e minimizar o crescimento do PIB.]

 


quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

“A mídia brasileira não tem interesse em falar a verdade sobre a China” - Paula Leal

Revista Oeste

O jornalista Rafael Fontana morou quatro anos no país e escreveu um livro para relatar sua experiência nas entranhas do governo comunista

Quando foi professor universitário na China, o jornalista Rafael Fontana recomendou aos alunos a leitura do livro 1984, de George Orwell. Fontana se surpreendeu, no entanto, ao descobrir que eles nunca tinham ouvido falar na obra, nem mesmo conseguiram comprá-la on-line — o título foi banido há décadas pela ditadura chinesa. Por essa indicação desavisada, ele poderia ter sido deportado do país. Esse e outros relatos estão registrados no livro Chinobyl, lançado em setembro deste ano. 

O jornalista chegou à China em 2015 para ministrar aulas de português em uma universidade. Depois, assumiu o cargo de editor na Rádio Internacional da China, mídia estatal criada em 1950 e veiculada em 65 idiomas. “O país começou muito cedo o processo de espalhar a propaganda chinesa pelo mundo”, disse em entrevista a Oeste. Durante quatro anos, Fontana testemunhou de perto os programas para expandir a influência do Partido Comunista Chinês (PCC) na política de outros países, por meio de financiamentos, propaganda e tecnologias de espionagem — de uma população de 1,4 bilhão de pessoas, cerca de 90 milhões são membros do PCC.  

De volta ao Brasil, recebeu um convite para ser diretor de Comunicação da Huawei, empresa privada chinesa de tecnologia, mas “controlada pela ditadura”. Para o jornalista, há motivos para se preocupar com a presença do gigante chinês no mercado brasileiro. “Eles usam a tecnologia que circula dentro das redes de transmissão para copiar, roubar ou desviar informações que passam pelos equipamentos de forma ilegal e sem que ninguém descubra.” De Brasília e por videochamada, o jornalista com mais de 25 anos de carreira conversou com a reportagem de Oeste sobre sua experiência de imersão na cultura oriental, a rotina na mídia estatal, e contou como funcionam os créditos sociais — um sistema de pontuação atribuído à população por bom comportamento. Chinobyl está em sua segunda edição e o título é uma alusão ao desastre russo de Chernobyl a iminência de uma bomba capaz de abalar o regime comunista chinês, assim como a explosão da usina nuclear, acelerou a desintegração da União Soviética. 

Confira os principais trechos da entrevista.

Quando chegou à China, qual foi o maior choque cultural que você observou?
Todo dia é uma coisa nova. Morar na China não é mudar para um novo país, é mudar para um novo mundo. A forma como eles enxergam o mundo é diferente. A questão da higiene foi um choque. O hábito de cuspir no chão o tempo todo incomoda. É um festival de cusparada. Parece bobo, mas depois de um tempo começa a dar desespero. Existem placas em piscinas sinalizando ‘não cuspa na piscina’. Poxa, precisa de placa? Aí você observa as pessoas na piscina colocando a cabeça para fora para cuspir na borda. Dentro de ônibus, em restaurante, em campo de futebol. O tempo todo tem cuspe no chão.

Você se mudou para a China em 2015 e atuou como professor em uma universidade. Como surgiu seu interesse pelo Partido Comunista Chinês?
Foi um conjunto de fatores. Quando mudei para lá, um amigo que participava de um grupo sem fins partidários que reunia informações sobre a China me pediu para observar as ações do Partido Comunista e como eles se organizavam para expandir a influência do Partido para fora das fronteiras chinesas. Na época, até brinquei: ‘Você está vendo muito filme de ficção científica, isso é teoria da conspiração’. Então já cheguei no país com uma missão. Como professor universitário, comecei a prestar atenção no comportamento dos alunos, professores e na direção. Rapidamente descobri que a vida na China era diferente do que as pessoas pensavam.

Por exemplo?
Quando fui professor na Universidade de Hebei, em Xiao An She, recomendei aos alunos a leitura do livro 1984, de George Orwell. Eles começaram a procurar na internet a versão on-line ou impressa da obra para comprar, mas não encontraram. Nem sequer acharam citações a Orwell na web.
(.......)
Praticamente todos os chineses são vigiados pelos aparelhos celulares

