Ao Estado não cumpre delinquir para combater a
delinquência. Ao contrário! Numa democracia, só é aceitável o triunfo
da lei. Miller já andou a dizer que, se cair em desgraça, levará Janot
consigo
Não tem jeito. Os novos elementos que
vêm à luz e que resultaram na patuscada da holding “JJ&F” — Janot,
Joesley e Fachin — evidenciam, cada vez mais, que uma cadeia de ações
criminosas resultou nesta que se transformou numa das maiores crises
políticas da nossa história. Até porque é preciso convir, não? Os
métodos empregados nesse caso certamente não devem se distinguir muito
dos usados nos demais. Vamos ver.
Willer Tomaz, advogado que trabalhou
para o grupo J&F e que acabou preso, depôs da CPMI da JBS nesta
quarta. E fez uma afirmação que tem de ser investigada pelo Ministério
Público Federal. E é preciso começar a fazê-lo já, não depois. Segundo
disse, Rodrigo Janot, ex-procurador-geral da República, tinha um
contrato de gaveta com Joesley Batista desde setembro do ano passado. Em
que consistia? O compromisso era “pegar Michel Temer”. O depoimento foi
prestado a portas fechadas. A informação foi publicada pelo jornal “Valor Econômico”.
Segundo Willer, a estratégia começou a
ser desenhada, então, naquele mês. A delação dos diretores da JBS, que
acabou vindo a público em maio, tinha ali seu marco zero. E o ponto de
chegada era o presidente da República. O advogado ainda tratou de
questões que lhe diziam respeito de perto. Lembrou ter ficado 76 dias
sem prestar depoimento. Mais: ele acusa Janot de ter forjado relações
suas com os senadores peemedebistas Romero Jucá (RR) e Renan Calheiros
(AL) só para que permanecesse refém de Edson Fachin, o relator no STF
que se fez sócio de Janot nessa empreitada supostamente moral.
Sim, Willer é um investigado na
operação. Já esteve preso. Aí alguém poderia objetar: como dar crédito a
alguém com esse perfil? Pois é… A Câmara terá de se posicionar sobre a
nova denúncia oferecida por Janot contra o presidente Michel Temer,
certo? Quem está na raiz dessas novas acusações? Ninguém menos do que
Lúcio Funaro, veterano no mundo do crime, personagem de outras
operações. Quer dizer que um ex-advogado da JBS é considerado suspeito
quando acusa Janot, mas um delinquente profissional consegue fazer valer
a sua palavra quando acusa Temer?
Ademais, reconheça-se: a acusação de
Willer é, quando menos, verossímil. Ou não ouvimos Francisco de Assis e
Silva, um dos delatores, numa das gravações, a dizer a Joesley que “eles
[os procuradores] querem foder o PMDB”? Cumpre lembrar também a
entrevista que Eduardo Cunha concedeu à Época. Ele afirma que o objetivo
do procurador-geral era mesmo chegar ao presidente. O ex-deputado foi
além: Janot queria que ele acusasse Temer.
Não há mais por onde escapar. A
Procuradoria Geral da República não pode tergiversar. Chegou a hora de
investigar Janot. Sob pena de se desmoralizar. Novas revelações vieram a
público sobre Marcelo Miller, aquele então procurador que era braço
direito do Acusador geral da República. Todos sabíamos até agora que
havia deixado o serviço público para, três dias depois (a lei lhe impõe
três anos), ser advogado do escritório que celebrava o acordo de
leniência do grupo J&F.
A coisa é pior. Segundo aponta a VEJA
Online, “registros do controle de acesso ao prédio em que o escritório
Trench, Rossi, Watanabe Advogados tem sede mostram que o ex-procurador
visitou o local pelo menos cinco vezes antes de se desligar do
Ministério Público. O escritório de advocacia prestou serviços para a
J&F, que controla a JBS, no âmbito da negociação do acordo de
leniência. Miller é suspeito de fazer um jogo duplo e atuar, ao mesmo
tempo, como advogado e procurador, oferecendo informações privilegiadas
ao grupo.”
O que mais esperar? Ao Estado não cumpre
delinquir para combater a delinquência. Ao contrário! Numa democracia,
só é aceitável o triunfo da lei. Miller já andou a dizer que, se cair em
desgraça, levará Janot consigo. Pura bravata? O ex-procurador, com
efeito, conhecia as entranhas da PGR. Até agora, nota-se um esforço
coletivo para eliminá-lo da história. Janot chegou a pedir a sua prisão
temporária. Fachin negou. Quando chegou a hora de agravar as medidas
cautelares, com a conversão da prisão temporária em preventiva, o
ex-procurador-geral deixou de lado o seu antigo esteio. Para Miller, ele
não pediu mais nada.
Aos poucos, os detalhes sórdidos daquela
urdidura — que a defesa do presidente Michel Temer chama, muito
apropriadamente, de tentativa de golpe — começam a se impor. E cobram
uma resposta do Ministério Público Federal. E que se note: a ser verdade que Janot
mantinha um contrato de gaveta com Joesley e a se comprovar que sabia
das lambanças de seu braço direito, não é despropositado imaginar que
ainda possa ir para a cadeia. Afinal, convenham: se a acusação
recorrente que se faz a Lula é que não tinha como não saber o que faziam
suas muitas centenas de subordinados, cumpre perguntar sobre Janot: ele
ignorava a atuação daquele que era seu principal operador na PGR?
Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo