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sábado, 4 de novembro de 2017

A liderança de Bolsonaro e crescimento irreversível de sua candidatura começa a incomodar os especialistas



Bolsonaro é um ‘populista perigoso’, diz professor de Stanford

Cientista político, que criou aula específica em que aborda o populismo no seu curso sobre democracia, é um defensor intransigente da Lava-Jato



Francis Fukuyama está preocupado com o Brasil. [é bom que ele se preocupe; se preocupou com Trump, que  ganhou e agora é presidente dos EUA; 
tudo que o célebre intelectual defende, não vai em frente;
a esquerda  teve sua oportunidade, mas, faltou competência. Agora é a vez da direita que vai mostrar que sabe governar e vai começar sua demonstração recolocando o Brasil nos trilhos da Ordem e Progresso.] O cientista político, professor da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, e um dos mais célebres intelectuais de sua geração, incluiu o Brasil no rol dos países em que ele vê o risco da ascensão de um representante do que chama de “Internacional Populista”: políticos de extrema-direita com pouco ou nenhum apreço pela democracia e que seduzem o eleitorado com promessas fáceis para problemas complexos.

O impacto das descobertas da Lava-Jato sobre a contaminação do sistema político, diz Fukuyama, pode levar os eleitores brasileiros a optarem por alguém que prometa ter mão de ferro contra a corrupção. Na semana passada, Jair Bolsonaro, o intrépido deputado do PSC do Rio de Janeiro, tornou-se um dos personagens sobre quem Fukuyama discorre na nova aula sobre populismo que, em tempos de Donald Trump, decidiu incluir em seu tradicional curso sobre democracia. Um dos expoentes do pensamento conservador, o professor é enfático sobre Bolsonaro: “Seria um grande desastre se ele fosse eleito. Ele parece ser um populista genuinamente perigoso”.

Em entrevista ao GLOBO, em sua sala no Centro de Democracia, Desenvolvimento e Estado de Direito, que dirige, em Stanford, Fukuyama criticou a proteção do Congresso a Michel Temer, lamentou a falta de protestos contra a corrupção este ano no Brasil, nos mesmos moldes dos que ocorreram em 2015 e em 2016, e, aos descrentes sobre o futuro da democracia, fez um alerta: “As pessoas precisam entender que a democracia depende delas. Precisam sair às ruas, protestar contra a corrupção e se insurgir contra o populismo”.

Perto de se completarem quatro anos de Lava-Jato, qual sua visão sobre a operação?
Eu tenho sido em geral muito mais positivo sobre a operação do que alguns brasileiros e mesmo observadores internacionais porque sei que não há muitos países com Judiciários que consigam fazer a lei valer para todos. Na América Latina, isso tem sido especialmente problemático. No Brasil, agora parece que todo mundo é corrupto. Não acredito que isso seja algo novo. Acho que sempre foi desse jeito. Pelo menos, agora você tem um sistema judiciário que está colocando alguns deles na cadeia. E você tem a imprensa livre, que está fazendo um trabalho muito bom, expondo a corrupção e apoiando o sistema judicial. 

Eu tenho conhecimento das acusações que políticos da direita e da esquerda fazem contra o Judiciário, dizendo que há razões políticas por trás das acusações. E sei que há críticas por influência política no Judiciário e por terem deixado Michel Temer (no cargo). [sendo tão  sábio, esse especialista deve conhecer a Constituição do Brasil e apesar de criticar a permanência de Temer no cargo, não havia forma de retirá-lo, esceto, rasgando a 
Constituição Federal.] Mas tudo é relativo e, em relação ao padrão predominante na América Latina, é bom o Brasil ter feito o que fez. O que eu considero perigoso é que foi revelado um nível tão grande de corrupção que todos vão ficando cínicos e podem pensar que não há como fazer a lei valer para todos e que é necessária uma solução populista para acabar com o sistema e recomeçar tudo. Isso é muito perigoso.

‘(Bolsonaro) parece ser um populista genuinamente perigoso. Seu histórico mostra que ele não defende a democracia’ Mas o mesmo país que produziu a Lava-Jato tem uma corte eleitoral que ignorou provas e absolveu o presidente e sua antecessora da acusação de financiamento ilegal na eleição de 2014 e um Congresso que protegeu durante duas vezes o presidente de acusações de corrupção. Esses recuos significam que políticos estão conseguindo interromper as mudanças?
Esses fatos constroem a narrativa de que o Judiciário tem uma atuação política, e isso é perigoso, porque a Justiça só funciona se as pessoas acreditarem que ela é imparcial. Eu entendo o cálculo de muitas pessoas da direita e de observadores internacionais de que Michel Temer está fazendo reformas importantes e que, se ele for para a cadeia, todo o sistema vai parar, nada mudará e não haverá progresso. Essas pessoas estão dispostas a aceitar, portanto, a falta de prestação de contas de um governante. Eu não acho que esse raciocínio seja bom, porque é preciso que o Judiciário seja visto como imparcial e acredito que absolvê-lo mine essa sensação.

Na introdução do seu último livro (“Political order and political decay”, ainda não lançado no Brasil), o senhor descreve os protestos de junho de 2013 como manifestações anticorrupção e por melhores serviços básicos. De lá para cá, tivemos protestos de massa em 2015 e em 2016, em parte contra a corrupção, em parte contra o PT. Entretanto, não houve grandes protestos em 2017, quando os escândalos atingiram o PSDB e o PMDB. Por quê?
Isso é muito ruim. Quando os protestos começaram, contra corrupção e por melhores serviços públicos, ganharam publicidade e passaram a ser vistos como protestos contra Dilma Rousseff e contra Lula. [não se tornou uma questão ideológica; apenas era público e notório, exceto para alguns especialistas, que os ladrões eram Lula e Dilma e por isso os protestos passaram a ser contra a dupla maldita.] Isso foi muito ruim porque, se o foco tivesse continuado a ser contra a corrupção, brasileiros de diferentes posições no espectro ideológico estariam dispostos a apoiar. Uma vez que se tornou uma questão ideológica de direita e esquerda, você retomou a antiga divisão ideológica brasileira. Por isso também é ruim você não ter mais políticos de direita sendo presos, como o atual presidente, ou pelo menos o processo contra ele prosseguindo, porque teria tornado tudo mais equilibrado e deixado claro que isso não é contra um partido, mas contra toda a classe política envolvida em corrupção. [mais uma vez o especialista tenta enganar os incautos ao manifestar interesse que mais políticos de direita sejam presos e sabemos que a maioria dos acusados e denunciados são da esquerda; o especialista acaba de sugerir a criação da prisão para equilibrar vertentes ideológicas
o que não surpreende já que o Brasil criou a prisão preventiva para substituir a prisão perpétua.]
A última pesquisa presidencial no Brasil (do Ibope, publicada no último domingo) mostrou Lula à frente das pesquisas, com 35%, e Jair Bolsonaro em segundo lugar, com 13%. Como o senhor vê essa previsão?
O mais problemático é o apoio a Bolsonaro. Ele parece ser um populista genuinamente perigoso. Seu histórico mostra que ele não defende a democracia e que está usando esta oportunidade para tomar o poder. Seria um grande desastre se ele fosse eleito. Mas acho que isso reflete um crescente cinismo em todo o espectro eleitoral de que todos os políticos são ruins e de que você precisa de uma figura forte que vai consertar todos esses problemas. Isso nunca funciona. Se você opta por políticas de mão de ferro, você acaba numa ditadura e em violações de direitos humanos. O Brasil não precisa desse recuo. O país já teve uma experiência dessas quando os militares comandavam o país, e não acho que ajude voltar a esse tipo de governo.

‘O Brasil precisa se tornar capaz de processar uma pessoa (Lula) que, embora tenha beneficiado os pobres e criado programas sociais, violou as leis’
- Francis Fukuyama Professor de Stanford

E Lula, mesmo condenado por corrupção, em primeiro lugar?
É muito ruim, porque de novo é a ideologia prevalecendo sobre o combate à corrupção. Seus eleitores querem protegê-lo porque ele é visto como tendo sido bom para os pobres. É compreensível. Mas o Brasil precisa se tornar capaz de processar uma pessoa que, embora tenha beneficiado os pobres e criado programas sociais, violou as leis.

Por que o populismo está florescendo especialmente nesta segunda década do século XXI?
É diferente em diferentes partes do mundo. O populismo na América Latina é diferente do populismo europeu. Na Europa, é baseado naquela classe média que sofre com a globalização e com a perda de empregos. Na América Latina, o populismo é baseado nos pobres, que basicamente querem um governo forte que possa dar serviços sociais e benefícios. Isso explica (Hugo) Chávez, (Rafael) Correa e Evo Morales. Bolsonaro é um pouco mais complicado, porque ele vem num período em que o populismo de esquerda está em declínio na América Latina. Ele obviamente é um homem da direita. É um novo fenômeno, que remonta aos anos 1960, ao desejo de políticas de um punho de ferro. 