Como foi sua experiência como jornalista na rádio estatal chinesa? Quais diferenças você destaca na rotina profissional em comparação com o Brasil?
No Brasil, estamos acostumados a trabalhar 12 horas, é uma correria. Lá, o expediente era muito tranquilo. Trabalhávamos cinco, seis horas por dia, e tudo era totalmente controlado pela ditadura chinesa. Eu era editor, mas tinha pouca margem para editar. Podia mexer no estilo, mas não tinha como alterar o conteúdo, até porque não tinha acesso aos repórteres chineses. A matéria já chegava traduzida em português, só tinha de lapidar e tornar o conteúdo mais palatável ao público estrangeiro, até porque os chineses não são muito criativos. O conteúdo que eles produzem na China é muito ruim. No departamento de português, onde eu trabalhava, havia uma média de 20 pessoas. No Brasil, esse mesmo trabalho poderia ser feito por oito, dez pessoas no máximo, e com maior qualidade. Os chineses gastam muito e não são eficientes na gestão do dinheiro. É uma estrutura socialista, inchada, eles precisam gerar emprego em todos os setores, inclusive na comunicação, para manter as pessoas ocupadas. Imagine que na rádio havia um departamento de esperanto, com cerca de 20 pessoas trabalhando lá. Ninguém mais fala esperanto no mundo. O departamento ficava em frente ao nosso, e a gente via que a maioria das pessoas que trabalhavam lá era de mulheres de membros do Partido Comunista. Conheci duas jornalistas do departamento de esperanto que tinham começado a estudar a língua naquele ano. Ou seja, mal tinham noção do idioma.

(..............)

Como você ficou sabendo da existência dos créditos sociais do Partido Comunista da China e como funciona isso na prática?
Os chineses não podem comentar com estrangeiros a respeito, mas eles têm consciência, só não sabem o tamanho do perigo. O crédito social foi idealizado por volta de 2009. O presidente Xi Jinping decidiu implementar o sistema a partir do ano 2016, que começou com um projeto piloto para voluntários. Milhões de pessoas do Partido Comunista entraram, até mesmo para fazer uma média com seus superiores. Desde 2020, coincidiu com a pandemia, o sistema passou a ser compulsório. Todos os chineses têm uma pontuação e praticamente todos são vigiados por aparelhos celulares, câmeras, pelos vizinhos. A pessoa começa com uma pontuação alta e, quando ela tem problemas, perde pontos. Por exemplo, imagine que você perdeu pontos por beber demais ou bater o carro. A partir desse momento, você começa a ser evitado dentro de um círculo social de pessoas que têm pontos mais altos. As pessoas começam a te evitar porque uma das formas de ganhar ou perder pontos é o seu círculo de amizade. Para recuperar a pontuação, você pode dar um presente, uma festa. Só que você está sem dinheiro. Então faz um empréstimo no banco e não paga. Em vez de ganhar, perde ainda mais pontos, e isso vira uma bola de neve. A pessoa com baixa pontuação pode receber punições como não embarcar em trens de alta velocidade, não poder escolher os melhores vagões, fazer viagens, pedir empréstimos no banco. Ou seja, a vida vai ficando mais difícil. É algo irreal e que vai levar ao colapso. Quando falei a respeito disso para um grupo de brasileiros em uma palestra, eles mencionaram o episódio da série Black Mirror [trata-se do primeiro episódio da terceira temporada, chamado Queda Livre]. Nem conhecia, pois estava morando na China e não tinha visto a série. Mas nesse caso não é ficção, está acontecendo de verdade.

Você foi diretor de comunicação da Huawei no Brasil, empresa chinesa fabricante de celulares, além de fornecedora de tecnologia e de equipamentos de infraestrutura para outras companhias. Recentemente, houve o leilão do 5G no Brasil. Há motivos para o país se preocupar com o gigante chinês?
Sem dúvida. Como o leilão do 5G no Brasil foi destinado a operadoras de telefonia, a Huawei não participou. Mas a empresa pode vender equipamentos e participar da construção da infraestrutura do 5G no país. Existem praticamente três empresas que dominam o mercado de 5G no mundo: a Ericsson, a Nokia e a Huawei. A Huawei é processada em vários países por casos de espionagem, lobbies fraudulentos e informações privilegiadas. Eles usam a tecnologia que circula dentro das redes de transmissão para copiar, roubar ou desviar informações que passam pelos equipamentos de forma ilegal e sem que ninguém descubra. E não é só espionagem militar, estatal, mas também industrial. A Huawei é uma empresa privada, mas controlada pela ditadura. Os principais cargos, desde o CEO aos diretores, são ocupados por membros do Partido Comunista Chinês. O Tiktok [aplicativo chinês popular entre jovens usado para gravar vídeos curtos], uma vez instalado, circula pelo aparelho. É um perigo e está no termo de adesão, que as informações, se requisitadas, podem ser transmitidas ao regime chinês. As pessoas que usam plataformas chinesas estão sendo espionadas.
 
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Leia também “Cíntia Chagas: ‘Estamos vivendo uma ditadura da linguagem’”

Revista Oeste - Paula Leal


domingo, 20 de dezembro de 2020

A grande sabotagem - Nas entrelinhas

Países de dimensões continentais têm inércia de manobra comparada aos grandes navios. Erros estratégicos na economia e nas políticas públicas têm graves consequências

A história universal tem inúmeros exemplos de tragédias humanitárias, causadas por fenômenos geológicos, climáticos, biológicos e/ou decisões políticas equivocadas, às vezes a combinação de duas ou mais causas. Essas tragédias deixam traumas sociais e provocam mudanças culturais e políticas. Uma das calamidades mais devastadoras da humanidade foi a peste negra, entre 1347 e 1351, que matou 50 milhões de pessoas na Europa e na Ásia. Causada por uma bactéria (Yersinia Pestis), a doença foi transmitida ao ser humano por meio das pulgas dos ratos e outros roedores. A peste disseminou o antissemitismo, provocou revoltas camponesas e a Guerra dos 100 Anos, mas, também, deu origem ao Iluminismo, em contraposição às teses místicas que atribuíam a doença ao castigo divino.

Em 1755, o grande terremoto de Lisboa resultou na destruição da capital portuguesa. O número exato de vítimas da tragédia é desconhecido, mas estima-se que pode ter chegado a 90 mil pessoas. Como consequência, o primeiro-ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, precisando de recursos para reconstruir Lisboa, acabou com as capitanias hereditárias no Brasil, transferiu a capital de Salvador para o Rio de Janeiro, criou o Distrito Diamantino, aumentou a cobrança de impostos nas Minas Gerais e fortificou as fronteiras na Amazônia, entre os quais o grande Forte Real do Príncipe da Beira, à margem direita do Guaporé, em Rondônia. Em contrapartida, a “derrama” deflagrou o movimento de Independência, cujo marco histórico foi a Inconfidência Mineira.

Em abril de 1986, um reator da central nuclear de Chernobyl explodiu e liberou uma imensa nuvem radioativa, contaminando pessoas, animais e o meio ambiente de uma vasta extensão da Europa. Na Ucrânia, Belarus e Rússia foram evacuadas e reassentadas 200 mil pessoas. O negacionismo e a censura agravaram a tragédia. Mais de 90 mil pessoas ainda poderão morrer de câncer, causado pela radiação do acidente nuclear. O episódio foi decisivo para Gorbatchov iniciar a glasnost (transparência) e desistir da corrida nuclear, o que acabou com a guerra fria com os Estados Unidos e foi um dos catalisadores do fim da própria União Soviética.

Pandemias e fome
No final da I Guerra Mundial, em 1918, uma pandemia do vírus Influenza se espalhou por quase todo o mundo. A gripe espanhola afetou 50% da população mundial. O número de mortos pode ter chegado a 100 milhões de pessoas. O vírus Influenza A, do subtipo H1N1, matou mais gente do que qualquer outra enfermidade na história e desapareceu tão misteriosamente como surgiu, mas ajudou a acabar com o conflito, provocou grandes reformas urbanas, uma revolução nas pesquisas médicas e nas políticas de saúde pública.

A maior tragédia humanitária do século passado, porém, não teve nada a ver com eventos geológicos, climáticos ou biológicos. Foi fruto do nacionalismo extremado de algumas nações e da ambição de poder de Adolf Hitler. A II Guerra Mundial, entre 1939 e 1945, mobilizou mais de 100 milhões de militares e deixou mais de 70 milhões de mortos. Foi a única vez que armas nucleares foram utilizadas em combate, resultando na morte de mais de 140 mil pessoas no Japão, nos bombardeios feitos pelos Estados Unidos nas cidades de Hiroshima e Nagasaki. Além disso, a loucura de Hitler resultou no Holocausto. Dos 6 milhões de judeus mortos somente em Auschwitz, o mais conhecido campo de concentração nazista, 1 milhão foi assassinado nas câmaras de gás e cremados.

Mortes em massa também foram provocadas por decisões políticas e econômicas equivocadas de líderes comunistas. As coletivizações forçadas de Josef Stálin, na antiga União Soviética, nos anos de 1932-33, mataram de fome 10 milhões de camponeses na Ucrânia, e 1,25 milhão no Cazaquistão. O Grande Salto Adiante de Mao Tse Tung, na China, de 1958 a 1961, matou de fome 20 milhões de chineses. Entre 1994 e 1998, na Coreia de Norte, o fim da ajuda soviética, fatores climáticos e erros de planejamento de Kim Jong-un provocaram a morte de, pelo menos, 600 mil pessoas por desnutrição (fala-se em até 3 milhões de norte-coreanos).

