O Estado de S.PauloA mudança na direção americana exporá à luz do dia os equívocos da atual política externa
Em
1941, a França sob a presidência do marechal Philippe Pétain, herói de
Verdun, convertido à colaboração com os alemães, tornando o Estado francês um
Estado súdito ou escravo, o general Charles de Gaulle, de início cavaleiro
solitário, tentava organizar o que denominara Forças Francesas Livres, ainda em
pequeno número e mal equipadas. Em Vichy, o vice-presidente do Conselho, Pierre
Laval, de tendências totalitárias, aproximava-se cada vez mais dos nazistas,
dizendo com isso salvar a França, vindo a ser “amigo” do embaixador alemão,
Otto Abetz. Na Síria, juntamente com os ingleses, as tropas de De Gaulle
lutavam contra os franceses subordinados a Pétain, embora o futuro presidente
não cessasse de desconfiar dos próprios ingleses. Suspeitava que eles queriam
dominar o Levante, passando a ser senhores de partes do Império (Empire)
Francês, no caso, Síria e Líbano. Exasperado com seus aliados, exclamou:
“Nações não têm amigos”.
Nações
têm interesses. Agem de acordo com o que acreditam ser melhor para elas,
dispostas a enfrentar outros Estados com interesses distintos, produzindo um
panorama internacional, mutável, de parcerias, convergências, divergências e
oposições dos mais diferentes tipos. Os interesses vão se acomodando segundo as
relações econômicas, militares, políticas e diplomáticas se vão desenhando. Em
situações extremas de divergências, nações tornam-se inimigas em situações de
guerra;
em convergências, criam-se instituições internacionais visando à
acomodação dos interesses mais amplos possíveis, com o intuito de evitar
soluções de força. Nesse contexto, cada Estado exporá suas projeções
geopolíticas de poder, conforme suas distintas capacidades e forças.
Não
há amigos nesse jogo. Quando muito, afinidades pessoais entre presidentes e
primeiros-ministros que podem facilitar as relações, sem que estas possam ser
ditas fruto da amizade. A amizade é uma categoria aplicável às relações
pessoais, não pode ser generalizada para o domínio da política internacional,
em que impera o conflito de interesses. O ex-presidente Michel Temer, por
exemplo, tinha uma afinidade pessoal com o presidente Vladimir Putin, sem que
isso se traduzisse por qualquer subordinação aos interesses russos. Jamais, por
exemplo, justificou a invasão da Crimeia.
O
presidente Jair Bolsonaro, por sua vez, com sua família, tornou o presidente
Donald Trump um “amigo”, procurando alinhar os interesses brasileiros aos
americanos. Seu chanceler chegou a fazer elogios ditirâmbicos a Trump no que
denominou “discurso de Varsóvia”, como se naquela ocasião o presidente
americano se apresentasse como o representante-mor dos valores ocidentais e,
particularmente, religiosos. Amigos até nos valores, como se dali em diante esse
devesse ser o norte da política externa. Em determinado momento chegou-se a
falar da “amizade” entre as famílias Bolsonaro e Trump, o que justificaria o
projeto, depois frustrado, de designar um dos filhos, o deputado Eduardo
Bolsonaro, embaixador nos Estados Unidos.
Os
Estados Unidos sabem muito bem defender os seus interesses; no momento atual,
porém, tal não parece ser o caso do Brasil. Se os americanos atacam os
chineses, é porque os seus interesses estão sendo contrariados por eles,
afirmando-se também como uma potência mundial. Confirmado o novo presidente
americano, Jorge Biden certamente será mais diplomático, procurando aumentar as
convergências com seu adversário asiático, sem que daí se siga que ele deixará
de defender os interesses americanos, como tem feito Trump. Sua aproximação
será diferente; seu interesse, o mesmo.
Por
que, nesse contexto, o presidente Bolsonaro atacar os chineses? Porque são
comunistas? Ora bolas! O país asiático é hoje o maior destinatário das
exportações brasileiras do agronegócio, tornando-se progressivamente também um
investidor no País. Onde está o interesse brasileiro? Atualmente, numa
convergência com os interesses dos chineses, não cabendo minimamente alinhar-se
com os americanos. Seguir os americanos significa, no caso, contrariar os
interesses brasileiros. O Brasil não é amigo de uns nem de outros!
Aliás,
no que diz respeito aos Estados Unidos, os interesses deles consistem em ser
“ambientalistas” em relação ao Brasil, tal como foi publicamente sustentado
pela National Farmers Association. Eles adoram florestas aqui e fazendas lá!
Farms Here, Forests There = Florestas aqui e fazendas lá. Procuram aumentar a competitividade de seus produtos, advogando pelo irrestrito
direito à propriedade, enquanto o Brasil possui o instituto da reserva legal,
que obriga os proprietários rurais a preservarem com vegetação nativa uma parte
de sua propriedade. Na Amazônia, convém lembrar, esse índice é de 80%.
A
mudança na direção americana exporá à luz do dia os equívocos da atual política
externa. Amizades à parte, os interesses deverão impor-se. Se o presidente
Bolsonaro for inteligente, e ele o é quando se trata diretamente de seus
interesses políticos e familiares, realinhará e remodelará as relações do
Brasil com o mundo, em particular com os seus principais parceiros, numa cena
internacional que apresentará mutações importantes. [consignamos que a mudança de direção americana depende da mudança de presidente, que depende do resultado das eleições, que ainda não tem nada decidido = grande parte da imprensa, brasileira e mundial, precisa entender, aceitar, que eles não escolhem presidentes - AP é uma mera contadora de votos há mais de 100 anos, o que não influi nem contribui para ter autoridade para empossar seu eleito;
vale o mesmo para algumas emissoras de TV, cá no Brasil, que por não aceitarem o presidente Bolsonaro, insistem em se imiscuir em assuntos internos de outro país, chegando ao absurdo de até insinuarem que se o esquerdista se tornar presidente dos EUA adotará medidas contra os interesses brasileiros = insinuações que são, no mínimo, antipatrióticas.]
Denis Lerrer Rosenfield, professor de filosofia - O Estado de S. Paulo - Espaço Aberto