Bolsonaro perdeu um belo troféu, mas isso não tira seu mérito no desfecho de Battisti
Assim como Lula e Tarso Genro foram os principais responsáveis por
manter Cesare Battisti no Brasil, a eleição do presidente Jair Bolsonaro
foi decisiva para mudar o destino dele, condenado à prisão perpétua por
quatro assassinatos na Itália.
Bolsonaro, porém, não deu sorte ao capitalizar o feito. Ele anunciou já
na campanha que o bem-bom de Battisti estava com os dias contados, mas
foi sucessivamente atropelado na execução da promessa. Quem determinou a prisão de Cesare Battisti (aliás, de forma bem
atrapalhada) foi o ministro Luiz Fux, do STF, ao revogar em dezembro de
2018 sua própria liminar, [aliás, revogar suas próprias decisões é uma especialidade de Fux] de outubro de 2017, que mantinha o refúgio.
Quem autorizou a extradição foi o então presidente Michel Temer. E quem
mandou Battisti direto para a Itália foi o presidente da Bolívia, Evo
Morales.
Gato escaldado tem medo de água fria e a Itália não quis correr riscos,
depois de quase 40 anos sendo humilhada por Battisti e de ser desdenhada
pelos governos petistas no Brasil. Com a prisão pela Interpol, um avião
italiano foi enviado rapidamente para a Bolívia, com plano de voo de
volta direto de um país ao outro, sem escala. Trazer Battisti para o Brasil e daqui enviá-lo para a Itália seria uma
concessão política para dar um troféu a Bolsonaro. Mas seria também dar
sorte ao azar. Vai que entram com um Habeas Corpus no STF? Vai que, como
o Brasil não reconhece prisão perpétua, exigissem o máximo de 30 anos
de pena? [detalhe: a 'constituição cidadã', proíbe penas de caráter perpétuo, o que torna a situação mais vantajosa para o condenado;
pena de prisão perpétua é específica, já pena de caráter perpétuo, pode considerar uma sentença de 30 anos aplicada a um bandido com 50 anos uma pena de 'caráter perpétuo', o que é proibido.]
Assim, quem mais capitalizou a extradição de Battisti da América do Sul
direto para a prisão perpétua foi Morales, justamente um presidente de
esquerda, que orbitava o bolivarianismo, ou “socialismo do século 21”,
de Hugo Chávez, mas tem se mostrado pragmático, responsável e
diplomático, a ponto de participar tanto da posse de Bolsonaro quanto de
mais uma posse de Nicolás Maduro na Venezuela. A fuga para a Bolívia, que durou um mês, foi uma derrapada da Polícia
Federal. Corintianos, flamenguistas e marcianos sabiam, tanto quanto o
próprio Battisti, que a extradição seria uma questão de tempo e era
óbvio ululante que ele faria o que sempre fez em dois terços da vida:
fugir. Só a PF não sabia? Não estava de vigília?
Mas a fuga para a Bolívia foi também um erro de cálculo de Battisti, que
buscou um refúgio tão óbvio quanto foi a sua própria fuga, não só pela
proximidade da Bolívia como também porque esse é um dos últimos países
ainda carimbados como “de esquerda” nos arredores do Brasil. O que ele
não contava é que Morales pode continuar sendo de esquerda, mas não tem
nada de bobo. Bater de frente com Itália e Brasil por uma causa perdida
não estava certamente nos seus planos.
Assim, Bolsonaro até se esforçou, mas perdeu a chance de ostentar o
troféu Battisti para a Itália, a Europa e o mundo, mas isso não lhe tira
o mérito de ter deixado claro todo o tempo que faria justiça contra o
condenado e a favor de um país irmão como a Itália. Tudo aconteceu tão
rápido exatamente por sua determinação e sinalização política nesse
sentido. O que, aliás, as autoridades italianas reconhecem e agradecem. Como ministro da Justiça, Tarso Genro driblou os pareceres do seu
próprio ministério, do Itamaraty e do Comitê Nacional para Refugiados
(Conare) para alegar que Battisti era “condenado político” e mantê-lo no
Brasil. No apagar das luzes de seu governo, Lula deu de ombros para a
decisão do Supremo e confirmou o refúgio. Mas os ventos mudaram e, com
eles, a sorte do italiano.
Isso remete ao banqueiro Salvatore Cacciola, extraditado do Mônaco para o
Brasil, e ao ex-BB Henrique Pizzolato, que fugiu para a Itália e voltou
direto para a prisão. O mundo está ficando muito pequeno para
criminosos. A Justiça ainda tarda, mas começa a não falhar.
Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo