Não se conhece o conteúdo das conversas; de 46
ligações em 85 dias, só 24 se completaram; todos os contatos, por óbvio,
antecederam as baixarias protagonizadas pela holding JJ&F: Janot,
Joesley e Fachin [Gilmar Mendes não se intimida; ele está entre os homens que Deus poupou do sentimento do medo.]
O ministro Gilmar Mendes, do STF, também presidente do TSE, é a caricatura de vilão de história em quadrinhos predileta dos idiotas e, por que não dizer?, dos safados.
Durante a ditadura, temia-se o que produzia a chamada “comunidade de informações”. Na democracia que temos, todo cuidado é pouco com as investidas dos habitantes dos porões da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. E essa gente, com o beneplácito ou a colaboração de setores do Judiciário — nem o Supremo escapa —, torna-se especialista não em investigação, mas na arte da difamação. Querem ver? Vou produzir um lead bombástico contra Mendes. E vou mentir só contando a verdade, para lembrar propaganda genial da Folha, de 1988, da W/GGK, que reproduzo no pé do texto. A ideia era de um certo jovem publicitário chamado Nizan Guanaes. Vamos lá.
“Gilmar Mendes falou ao telefone com
Aécio Neves no dia em que tomou uma decisão que o favoreceu, livrando-o
de depor à Polícia Federal”. Posso piorar um pouco as coisas para mexer
ainda mais com o seu fígado e deixá-lo mais desinformado. A Operação
Patmos apreendeu dois celulares de Aécio. Em um, havia 38 ligações entre
o senador e o ministro, no período que vai de 16 de março e 13 de maio:
56 dias
– no aparelho das 38 chamadas, Aécio ligou 25 vezes; o ministro atendeu a 12;
– Mendes ligou sete vezes; aí foi o senador que não atendeu;
– em outras seis, o ministro conseguiu falar.
– Mendes ligou sete vezes; aí foi o senador que não atendeu;
– em outras seis, o ministro conseguiu falar.
Em outro aparelho, há oito ligações
entre 18 de fevereiro a 4 de abril. Seis delas se realizaram. Duas foram
feitas pelo ministro. Ah, claro! O cuidadoso analista observa, no
relatório, que Aécio é investigado em sete inquéritos e que Gilmar
Mendes é relator de quatro deles.
Já está bem indignado?
Que absurdo, né?
Comecemos, então, a desmontar essa bobajada pelos números.
1: Dados os dois aparelhos, são 46
ligações. Apenas 24 se completaram em 85 dias: uma a cada 3,5 dias. Mas
esse também é um número verdadeiro que mente. Explicarei por quê.
2: Os diligentes investigadores informam que não se conhece o conteúdo das conversas. Ah, que pena!!!!!.
3: Ao leitor, ouvinte ou telespectador
desatento, escapa que Aécio era presidente do PSDB e que Mendes era e
ainda é presidente do TSE. Naquele período, o Congresso debatia uma
reforma política e o projeto que muda a lei que pune abuso de
autoridade.
4: As conversas, por óbvio, não poderiam
ter nenhuma relação com a Operação Patmos, Joesley Batista e toda essa
armação asquerosa porque a dita-cuja foi deflagrada no dia 18 de maio.
Aquele vazamento da conversa que não houve entre Joesley e o presidente
Temer é do dia 17 daquele mês.
5: Atenção! O único ministro que pegou
para si um caso sem que tenha havido sorteio foi Edson Fachin. Foi
Rodrigo Janot quem decidiu, ao arrepio da lei e do Regimento Interno do
Supremo, que seria ele a cuidar do caso JBS. E Cármen Lúcia anuiu com a
ilegalidade. Com Gilmar é diferente. Em todos os casos de que é relator,
houve sorteio.
6: E a coincidência entre a ligação do
dia 25 de abril e a decisão de Mendes favorável a Aécio? Falemos dela. O
imaginoso analista escreve em seu relatório:
“Nota-se, conforme destaque deste analista na planilha anteriormente reproduzida, que algumas dessas ligações, ou simples tentativa, ocorreram no dia 25/04/2017, mesma data em que o ministro Gilmar Mendes deferiu monocraticamente requerimento do senador Aécio Neves, relativo à suspensão de interrogatório que seria realizado nesta Policia Federal no dia seguinte, 26/04/2017 (…). Embora não sendo possível afirmar que as ligações havidas no dia 25/04/2017 tenham relação com o requerimento protocolado nesta mesma data pelo advogado do senador Aécio Neves e deferido neste mesmo dia pelo ministro Gilmar Mendes, é de se destacar a coincidência desses contatos”.
“Nota-se, conforme destaque deste analista na planilha anteriormente reproduzida, que algumas dessas ligações, ou simples tentativa, ocorreram no dia 25/04/2017, mesma data em que o ministro Gilmar Mendes deferiu monocraticamente requerimento do senador Aécio Neves, relativo à suspensão de interrogatório que seria realizado nesta Policia Federal no dia seguinte, 26/04/2017 (…). Embora não sendo possível afirmar que as ligações havidas no dia 25/04/2017 tenham relação com o requerimento protocolado nesta mesma data pelo advogado do senador Aécio Neves e deferido neste mesmo dia pelo ministro Gilmar Mendes, é de se destacar a coincidência desses contatos”.
7: Perceberam? Restou a ilação no ar. O
que o relatório ignora e a imprensa informa, mas esconde, é que o
ministro deferiu um pedido para que Aécio não fosse obrigado a depor, em
um dos inquéritos antes de conhecer, vejam que barbaridade!, o conteúdo
da acusação que delatores haviam feito contra ele. A decisão de Mendes
está em consonância com jurisprudência pacífica da Corte.
8: Você não acha, leitor, que é
realmente um absurdo que alguém queira ao menos saber do que está sendo
acusado antes de depor? Onde já se viu? Desse jeito, o Brasil ainda
acaba descobrindo o direito de defesa e o devido processo legal.
9: Bem, era fatal: os idiotas já saíram por aí a disparar sua metralhadora de boçalidades e ignorância.
Eis aí, na sua inteireza, como tem
funcionado a República dos Porões, em pleno regime democrático — por
enquanto ao menos. Querem algo que chega até a ser jocoso? Há ligações
realizadas de… dois segundos!!!! Sabe, leitor, quando você dá dois
passos, e a sua conversa via WhatsApp vai para o espaço? Pois é… Até
mesmo as ligações que se completam traem o número de conversas. Quantas
vezes um bate-papo no WhastsApp só chega ao fim depois de três ou quatro
ligações?
Mais: ainda que tivesse dado uma
sentença absurda em favor de Aécio, por que Gilmar Mendes teria de falar
antes com ele? Em que isso poderia alterar a sua opinião? Em que tal
ligação teria beneficiado o senador?
É um despropósito que um relatório como
esse seja de domínio público. Qual é o seu objetivo? Qual é a sua
utilidade no inquérito? Se não se conhece o conteúdo da conversa e se a
coisa não se presta senão à ilação, serve para quê?
Ao se colocar um troço como esse para
circular, o único objetivo é pôr sob suspeição uma autoridade. “Ah, mas a
democracia não permite?” Desde que existam motivos e que, então, a
coisa tenha consequência. Não é o caso. A conversa mole serve apenas ao
propósito de atingir a reputação do Supremo.
Que os respectivos comandos da Polícia
Federal e do Ministério Público Federal tomem a decisão de fechar os
seus porões e enquadrar os seus difamadores. Sempre que alguém me veio
com a conversa de que a tortura, durante a ditadura militar, era obra de
marginais do sistema, não do regime ele-mesmo, fiz pouco caso da
explicação. Reconhecia nos senhores generais autoridade para pôr fim
àquela bandalheira. E, quando Geisel quis, a coisa acabou.
É POSSÍVEL CONTAR UM MONTE DE MENTIRAS DIZENDO SÓ A VERDADE
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