Países de dimensões continentais, por sua escala demográfica, têm inércia de manobra comparada aos grandes navios. Erros no rumo estratégico, principalmente na economia e políticas públicas, têm consequências de grande envergadura. O que está acontecendo nos EUA, por exemplo, devido ao negacionismo de Donald Trump, entrará para os anais da história como uma dessas grandes tragédias. O país é o epicentro da pandemia de covid-19, com 17 milhões de casos confirmados e 300 mil mortos pelo novo coronavírus, mais do que o número de soldados americanos mortos na II Guerra.

Aqui, no Brasil, com quase 7 milhões de infectados e 190 mil mortos, o presidente Jair Bolsonaro vai pelo mesmo caminho, com seu negacionismo, que chega a aponto de se recusar a tomar a vacina contra a covid-19. Sabota, assim, os esforços realizados por autoridades de saúde, prefeitos, governadores e até mesmo pelo governo federal — cuja atuação deixa muito a desejar — para conter a epidemia e imunizar a população contra a doença, única maneira de salvar a economia de profunda recessão e do desemprego em escala sem precedentes, ou seja, de voltar à vida normal. A história não perdoa erros dessa magnitude. [estávamos surpresos, até incrédulos, pela rara oportunidade de ler sete parágrafos de uma excelente matéria - característica do ilustre articulista -  abrangendo diversos exemplos claros, induvidosos, e o presidente Jair Bolsonaro não ser mencionado.

Lamentavelmente, sobrou para o nosso presidente. As abordagens exatas passaram ao campo das conjeturas, das afirmações sem fatos comprobatórios, etc. Foi esquecido que a VACINA pelo menos para o Brasil AINDA NÃO EXISTE - seja a vacina física, o conteúdo da ampola, seja a autorização legal da Anvisa ou de algum órgão da credibilidade do FDA.

A do governador paulista chegam carregamentos que noticiam ser da coronavac, só que nada é solicitado para a Anvisa.

Insistimos que não há uma única morte - comprovada, por óbvio - que possa ser atribuída como resultado dos comentários e frases, às vezes politicamente inadequadas, proferidas pelo nosso presidente.]

 Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense


segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

A Chernobyl pessoal de Bolsonaro - Elio Gaspari

Folha de S. Paulo - O Globo

A pandemia já matou no Brasil três vezes mais gente que a radiação liberada pela explosão do reator nuclear de Chernobyl, da União Soviética, desde 1986. Segundo um artigo do “International Journal of Cancer”, as mortes ficaram entre 30 mil e 60 mil 
[em 2020,  de 1º janeiro 2020 a  15 de outubro de 2020, morreram no Brasil de infarto, AVC, outras doenças cardiovasculares, 352.000 PESSOAS - dados que podem ser apurados em Cartórios de Registro Civil;
segundo a mesma fonte, de 1º janeiro 2020 a 15 de setembro 2020, morreram no Brasil mais de 160.000 pessoas vitimadas das doenças respiratórias, digamos, tradicionais: tuberculose, edema pulmonar, enfisema, insuficiência respiratória - todas sem ligação com a covid-19.]

Conduta de Bolsonaro diante do coronavírus guarda semelhança com a dos soviéticos em Tchernóbil

Em abril, o general Luiz Eduardo Ramos disse o seguinte:

“No jornal da manhã, é caixão, corpo; na hora do almoço, é caixão novamente. No jornal da noite, é caixão, corpo e número de mortos. (...) Não tá ajudando. Ninguém aqui está dizendo que tem que esconder. Os senhores (jornalistas) têm que também... Eu conclamo e peço encarecidamente, tem tanta coisa positiva acontecendo”.

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A pandemia já matou no Brasil três vezes mais gente que a radiação liberada pela explosão do reator nuclear de Chernobyl, da União Soviética, desde 1986. Segundo um artigo do “International Journal of Cancer”, as mortes ficaram entre 30 mil e 60 mil.

Apesar das enormes diferenças entre as duas tragédias, a conduta pessoal do capitão Bolsonaro e dos generais Ramos e Pazuello diante do coronavírus guarda uma triste semelhança com a reação dos comissários soviéticos em Chernobyl.

A explosão ocorreu na madrugada de 26 de abril de 1986. Quando o chefe da Defesa Civil da usina mostrou ao diretor que a radiação chegara a níveis intoleráveis, o burocrata expulsou-o da sala: “Seu medidor está quebrado”. Pela manhã, o vice-presidente do conselho de ministros disse que religaria o reator, e o ministro da energia da Ucrânia explicou-lhe:
— Não existe mais reator.
— Você é um alarmista — respondeu o comissário.
“Não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar”, disse Bolsonaro, em março, quando 165 pessoas já haviam morrido. Dias antes, ele dissera que a pandemia reconhecida pela Organização Mundial da Saúde “não é isso tudo que a grande mídia propala ou propaga pelo mundo todo”. [qualquer especialista sério - muitos perdem tal condição quando estão sendo entrevistados como especialistas - confirmará que a taxa de contágio da covid-19 é inferior a da gripe comum = influenza = sazonal.
A atual taxa de contágio, R0, da covid-19 é de 1,02 e a da influenza 1,2.]

O negacionismo seguiu cursos diferentes na fase seguinte, ambos estimulando a inércia. Em Chernobyl, quando o chefe da Defesa Civil mencionou a necessidade de evacuar a população da cidade, um comissário da região foi breve: “Sente-se. Isso não é da sua conta”. O Ministério da Saúde concordava com ele.

Em Pindorama, Bolsonaro chamou os governadores que defendiam o isolamento social de “destruidores de empregos”, e o general Pazuello ainda acha que não se deve falar nisso.  A cidade próxima ao reator Chernobyl só foi evacuada no dia seguinte. Trinta e seis horas depois da explosão não haviam sido disparadas as medidas previstas nos protocolos da Defesa Civil. Vídeos mostram cenas de um casamento e de vida normal em vários lugares.

Quando Bolsonaro falava em gripezinha, o presidente mexicano, Manuel López Obrador, dizia que a Covid “não equivalia a uma gripe”, e o primeiro ministro inglês, Boris Johnson, desdenhava o perigo. Johnson foi parar numa UTI, abandonou o negacionismo e pediu desculpas por ter dado informações erradas. Obrador orgulhosamente anunciou seu plano de imunização dos mexicanos, começando neste mês pelos profissionais de saúde.

Como os burocratas soviéticos, Johnson e Obrador pensavam que mandavam e disseram besteiras, mas corrigiram-se. Bolsonaro ainda não entendeu o que está acontecendo e continua brincando com os diminutivos. No dia em que o número de mortos pela “gripezinha” havia chegado a 179 mil, com a média móvel em alta, ele disse que “estamos vivendo um finalzinho de pandemia”.

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BRETAS E NYTHALMAr
Só o juiz Marcelo Bretas sabe quão próximas eram suas relações com o advogado Nythalmar Dias Ferreira. Surfando a onda da Lava-Jato, esse doutor formou um plantel de clientes que foi do ex-deputado Eduardo Cunha ao empresário Fernando Cavendish.

Dependendo da proximidade, Bretas precisará de um bom advogado. Nythalmar é investigado pela Polícia Federal e poderá achar conveniente colaborar com a Viúva. Não seria desejável que o magistrado deixasse a narrativa em mãos alheias.

Os De Gaulle e os Kennedy
É excelente a biografia do general Charles De Gaulle (1890-1970) escrita por Julian Jackson. Ele governou a França por dez anos, até 1969. Tinha uma filha e um filho longe da política. Outra filha, Anne, nasceu em 1928 com síndrome de Down. Mal enxergava e não falava. De Gaulle nunca se afastou dela, e os dois brincavam por horas.

Já o milionário americano Joseph Kennedy mandou sua filha Rosemary, uma adolescente com distúrbios nervosos, para ser submetida a uma lobotomia. Deu tudo errado. Anne De Gaulle morreu em 1948. “Agora ela ficou como as outras”, disse De Gaulle. Um ano depois, Rosemary Kennedy foi escondida numa casa de religiosas. Ela sobreviveu aos pais e aos irmãos John e Robert. Morreu em 2005, aos 86 anos.

Folha de S. Paulo - Jornal O Globo - Elio Gaspari, jornalista

 

quinta-feira, 2 de abril de 2020

O NOVO GENOCÍDIO CHINÊS - Percival Puggina

O regime chinês é o mais genocida da história. No período anterior ao Grande Salto para Frente estimam-se em 20 milhões os vitimados pela execução sumária de opositores, contrarrevolucionários, burgueses, proprietários rurais, intelectuais “ocidentalizados”, religiosos, etc.. Entre 1959 e 1961, depois do que deveria ter sido o “grande salto”, outros 20 milhões pereceram de fome. Nos anos seguintes, um número talvez bem maior. São sucessivos crimes contra a humanidade dirigidos à própria população. Crimes hediondos, continuados, encobertos sob a poeira dos tempos por um regime que, em todas as suas experiências, prima pela capacidade de agir nas trevas e ocultar tudo que não lhe convém.

