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sábado, 3 de outubro de 2020

A justiça politizada - IstoÉ

Não é de hoje, aqui e alhures, que mandatários do Executivo tentam fazer do Judiciário uma espécie de puxadinho do seu poder, buscando influenciar nas decisões, acolher relações poucos republicanas — Jair Bolsonaro, por exemplo, quer colocar lá alguém com quem “possa tomar uma cerveja” — e, em certas circunstâncias, tratando de ignorar o seu papel institucional, via descaso mesmo às deliberações da Corte. Nesse contexto, em paralelo, o STF brasileiro foi tomando gosto pelas articulações midiáticas, opiniões pessoais fora dos autos e uma certa pitada de guerra partidária entre os ministros membros. 

A politização do Judiciário virou praga. De pretenso poder moderador, ele se converteu, em muitos momentos, no fórum filial de decisões combinadas com o Planalto e o Congresso. Há uma diferença abissal entre o objetivo, legítimo, da harmonização de poderes e o acerto de práticas que, no fim, servem a interesses específicos. O caso da transferência do Coaf da Receita Federal para o BC, por exemplo, tirando do órgão o papel contributivo às investigações de corrupção, foi medida alinhavada diretamente entre o Messias capitão e o então titular na presidência do STF, ministro Dias Toffoli. [lembrando que quando ocorreu a mudança, o Coaf já tinha sido vítima de um vazamento -  e que, estranhamente, não foi investigado nem tirou a licitude do conteúdo vazado: O material vazado apontava movimentações atípicas na contra de Fabrício Queiroz]. Tanto o chefe da Nação demonstrava, ali, intenções claras [sic]  de proteger o filhote Flávio Bolsonaro, e até de evitar maiores apurações sobre denuncias do laranjal que começava a brotar, como o magistrado também parecia acalentar o desejo de tirar os holofotes sobre os rendimentos advocatícios e as transferências de sua mulher para ele. Normalmente, as três esferas da República se acumpliciam, jogando por terra o fundamento constitucional de independência que cada um deveria nutrir. Talvez, na origem dessa deturpação de comportamento e da acochambrada nas relações esteja o próprio instrumento que permite ao mandatário, no exercício do cargo, escolher quem e como indicar a cada vaga aberta naquela Suprema Corte. [se impõe ter presente, que após aprovado e empossado, o ministro pode agir contra quem o indicou;

um ministro do STF só está sujeito à jurisdição do Senado Federal, que pode decretar o seu impedimento. Tanto que alguns ministros do Supremo chegam ao absurdo de se considerarem 'supremos' ministros com poderes absolutos.]. Imagine a força da missão: é ele, somente ele, quem no recôndito do lar, na solidão inclemente das madrugadas insones, decide os benfejados pela sua magnânima concessão. Quem não se condói de tamanha responsabilidade? Não vem a ser algo singular nos modelos em vigor mundo afora, é verdade. 

Também nos EUA, onde a morte da icônica juíza, Ruth Ginsburg, abriu espaço a uma sucessora, o presidente Trump apontou a preferida, nos moldes que entendeu ser uma candidata ideal: alguém alinhada aos conceitos conservadores e, por vezes, ultrapassados que acalenta. Acredita o líder americano ser esse o caminho mais fácil para reverter precedentes históricos sobre temas como aborto e posse de armas, tão caros a ele. Nada diferente do que se faz por aqui. Na gangorra de preferências do presidente em mandato, o STF assume feições a sua imagem e semelhança, caso ocorram substituições providenciais. Trump está tendo a oportunidade de costurar uma maioria ampla na Corte, na qual, nos próximos anos, serão decididos muitos casos que moldarão a economia e, quiçá, talvez até julgue um recurso dele, Trump, contra o resultado das eleições em andamento. Casuísmo? Pode ser, mas dentro das regras. 

E é sobre elas (as regras) que os questionamentos deveriam se concentrar. A onda sempre oportunista que concede aos mandatários o poder discricionário de estabelecer a composição desses colegiados — onde, eventualmente, assuntos de sua competência e participação podem ser analisados e revistos [insistindo em lembrar que os ministros, dos tribunais superiores ou do STF, não estão sujeitos à autoridade de quem os indicou.] deixa um sabor de trapaça na arbitragem. O Executivo não deveria ter tal direito. A ameaça de cooptação de ministros, via a escolha direta, para que atendam as suas vontades, é clara. No mesmo sentido, também não é aceitável que a força de sua caneta, em ato soberano e isolado, estabeleça quem aboletar na cadeira de procurador-geral da República que, por vezes se verificou, acabou atuando como mero advogado particular, interferindo e judicializando questiúnculas familiares fora de sua alçada.

Enquanto a Corte for considerada no Brasil uma espécie de condomínio fechado de luminares da ciência jurídica, [consideração sem nenhum fundamento; 
impossível a existência de um condomínio de luminares jurídicos sem ter entre seus condôminos IVES GANDRA MARTINS FILHO.

Não pode ser olvidado que o indicado pelo presidente Bolsonaro, tem duas condutas que  contrariam posições conhecidas e assumidas pelo capitão:    
a - ter liberado uma licitação do STF que previa a compra de produtos como lagostas e vinhos caros = desperdício dos recursos públicos; 
b - por ter votado a favor de suspender a ordem de primeira instância para deportação do terrorista italiano Cesare Battisti = cuja deportação foi autorizada pelo presidente Bolsonaro.]
Como de praxe, o nome de preferência de Bolsonaro — ao que tudo indica, do desembargador Kassio Nunes Marques — passará pelo Senado. É dado um aval protocolar, mera formalidade quase. Atendendo às exigências de idade entre 35 e 65 anos, “notável saber jurídico e reputação ilibada” tá dentro

No Brasil os critérios de qualificação são tão vagos e falhos que, atualmente, apenas quatro dos 11 ministros exerceram a magistratura antes de chegar ao STF. [um lembrete se impõe: os indicados para o STF, precisam, no tocante a conhecimentos, apenas o NOTÓRIO SABER jurídico, não precisam sequer ser bacharéis em direito.]  Três deles eram subordinados diretos dos presidentes que os nomearam. A avenida assim aberta para que os selecionados possam ter inclinações ideológicas afins, como precondição maior que a da própria reputação acadêmica e jurídica, é enorme. Subjetivo o princípio? Não há dúvida. Aceite-se ou não, é assim que as coisas são feitas entre os vetustos donos do poder.[que entre seus exagerados direitos e poderes está o de ERRAR POR ÚLTIMO.

Carlos José Marques, diretor editorial da Editora Três

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Terrorismo motiva a Xenofobia e a conta ficará mais alta para os imigrantes

Eles vão pagar a conta

ISTOÉ esteve no prédio, em Saint-Denis, onde o suspeito de comandar os ataques na França foi morto. Saiba como a rotina dos moradores de bairros da periferia de Paris já mudou e vai ficar ainda pior, devido ao aumento da xenofobia 

Os habitantes de Saint-Denis, subúrbio ao norte de Paris, acordaram em choque na fria madrugada de quarta-feira 18. Os ventos – uivantes de tão fortes – não foram capazes de abafar os sons de rajadas de tiros e explosões. Refeitos do susto inicial, em questão de segundos os moradores puderam identificar a natureza dos estrépitos. Do lado de fora, ocorria uma pesada operação antiterrorista. Enquanto algumas pessoas espiavam a ação da polícia parisiense por entre as frestas das janelas, outras, investidas de medo e temendo pelo pior, preferiam se aninhar no colo dos familiares no interior de suas residências. A tensão tardou para se dissipar. Durou sete horas. Ao fim de toda a operação, a polícia havia utilizado cinco mil balas. O cerco foi bem sucedido: o belga Abdelhamid Abaaoud, suspeito de ser mentor dos ataques terroristas em Paris, acabou morto. ISTOÉ esteve no local onde Abaaoud exalou seu último suspiro: um prédio insalubre, com ratos, ocupado de maneira ilegal por vários habitantes, muitos sem documentos oficiais, o que facilitou sua utilização como esconderijo.

Menos de uma hora depois do último disparo, uma moradora desceu para conceder entrevista. Vários canais de TV franceses, ávidos por qualquer declaração, a aguardavam. Ela usava um traje que é proibido na França desde 2010: um niqab, véu islâmico que cobre todo o rosto e só deixa os olhos à mostra. Talvez ela quisesse simplesmente evitar ser identificada. Mas a vestimenta toda preta sugeria que a mulher cultivava o hábito de sair à rua com esse tipo de roupa. Se for o caso, seu estilo não chama a atenção em Saint-Denis. O bairro do subúrbio parisiense possui uma população majoritariamente imigrante, de origem árabe.


Saint-Denis fica situado a apenas cinco quilômetros da capital francesa. É possível chegar lá de metrô. Apesar da pouca distância, logo na saída da estação vê-se rapidamente a diferença em relação a bairros centrais de Paris: prédios comuns, sem charme arquitetônico, e algumas lanchonetes, cafés e lojas populares. A exceção é a famosa basílica de estilo gótico, do século XII, onde estão enterrados os reis da França, que atrai turistas do mundo inteiro. Em Saint-Denis também há o célebre Stade de France, onde o Brasil perdeu a final da Copa em 1994. Na França, no entanto, o bairro ao norte da capital é encarado sobretudo como uma área pobre onde reinam violência e problemas sociais.

