Tendo produzido um novo modelo de relacionamento com o Congresso, Jair
Bolsonaro dedica-se a transformar a novidade que criou num problema. O capitão
extinguiu o chamado presidencialismo de coalizão, eufemismo para o regime de
cooptação no qual o Executivo comprava apoio parlamentar. Fez muito bem. O
problema é que Bolsonaro colocou no lugar o presidencialismo de trincheira. No
novo modelo, o presidente da República não faz alianças, ele recruta súditos e
elege inimigos. Entrincheirado no Planalto, Bolsonaro transforma ideias fixas
em medidas provisórias e decretos. Manda publicar. E ponto. Começa a notar que
sua estratégia esbarra num ponto fraco, pois numa democracia a decisão do
presidente é ponto de partida, não ponto final. A vontade do soberano está
sujeita ao crivo do Legislativo.
No
Planalto, manda quem pode. No Congresso, manda quem tem mais votos. Para
contornar a inanição legislativa, o presidente leva a edição de decretos às
fronteiras da inconstitucionalidade. E os congressistas derrubam o que se
imaginava decretado. Derrubam também artigos de medidas provisórias. O
presidente os ressuscita na MP seguinte. E leva um corretivo do Supremo. Sobram
tiros e falta diálogo no presidencialismo de trincheira. [curioso é que quando se trata de tentar desmerecer o governo do presidente Bolsonaro, o Supremo se sente no direito de aplicar corretivo no Poder Executivo.
O correto seria que decisões adotadas pelo Poder Executivo, via MP, sejam apreciadas pelo Congresso que pode rejeitar, fazer alterações etc, e o produto final o presidente tem o DEVER de acatar - podendo, ao receber já como lei, vetar o que entender pertinente.
O Supremo tem o DEVER de aguardar o que o Congresso vai decidir sobre a MP sob exame - se no texto final houver alguma inconstitucionalidade o Supremo, após provocado, adota as medidas cabíveis.
Mas, quanto se trata de atrapalhar, humilhar o governo Bolsonaro o Supremo fica inerte quando o Congresso decreta inconstitucionalidade de norma constante de decreto do Poder Executivo e que já é objeto de ação no STF questionando a alegada ilegalidade. Seria o caso de dar um corretivo no Congresso, por estar entrando na análise de matéria sob apreciação da Suprema Corte.
Tem mais, quando eventual demora do Congresso em apreciar projeto de lei que, se aprovado, contraria posição notória do governo Bolsonaro, o Supremo passa a julgar com prioridade ação contra a alegada demora do Poder Legislativo, ignora notificação do Senado Federal informando da existência de projetos tramitando no Congresso (o que prova a inexistência de omissão) e assume funções legislativas.
Em outras palavras,sendo para atrapalhar o governo do presidente Jair Bolsonaro o Supremo aceita que o Congresso assuma funções do Poder Judiciário e o Congresso aceita que o STF legisle.]
Há uma
montanha de problemas. Cavando de um lado, o Congresso ajeita a reforma da
Previdência e tenta colocar em pé uma agenda própria. Cavando do outro lado da
montanha, o governo também se equipa para lançar sua pauta. Se os combatentes
se encontrarem no meio do caminho, farão um túnel. Se não se encontrarem, o que
parece mais provável, cavarão dois túneis. Nessa hipótese, Executivo e Legislativo
continuarão trafegando em duas vias, uma na contramão da outra. Se descobrissem
o valor de um dedo de prosa, as trincheiras poupariam muito tempo.