Em 1979, com a morte de Mao Tse-Tung, houve uma luta por sua substituição ao cabo da qual o poder foi entregue a Deng Xiaoping que promoveu uma série de reformas econômicas cujos efeitos levariam a China a sentar-se entre as grandes economias do planeta. Agora, um novo genocídio, em escala planetária. Centenas de milhares de pessoas deverão morrer em virtude do vício institucional dos governos comunistas de ocultar seus desacertos e se darem bem com esse procedimento. Quando, em Wuhan, o médico Li Wenliang advertiu seus colegas sobre as primeiras manifestações do referido vírus, imediatamente se tornou alvo da polícia e foi obrigado a desmentir-se...

A ditadura mostrou seu poder e caráter. E assim se perderam semanas preciosas, ampliando-se o número de vítimas da pandemia.
Eduardo Bolsonaro, semanas depois, relatou o fato já sabido, ou seja, que o vírus surgira na China, e estabeleceu paralelismo entre a nova epidemia e o desastre de Chernobyl. Assim como o Covid-19 foi, de início, silenciado no comunismo chinês, o desastre nuclear de Chernobyl foi, de início, silenciado no comunismo soviético. E afirmou que “a liberdade seria a solução”. Desabaram, então, sobre ele as críticas da imprensa nacional, ocupadíssima em desgastar o presidente da República. Foram dias consecutivos com os noticiários e as “News” batendo no mesmo assunto, até que surgisse pauta mais interessante para espremer. Para a maior parte do atual jornalismo brasileiro o deputado havia faltado com o respeito ao “maior parceiro comercial do Brasil”. Agora me digam se isso não é frase que se pode esperar de agentes de polícia política? Centenas de milhares, talvez milhões de vidas, perdem significado quando o assunto é business... 
Nesses mesmos dias, com a encenação em curso, Rodrigo Maia pegou carona na boleia da carroça publicitária aberta e desabou aos pés do embaixador chinês, implorando perdão em nome da Câmara dos Deputados. Que coisa mais ridícula!

No entanto, tudo é ainda muito mais grave e infinitamente mais perigoso, já se verá. O PCC, maior partido político da história, rico como jamais se viu igual, vem estendendo seu poder e influência sobre o mundo. A grande imprensa brasileira, diante de nossos olhos, sem nenhum constrangimento, se põe genuflexa perante a ditadura chinesa, aceita seus métodos, e entra no teatro do silêncio sobre temas desconfortáveis ao regime chinês. Com o jugo já preso ao pescoço, ela esgota, em Bolsonaro, sua combatividade e o uso que faz da liberdade de informação.

Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

sexta-feira, 20 de março de 2020

Coisa de doido - Eliane Cantanhêde

O Estado de S.Paulo

País parado e o vírus matando pessoas e empresas. É hora de o ‘03’ chutar a China?

Enquanto o ministro Luiz Henrique Mandetta contrariava a percepção geral e chamava o presidente de “grande timoneiro” da reação ao coronavírus, indiretamente comparando Jair Bolsonaro a Mao Tsé-Tung na revolução cultural chinesa, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) dava mais uma canelada infantil, mas doída, na China, principal parceiro comercial do Brasil. Ao falar da pandemia, o “03” acusou que “a culpa é da China”.
[Um único comentário e lembrando o óbvio:
- o presidente JAIR BOLSONARO não pode ser responsabilizado pelos atos de seu filho - são CPFs diferentes, conforme disse Bolsonaro pai.
O pai não pode punir o seu pimpolho. Sendo maior de idade, vacinado e independente, o pai não tem mais a autoridade paterna para eventual correção/punição.
Sendo parlamentar, não está sujeito a ser punido pelas leis brasileiras que conferem impunidade... epa, imunidade. 
Aliás, mesmo sendo a frase um desastre, não configura crime. 
Fato é que a China ontem à noite, através de sua embaixada em Brasília,mudou o tom, mantendo as críticas ao parlamentar, mas com elogios ao presidente Bolsonaro.
Esclarecedor foi o general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, quando disse:
"O Eduardo Bolsonaro é um deputado. Se o sobrenome dele fosse Eduardo Bananinha não era problema nenhum. Só por causa do sobrenome. Ele não representa o governo. Não é a opinião do governo. Ele tem algum cargo no governo?", indagou Mourão durante uma entrevista à "Folha de S. Paulo".]

Assim, o deputado piorou ainda mais as coisas não só para o papai, que não anda nos seus melhores dias, mas principalmente para o Brasil, que está parado, com Bolsas derretendo, dólar disparando, as pessoas trancadas em casa, os shoppings, academias, bares e restaurantes fechados e as empresas em sistema de “home office”, num ambiente internacional de tragédia. O pai Jair demorou a compreender e se interessar por essa chatice chamada realidade. E o filhote Eduardo ainda está no mundo da lua.  “Quem assistiu Chernobyl vai entender o que ocorreu. Substitua a usina nuclear pelo coronavírus e a ditadura soviética pela chinesa”, sugeriu o ex-quase embaixador do Brasil em Washington e atual presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, papagaiando o que o ídolo Donald Trump diz nos Estados Unidos. E não é que bolsonaristas e terraplanistas compram fácil, fácil, essa versão do complô chinês para devastar o mundo? Coisa de doido.

Pouco diplomático, vá lá, mas com boa dose de razão, o embaixador chinês em Brasília reagiu e não dourou a pílula. Classificou as palavras do deputado de “extremamente irresponsáveis” e matou dois coelhos com uma cajadada só, ao dizer que o filho do presidente, “ao voltar de Miami, contraiu um vírus mental que está infectando a amizade entre nossos povos”.


Se fosse fato isolado, já seria grave, mas é mais grave ainda com o Brasil precisando preservar cada tostão e cada parceiro, e porque não foi uma novidade. A birra dos Bolsonaro com o país asiático vem de longe. Desde a campanha, Jair Bolsonaro e o depois chanceler Ernesto Araújo atacavam e ironizavam a China. Essa China que, no primeiro ano do governo, comprou US$ 65,4 bilhões do Brasil, é vital para o agronegócio e a balança comercial brasileira.

Por tudo isso, a reação contra a manifestação do “03” e a favor da parceria com a China se espalhou como vírus. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, pediu desculpas aos chineses pela instituição. O interino do Senado, Antonio Anastasia, apresentou “respeito, solidariedade e desculpas”, em nome da Casa. O governador João Doria classificou de “lamentável e irresponsável” o post do deputado. A bancada ruralista, que é (ou era?) bolsonarista, deu um pulo.

No fim, até o vice Hamilton Mourão se meteu, ao declarar que o deputado não representa o governo e sua fala só teve essa enorme repercussão pelo sobrenome de Sua Excelência. Cá entre nós, não é a primeira vez que generais do governo têm de apagar incêndios criados pelos Bolsonaro com a China. O próprio Mourão e o chefe do GSI, Augusto Heleno, agora contaminado pela covid-19, já estão calejados.

Quem entrou na contramão, cobrando retratação não do autor da pancada, mas de quem revidou? Ora, ora, o chanceler Araujo, que acusou o embaixador chinês de “ferir a boa prática diplomática”. Será que foi da própria cabeça? Ou ele recebeu ordens do presidente? É essa pergunta que não quer calar entre diplomatas brasileiros, estupefatos.


Isso tudo, gente, quando o vírus já contaminava centenas de brasileiros e adentrava os Poderes da República, os mortos já somavam sete, os panelaços de protesto ainda ecoavam nas cidades e nos ouvidos palacianos e o risco de quebradeira de empresas e de perda de empregos apavorava o País inteiro. É ou não coisa de louco?

Eliane Cantanhêde, jornalista - O Estado de S. Paulo


segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

A China está próxima - Fernando Gabeira

Em Blog
 
Ainda adolescente comprei meu primeiro manual de jornalismo. Seu autor, Fraser Bond, trazia algumas boas lições práticas. Mas de uma de suas lições, jamais me convenceu. Bond dizia que a morte de um cão na sua rua é mais notícia do que um terremoto na China.  Nada estremece mais seu argumento do que a aparição do coronavírus em Wuhan, a sétima cidade da China, e casos já registrados em vários países do mundo. Ele usou o exemplo do terremoto porque certamente ainda não havia tanta integração no mundo quanto agora, o que transforma a segurança biológica numa agenda internacional inescapável.

O Brasil, como todos os outros países, está em alerta. Isso é essencial num momento em que não é novo. O surgimento de vírus devastadores tem sido uma constante, possivelmente pela degradação do meio ambiente.  É correto olhar para a China neste momento. No entanto, para não desapontar Fraser Bond, não podemos esquecer o que acontece perto do nós.  Foi com esse espírito que levantei semana passada algumas dúvidas sobre o que acontece em Rondônia, mais precisamente no Presídio Monte Cristo. Segundo as notícias, ali quase 100% dos prisioneiros sofriam de sarna. Mas recentemente a situação se agravou, e os prisioneiros têm uma doença que dá a eles a sensação de estarem sendo comidos por dentro.