A grande maioria da população desse subúrbio de 110 mil habitantes é de imigrantes ou franceses de origem estrangeira, principalmente de países como Argélia, Marrocos e Tunísia e da África negra. A taxa de desemprego, de 20% a 22%, segundo autoridades locais, é o dobro da média nacional. Moradores ouvidos por ISTOÉ descrevem um bairro dominado pelo pavor com o que pode vir na sequência dos atentados. “A cidade já tinha má-reputação. A descoberta de terroristas aqui vai piorar ainda mais sua imagem e os moradores correm o risco de sofrer mais preconceito”, afirmou Marie-Christine Daillet, francesa de 63 anos, que passou a sair de casa sem bolsa após um assalto em que teve várias fraturas no braço, engessado por quatro meses. Hoje, tem planos de se mudar do local conhecido também pela venda de drogas a céu aberto. A atmosfera de pânico e medo é relatada por outra moradora, que não quis se identificar. “Se quisermos continuar vivos, não vimos nem ouvimos nada e também não sabemos de nada”, afirmou. Nascida na Costa do Marfim, ela reside em Saint-Denis há seis anos.



Segundo o francês de origem argelina Munir Dadi, muçulmano que mora em Saint-Denis há 18 anos, imigrantes clandestinos buscam abrigo no bairro porque há menos controle policial. “A vida na cidade se deteriorou muito nos últimos anos”, lamentou. Como muitas outras pessoas em Saint-Denis, ele também teme ser vitima de racismo após os atentados. “Espero que o presidente François Hollande ouça os gritos dos habitantes que pedem mais policiais na cidade”, afirma o vice-prefeito de Saint-Denis, Bally Bagayoko, francês de origem maliana. “Com dois mil policiais já daria para se equiparar a outras cidades”, acrescenta o político.

O que ocorre em Saint-Denis não é diferente de várias outras cidades do mesmo distrito administrativo, chamado Seine-Saint-Denis, no norte de Paris, mais conhecido na França como “nove três”. A referência ao código postal passou a ser vista, na prática, como algo pejorativo. “Você colocar o endereço 93 em um currículo diminui consideravelmente as chances de encontrar um emprego”, diz o argelino Mouder Sid Ali, motorista de caminhão que mora em Saint-Denis e chegou à França há três anos.


Foi na Seine-Saint-Denis, com mais de 1,5 milhão de habitantes, que começou a onda de violência nas periferias do país, em 2005. Samy Amimour, um dos kamikazes da casa de shows Bataclan, onde morreram 89 pessoas, morava em Drancy, uma cidade do distrito da Seine-Saint-Denis. “Os imigrantes foram amontoados em periferias, sem serviços, e isso acabou criando guetos e gerando exclusão social. Houve erros na política de integração”, afirma o cientista polítco Stéphane Montclaire, da Universidade Sorbonne. Segundo ele, a intolerância em relação aos muçulmanos deve aumentar na França após os recentes atentados. “Uma cabeça de porco colocada em frente a uma mesquita é um ato isolado e que não representa a opinião da população francesa. O problema é que vemos uma adesão progressiva da sociedade a certas ideias da extrema direita, do partido Front National, em relação a essa comunidade”, ressalta. De acordo com Abdelkader Ounissi, imã da mesquita de Bagnolet, na Seine-Saint-Denis, um de seus fieis teve de abrir a bolsa de ginástica na rua a um desconhecido que exigiu ver o conteúdo da sacola. “O clima é pesado. As pessoas estão com medo em relação ao futuro”, diz

No primeiro semestre deste ano, a França, onde vive a maior comunidade muçulmana da Europa, estimada em 6 milhões de pessoas, registrou 274 atos racistas e ameaças contra muçulmanos, segundo o Observatório Nacional contra a Islamofobia (ONCI), ligado ao Conselho Francês do Culto Muçulmano. Isso representa um aumento de 281% em relação ao mesmo período do ano passado. De acordo com a organização, a forte progressão está ligada aos atentados de janeiro contra a revista satírica Charlie Hebdo e o supermercado judaico, que mataram 17 pessoas. Em 2014, o número já havia crescido cerca de 10% na comparação com 2013.
Fotos: LIONEL BONAVENTURE/ AFP PHOTO; Philippe Wojazer/ REUTERS
Fontes: Institut National de la Statistique et des Études Économiques (INSEE) e Eurostat