Vamos ver se é uma tendência ou não, porque o fato de ele conseguir 13% nas pesquisas não significa que ele será eleito.
Em que medida existe uma ligação entre populistas pelo mundo?
Há algumas ligações entre o populismo europeu e o entorno de Trump. (Vladimir) Putin deu um empréstimo para Marine Le Pen (da Frente Nacional, da extrema direita francesa). Ela conversa com o holandês Geert Wilders (do Partido para a Liberdade, de extrema direita). Trump gosta de Nigel Farage (ex-líder do Partido da Independência do Reino Unido, de extrema direita). Steve Bannon (ex-estrategista de Trump) gosta de todos eles. Eles se falam, compartilham experiências. Há uma “Populista Internacional” em atuação hoje, o que torna tudo ainda mais ameaçador, porque um apoia o outro.

O que o senhor diria para os que estão pessimistas com o futuro da democracia no mundo?
Já tivemos outros períodos ruins, obviamente os anos 1930 e depois nos anos 1970, quando havia muito descontentamento com a vida nas sociedades democráticas. Mas as democracias ajustaram suas políticas e elas conseguiram superar esses momentos de crise, e eu suspeito que vamos fazer o mesmo agora.

Fonte: O Globo



terça-feira, 7 de março de 2017

É possível deter a extrema-direita na França?

A velha divisão entre esquerda e direita na política europeia já não reflete mais as verdadeiras divisões sociais

As questões em debate este ano na corrida eleitoral da França são amplas e variadas: terrorismo e comércio, a idade de aposentadoria, o legado da França na Argélia e o futuro da França na Europa. Mas, na verdade, apenas uma questão realmente importa: é possível vencer, num importante país ocidental, o coquetel de medo, nacionalismo, nostalgia, ressentimento, uma política externa pró-Rússia e grande participação do Estado na economia — uma filosofia descrita como “extrema-direita” ou “populista”, que toma uma forma on-line particularmente virulenta e influenciou vitórias eleitorais recentes nos EUA e no Reino Unido? 

E se a resposta for “sim”, como?
Até ser abatido por um escândalo, François Fillon, o candidato do Partido Republicano, de centro-direita, adotou o que pareceu ser a fórmula mais segura: roube os temas populistas da “extrema-direita” — a Frente Nacional, de Marine Le Pen — e faça deles questões centrais de seu programa. Ao escolher esta estratégia, ele estava copiando Theresa May, a conservadora premier britânica que derrotou o ascendente Partido da Independência (Ukip) ao anunciar que iria abandonar todas as estruturas de comércio da Europa (como queria o Ukip) e tornaria o controle sobre imigração sua prioridade. 

A versão de Fillon é levemente distintaele defendeu a suspensão da entrada de imigrantes de fora da Europa, maior controle nas fronteiras e uma postura mais dura em relação à assimilação de muçulmanos franceses — mas a ideia básica é a mesma. Como Le Pen, cuja campanha tem sido patrocinada por dinheiro russo, ele fala de amizade com a Rússia. Ele fala abertamente sobre seu catolicismo, com a intenção de afastar de Le Pen os eleitores identificados com os “valores da família”. O problema é que a versão de Fillon de “valores da família” incluiu colocar a mulher e os filhos na folha de pagamento do Estado, uma história que simplesmente não evapora. 

Isso deixa a disputa nas mãos de Emmanuel Macron, um liberal social e econômico de 39 anos, cuja estratégia é bem diferente. Está claro já há algum tempo que a velha divisão entre esquerda e direita na política europeia já não reflete mais as verdadeiras divisões sociais; e que os novos pontos de discórdia são mais bem descritos como “integracionista” versus “nacionalista”, ou, de forma mais bruta, “abertos” versus “fechados”. Mas, embora as vozes “fechadas” — partidos como a Frente Nacional de Le Pen ou o Ukip — estejam estabelecidas há tempos, Macron é o primeiro político importante da Europa a atrair apoio das massas ao defender de forma vigorosa e ativa o “aberto”. 

“Eu defendo a Europa”, disse ele a um jornalista britânico. “Se você for tímido, estará morto.”
Sua estratégia, até agora, tem sido feita de desafio aos estereótipos ideológicos. Macron tem um passado como banqueiro, mas fala sobre “solidariedade coletiva”. Ele foi ministro em um governo socialista, mas disse que “a honestidade me compele a afirmar que não sou um socialista”. Em vez de um partido tradicional, ele tem seu próprio movimento, o En Marche! (Avante!), que ele criou em 2016 para difundir o ceticismo. Ele tem convidado cientistas americanos, especialmente aqueles que trabalham com mudança climática e energia limpa, a viverem na França. Ele também quer estender o tapete vermelho para acadêmicos e empresários britânicos marginalizados pela saída de Theresa May da Europa. 

Ele também atrai inimigos. Como sua vitória fortaleceria a União Europeia e a Otan, a campanha de Macron acabou por atrair naturalmente a atenção daqueles que querem destruir ambos. Tanto o WikiLeaks (que afirma ter “documento secretos” de todos os candidatos) e o canal de propaganda russo RT tentaram mostrar ligações sinistras entre Macron e Hillary Clinton. A previsível campanha de boatos é conspiratória (“Macron faz parte de uma seita secreta”), antissemita (“Macron trabalha para os Rothschilds”) e pessoal (“Macron é gay”). Este tipo de campanha negativa — baseada em insultos e alegações histéricas — teve efeitos brilhantes em outros países, e ainda há tempo suficiente para que isso também ocorra na França. 


O sucesso de Macron vai depender se ele consegue aguentar a próxima campanha difamatória, e tirar um truque da cartola que até agora tem escapado a seus homólogos britânico, holandês e outros: unir a centro-direita e a centro-esquerda em torno de uma única bandeira, e realizar uma campanha que é patriótica e igualmente “aberta”, dura com o terrorismo e igualmente “integracionista”. 

As apostas são altas. Se ele perder, o liberalismo vai desaparecer da França por uma geração. Mas, se ele ganhar, ele terá muitos imitadores, não apenas na França, mas também no resto do continente e todo o mundo. 

Fonte: Anne Applebaum é vencedora do Prêmio Pulitzer e escreveu este artigo para o “Washington Post”


sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Terrorismo motiva a Xenofobia e a conta ficará mais alta para os imigrantes

Eles vão pagar a conta

ISTOÉ esteve no prédio, em Saint-Denis, onde o suspeito de comandar os ataques na França foi morto. Saiba como a rotina dos moradores de bairros da periferia de Paris já mudou e vai ficar ainda pior, devido ao aumento da xenofobia 

Os habitantes de Saint-Denis, subúrbio ao norte de Paris, acordaram em choque na fria madrugada de quarta-feira 18. Os ventos – uivantes de tão fortes – não foram capazes de abafar os sons de rajadas de tiros e explosões. Refeitos do susto inicial, em questão de segundos os moradores puderam identificar a natureza dos estrépitos. Do lado de fora, ocorria uma pesada operação antiterrorista. Enquanto algumas pessoas espiavam a ação da polícia parisiense por entre as frestas das janelas, outras, investidas de medo e temendo pelo pior, preferiam se aninhar no colo dos familiares no interior de suas residências. A tensão tardou para se dissipar. Durou sete horas. Ao fim de toda a operação, a polícia havia utilizado cinco mil balas. O cerco foi bem sucedido: o belga Abdelhamid Abaaoud, suspeito de ser mentor dos ataques terroristas em Paris, acabou morto. ISTOÉ esteve no local onde Abaaoud exalou seu último suspiro: um prédio insalubre, com ratos, ocupado de maneira ilegal por vários habitantes, muitos sem documentos oficiais, o que facilitou sua utilização como esconderijo.

Menos de uma hora depois do último disparo, uma moradora desceu para conceder entrevista. Vários canais de TV franceses, ávidos por qualquer declaração, a aguardavam. Ela usava um traje que é proibido na França desde 2010: um niqab, véu islâmico que cobre todo o rosto e só deixa os olhos à mostra. Talvez ela quisesse simplesmente evitar ser identificada. Mas a vestimenta toda preta sugeria que a mulher cultivava o hábito de sair à rua com esse tipo de roupa. Se for o caso, seu estilo não chama a atenção em Saint-Denis. O bairro do subúrbio parisiense possui uma população majoritariamente imigrante, de origem árabe.


Saint-Denis fica situado a apenas cinco quilômetros da capital francesa. É possível chegar lá de metrô. Apesar da pouca distância, logo na saída da estação vê-se rapidamente a diferença em relação a bairros centrais de Paris: prédios comuns, sem charme arquitetônico, e algumas lanchonetes, cafés e lojas populares. A exceção é a famosa basílica de estilo gótico, do século XII, onde estão enterrados os reis da França, que atrai turistas do mundo inteiro. Em Saint-Denis também há o célebre Stade de France, onde o Brasil perdeu a final da Copa em 1994. Na França, no entanto, o bairro ao norte da capital é encarado sobretudo como uma área pobre onde reinam violência e problemas sociais.

A grande maioria da população desse subúrbio de 110 mil habitantes é de imigrantes ou franceses de origem estrangeira, principalmente de países como Argélia, Marrocos e Tunísia e da África negra. A taxa de desemprego, de 20% a 22%, segundo autoridades locais, é o dobro da média nacional. Moradores ouvidos por ISTOÉ descrevem um bairro dominado pelo pavor com o que pode vir na sequência dos atentados. “A cidade já tinha má-reputação. A descoberta de terroristas aqui vai piorar ainda mais sua imagem e os moradores correm o risco de sofrer mais preconceito”, afirmou Marie-Christine Daillet, francesa de 63 anos, que passou a sair de casa sem bolsa após um assalto em que teve várias fraturas no braço, engessado por quatro meses. Hoje, tem planos de se mudar do local conhecido também pela venda de drogas a céu aberto. A atmosfera de pânico e medo é relatada por outra moradora, que não quis se identificar. “Se quisermos continuar vivos, não vimos nem ouvimos nada e também não sabemos de nada”, afirmou. Nascida na Costa do Marfim, ela reside em Saint-Denis há seis anos.



Segundo o francês de origem argelina Munir Dadi, muçulmano que mora em Saint-Denis há 18 anos, imigrantes clandestinos buscam abrigo no bairro porque há menos controle policial. “A vida na cidade se deteriorou muito nos últimos anos”, lamentou. Como muitas outras pessoas em Saint-Denis, ele também teme ser vitima de racismo após os atentados. “Espero que o presidente François Hollande ouça os gritos dos habitantes que pedem mais policiais na cidade”, afirma o vice-prefeito de Saint-Denis, Bally Bagayoko, francês de origem maliana. “Com dois mil policiais já daria para se equiparar a outras cidades”, acrescenta o político.

O que ocorre em Saint-Denis não é diferente de várias outras cidades do mesmo distrito administrativo, chamado Seine-Saint-Denis, no norte de Paris, mais conhecido na França como “nove três”. A referência ao código postal passou a ser vista, na prática, como algo pejorativo. “Você colocar o endereço 93 em um currículo diminui consideravelmente as chances de encontrar um emprego”, diz o argelino Mouder Sid Ali, motorista de caminhão que mora em Saint-Denis e chegou à França há três anos.


Foi na Seine-Saint-Denis, com mais de 1,5 milhão de habitantes, que começou a onda de violência nas periferias do país, em 2005. Samy Amimour, um dos kamikazes da casa de shows Bataclan, onde morreram 89 pessoas, morava em Drancy, uma cidade do distrito da Seine-Saint-Denis. “Os imigrantes foram amontoados em periferias, sem serviços, e isso acabou criando guetos e gerando exclusão social. Houve erros na política de integração”, afirma o cientista polítco Stéphane Montclaire, da Universidade Sorbonne. Segundo ele, a intolerância em relação aos muçulmanos deve aumentar na França após os recentes atentados. “Uma cabeça de porco colocada em frente a uma mesquita é um ato isolado e que não representa a opinião da população francesa. O problema é que vemos uma adesão progressiva da sociedade a certas ideias da extrema direita, do partido Front National, em relação a essa comunidade”, ressalta. De acordo com Abdelkader Ounissi, imã da mesquita de Bagnolet, na Seine-Saint-Denis, um de seus fieis teve de abrir a bolsa de ginástica na rua a um desconhecido que exigiu ver o conteúdo da sacola. “O clima é pesado. As pessoas estão com medo em relação ao futuro”, diz

No primeiro semestre deste ano, a França, onde vive a maior comunidade muçulmana da Europa, estimada em 6 milhões de pessoas, registrou 274 atos racistas e ameaças contra muçulmanos, segundo o Observatório Nacional contra a Islamofobia (ONCI), ligado ao Conselho Francês do Culto Muçulmano. Isso representa um aumento de 281% em relação ao mesmo período do ano passado. De acordo com a organização, a forte progressão está ligada aos atentados de janeiro contra a revista satírica Charlie Hebdo e o supermercado judaico, que mataram 17 pessoas. Em 2014, o número já havia crescido cerca de 10% na comparação com 2013.
Fotos: LIONEL BONAVENTURE/ AFP PHOTO; Philippe Wojazer/ REUTERS
Fontes: Institut National de la Statistique et des Études Économiques (INSEE) e Eurostat