Era necessário que o governo criasse um núcleo médico capaz de diagnosticar essa doença e tratá-la imediatamente.  Argumentar que são bandidos, escolheram esse caminho, é muito pobre não só do ponto de vista humano, como irresponsável diante da segurança biológica do país. [defendemos que as penas sejam severas, sejam cumpridas na integralidade, mas, se impõe que os prisioneiros sejam tratados como seres humanos - o que inclui, sem limitar, assistência médica.
Mas, tem um detalhe que não pode ser olvidado: 
enquanto algumas centenas  de prisioneiros padecem de moléstias em cadeias atulhadas, milhares de brasileiros, ou mesmo milhões padecem as portas dos hospitais aguardando vaga para um exame urgente ou mesmo um simples atendimento de emergência.

Hoje mesmo o DF-TV, noticiou que em Brasília - DF tem uma senhora que aguarda um exame neurológico na rede pública de saúde há 'apenas' quatro anos;
Saúde sob a responsabilidade do governador Ibaneis Rocha, a quem lembramos que ele está conseguindo ser pior que a soma do impiorável,  representado pelas administração Agnelo e Rolemberg e que exames de saúde são sempre urgentes, especialmente na área neurológica, cardíaca, cerebral, etc, etc. 
A administração Ibaneis Rocha, em todas as áreas, destacando SAÚDE, INSEGURANÇA PÚBLICA, EDUCAÇÃO, TRANSPORTES, etc, está conseguindo transformar o CAOS em CAOS CAÓTICO e o PIORAR o IMPIORÁVEL.

Já o prisioneiro Marcola - chefão do PCC e condenado a mais de 300 anos de prisão - parou parte de Brasília para ser submetido a uma colonoscopia - exame de urgência, importante para o diagnóstico do câncer.

Diante da verdade apresentada, cabe a pergunta: 
priorizar o atendimento em presídios (até mesmo levando presos de importância a clínicas para exames) ou aos milhões que padecem as portas dos hospitais?]
Os presídios, mesmo os de segurança, não são ilhas totalmente isoladas. Neles, trabalham funcionários em turnos diferentes. Isto significa que se relacionam com as suas famílias. Além disso, há visitas, advogados, inúmeras pessoas que ficam expostas a um perigo. Como estou em outra parte do Brasil no momento, tenho mais perguntas do que respostas sobre essa doença no presídio de Roraima. Não vi notícias sobre o exame desses presos, o possível diagnóstico da doença. 
É um agravamento da sarna? 
Outra doença completamente diferente?
O que dá a eles a sensação de serem comidos? 
Seria uma bactéria? 
Tem nome? É preciso examinar as pessoas que trabalham no presídio?

Nossas demandas sobre uma política de segurança biológica ainda são centradas na transparência. Chernobyl foi um caso típico de negação das regras do jogo. A China também às vezes é acusada de não revelar as verdadeiras dimensões de algumas doenças.  Lembro-me de que na aparição dos primeiros casos de Aids no Brasil, falava-se que era localizado e atacava apenas a minoria. Felizmente, superamos essas limitações e chegamos a uma política nacional respeitada até fora do país. Mas o front é muito diversificado. Durante alguns anos, enfrentamos a dengue. Depois apareceram a chicungunha e a zika, esta bastante pesquisada depois de uma passagem assustadora no Nordeste.

Menos falada, a chicungunha também é uma doença séria. Entrevistei alguns atingidos por ela, em Sergipe. Fiquei impressionado com as queixas sobre dores, algumas estendendo-se por um ano.  Apesar de suspeitas, não se pode afirmar ainda que o coronavírus surgiu na crista de algum desequilíbrio ambiental. Mas é evidente que uma política ambiental destrutiva quase sempre vem ao lado de um desinteresse pela segurança biológica.  No Brasil, Paulo Guedes acha que a degradação ambiental é produzida pela pobreza. Mas, na verdade, é a pobre compreensão do problema pelo governo que pode agravar a crise ambiental. Da mesma forma, quando se fala em princípio de precaução, aqui a ideia é de um velho que sai de guarda-chuva num dia ensolarado.

Mas não é isso, o mundo mudou, ficou muito mais perigoso, interligado. O velho professor de jornalismo não sabia disso na sua época. Ignorar essa realidade hoje só torna o mundo mais perigoso ainda. No entanto, o momento já é também de esperar que, além da transparência, os governantes sejam julgados por sua capacidade de antecipação.  Não se pode comparar a doença no presídio com um coronavírus na China. Mas o alarme na segurança biológica não deve se prender a algum vírus devastador e misterioso.

Fernando Gabeira, jornalista - Blog do Gabeira

Artigo publicado no jornal O Globo em 26/01/2020