O imbróglio jurídico persiste. De um lado,
Google em seu recurso
alega que, ao fornecer os dados, estaria violando a privacidade e a
intimidade do usuário. Sustenta ainda a tese de que a
ordem de quebra de
sigilo seria genérica,
“vedada pela Constituição e pela legislação” do
Marco Civil da Internet. Do outro,
a promotoria argumenta que a quebra
de sigilo se justificaria por atingir o interesse público, uma vez que,
com a quebra, seria possível chegar à autoria e no mando de um crime.
O
MP do Rio ressalta também que a morte da parlamentar foi uma afronta
aos direitos humanos, atingindo repercussão internacional.
[qualquer uma das mais de 60.000 mortes que ocorriam, por ano, até 2019, é uma afronta aos direitos humanos;
priorizar a investigação de um homícidio apenas por ser a vítima uma política, é também uma afronta aos mais de 60.000 mortos e aos seus familiares.
Todos são iguais perante a lei - principio na ONU e na Carta Magna do Brasil - o que torna as investigações sobre assassinatos da mesma importância. ] Ao recorrer,
as companhias não obedeceram à ordem judicial do juiz do 4º Tribunal do
Júri, Gustavo Kalil, responsável por julgar o caso Marielle e Anderson.
VEJA:Entenda o que já foi revelado sobre os assassinatos de Marielle e Anderson
Nas
alegações finais do Incidente de Deslocamento de Competência (IDC) de
número 24, no qual a promotoria diz não haver motivos para a
federalização do caso Marielle, o MP do Rio argumenta que não haveria
exposição dos usuários. A proposta é levantar os dados das pessoas que
passaram pelo pedágio da Transolímpica, entre 11h05m e 11h20m, no dia 2
de dezembro de 2018, data em que o veículo foi flagrado no local. Assim,
a partir das pesquisas seria possível saber, por exemplo, se em algum
momento eles pesquisaram algo que ligasse à execução de Marielle e
Anderson. Em certo trecho das alegações finais do IDC 24, o MP estadual
sustenta:
“A importância da localização de tal veículo é que a
investigação conduzida poderá viabilizar o reconhecimento de outros
envolvidos, no que se relaciona à clonagem do veículo, como também, em
relação ao mandante do crime”.
Se a empresa Google liberar as informações,
os investigadores
acreditam que terão também a oportunidade de pôr o sargento reformado da
Polícia Militar, Ronnie Lessa, e o ex-PM Élcio Vieira de Queiroz,
ambos presos pela morte da parlamentar e o motorista,
dentro do Cobalt.
Atualmente,
a defesa dos réus argumenta que a dupla não foi flagrada
dentro do carro, pois não há imagens que provem tal situação. A
promotoria e a Delegacia de Homicídios da Capital (DH) sustentam que as
pesquisas feitas por Lessa sobre endereços frequentados por Marielle,
além de uma análise da compleição física do sargento, a partir de
programas de computação.
A perícia do MP fez a comparação a partir das imagens do braço dele no banco de trás do Cobal,
flagrado por uma câmera na Rua dos Inválidos, próximo a Casa das
Pretas, onde o carro de Marielle e Anderson começou a ser seguido.
Ao
pedir vistas do processo,
o Ministério Público Federal se posicionou ao
lado do Google. Em seu parecer,
o MPF defendeu que haveria violação do
direito à intimidade das pessoas que passaram pela via na data. A
situação acirrou os ânimos entre os dois ministérios públicos, federal e
estadual, que já disputam a atribuição para investigar o Caso Marielle.
Antes de deixar o cargo, a ex-procuradora-geral da República, Raquel
Dodge, em setembro, pediu ao STJ que as investigações fossem para o
âmbito federal, ou seja, que fiquem sob a cargo do MPF e da Polícia
Federal.
Facebook também recorre para não divulgar dados
Além do
Google, o Facebook também recorreu da decisão em primeira instância no
fornecimento de dados de 82 aparelhos de celulares ligados a milicianos
que integram o grupo de matadores de aluguel, ao qual Lessa pertence,
segundo as investigações. A organização criminosa atua principalmente a
serviço da contravenção, mediante pagamento de vultosas quantias,
segundo o MP do Rio.
Apesar de a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de
Justiça, por unanimidade, não ter
acatado o pedido do Facebook, a
empresa, como fez o Google, também recorreu. A promotoria chegou a
argumentar que o Facebook
“insiste em prejudicar a investigação das
autoridades estaduais, para tanto, sustentando que inexiste qualquer
dispositivo legal que determine aos provedores de aplicação de internet a
obrigação de armazenar o histórico de buscas realizadas pelo usuário”. A
fim de justificar a quebra, o MP do Rio sustenta ainda que o serviço de
inteligência já detectou “
sérios indícios” do envolvimento desse grupo
na morte de Marielle e Anderson, que ficariam mais consolidados com os
dados telemáticos fornecidos pela empresa.
A promotoria alfineta
as empresas ao ressaltar que a privacidade é desprezada por elas, ao
fornecer dados dos usuários para a venda de produtos direcionados ao
gosto dos clientes:
“Ora, é lógico que o Facebook possui acesso aos
dados relativos às buscas realizadas em sua rede social, utilizando-os,
dentre outros fins, para possibilitar que as empresas anunciantes no
ambiente virtual promovam suas campanhas de marketing e de vendas de
forma segmentada, direcionada ao público-alvo a ser atingido”.
Google responde em nota:
"Não comentamos casos específicos.
Gostaríamos de dizer que protegemos vigorosamente a privacidade dos
nossos usuários ao mesmo tempo em que buscamos apoiar o importante
trabalho das autoridades investigativas, desde que os pedidos sejam
feitos respeitando preceitos constitucionais e legais."
Pistas para confundir investigação
As
investigações do caso Marielle revelam que os assassinos pensaram nos
mínimos detalhes do crime, evitando deixar rastros. O Cobalt não foi
apreendido até o momento e deixou de circular desde que foi flagrado na
Transolímpica, há um ano.
A arma usada no crime, uma submetralhadora HK
MP5, segundo os peritos da Polícia Civil, também não foi encontrada. A
polícia suspeita que ela tenha ido parar no fundo do mar da Barra da
Tijuca, descartada por ordem de Lessa, assim que ele foi preso.
Para
confundir as investigações
, foi utilizada munição do lote UZZ 18 com
mais de 1,8 milhão de balas produzidas, inclusive de vários calibres. As
que mataram Marielle e Anderson eram de calibre 9mm. A polícia e o MP
prosseguem nas investigações para descobrir quem mandou matá-los, além
do motivo do crime.