Ministro do Supremo fala bobagens em penca em entrevista à Folha e demonstra que está cansado do povo; ele quer juízes, procuradores e promotores como únicos eleitores do país
O ministro Luiz Fux, do Supremo, é um
fanfarrão, em sentido lato, estrito e derivado. O que nele pretende
passar por corajoso — salvo suas eventuais habilidades como faixa preta
de jiu-jítsu; já se deu mal tentando aplicá-las — se traduz na suposta
ousadia das ideias. Ocorre que o ousado não é; tampouco vejo ali coragem
intelectual. Ele se mostra mesmo é confuso e expressa uma forma muito
frequente de covardia nestes tempos: a subserviência ao alarido das
redes sociais.
Toga de juiz tem de ser imune a
megafone, a fofoca e a vagas de opinião. E entendo que a de Fux não é.
Suas heterodoxias são incompatíveis com seu papel. E, sim, em entrevista
à Folha, publicada no domingo, diz uma besteira múltipla sobre a
eventual candidatura de Lula à Presidência. Explicarei por que múltipla.
Foi só a bobagem mais barulhenta, mas não a única. Voltarei a ele em
outro post. “Como um jornalista se atreve a falar assim de um ministro
do Supremo?” Submeto a minha leitura à apreciação de advogados e
juristas. Eles poderão dizer, então, se o fanfarrão sou eu.
Afirmou Fux, também ele, a exemplo de
Roberto Barroso ao atacar Gilmar Mendes, tentando fazer uma embaixadinha
para a galera antilulista das redes:
Ora, se o presidente é
afastado, não tem muito sentido que um candidato que já tem uma denúncia
recebida concorra ao cargo. Ele se elege, assume e depois é afastado? E
pode um candidato denunciado concorrer, ser eleito, à luz dos valores
republicanos, do princípio da moralidade das eleições, previstos na
Constituição? Eu não estou concluindo. Mas são perguntas que vão se
colocar.
Começo pela saborosíssima questão dos
tais “valores republicanos” e do “princípio da moralidade”. Para os
heterodoxos como Fux e Barroso, esses termos têm justificado a parceria
com o capeta. Porque veem aí a chance de se comportar como juízes da
própria Constituição. Foi assim que Barroso levou a Primeira Turma a, na
prática, tornar legal o aborto provocado até o terceiro mês de
gestação; esse foi o caminho empregado para tentar aplicar a um senador
uma punição que não está prevista na Constituição. Apelam-se a
abstrações para proferir votos “contra legem”, contra a letra explícita
da Constituição.
Eu, por exemplo, acho que agride
“valores republicanos” e o princípio “da moralidade” um candidato a
ministro do STF se encontrar com então figurões da República petista
para cabalar votos, como Fux fez com José Dirceu e João Paulo Cunha.
Esses dois pilares da decência também são abalados quando, ao tratar de
um futuro julgamento (no caso, do mensalão), esse pretendente a uma vaga
na corte promete que “mata no peito” a questão.
Mais agredidos eles são quando o doutor,
já indicado, resolve, em agradecimento, beijar os pés da primeira-dama
do Estado do Rio — Adriana Ancelmo, mulher do à época governador do
Estado, Sérgio Cabral. Os valores republicanos e a moralidade não
ficaram gratos ao ministro quando ele, explicitamente, buscou votos para
que sua filha, Marianna Fux, fosse nomeada desembargadora do Tribunal
de Justiça do Rio, na vaga do quinto constitucional, ocupada por
advogados.
O ministro também não deu chance ao
republicanismo e à moralidade quando cedeu ao lobby da OAB e destroçou
as regras para pagamento de precatórios, sendo obrigado a recuar depois,
passando o ridículo de ter de conceder liminar contra o seu próprio
voto. E também não tinha os dois princípios na ponta da língua quando
estendeu, por meio de liminar, o auxílio moradia para 17 mil juízes e 13
mil membros do MPF, o que custa aos cofres mais de R$ 1 bilhão por ano.
Assim, no campo da moralidade e do
republicanismo, doutor Fux tem, quando menos, um passado recente a ser
debatido, não? Mas atenção! Não serei eu a dizer aqui: “Já que o doutor
não parece um fiel seguidos desses credos, então que os desrespeitemos
todos…” Nada disso. Eu quero debater leis, não o moralismo tosco que
diverte os tolos e enterra a moral. Vamos ao que diz a lei.
Volto a Lula
Estabelece o Parágrafo 1º do Artigo 86 da Constituição que: O Presidente ficará suspenso de suas funções:
I – nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal;
II – nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal.
Estabelece o Parágrafo 1º do Artigo 86 da Constituição que: O Presidente ficará suspenso de suas funções:
I – nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal;
II – nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal.
No que diz respeito a Lula, não cabe
discutir o Inciso II. Vamos nos ater ao I, que é aquele que interessa.
Para que o Supremo, que é última instância, não primeira, faça réu um
presidente por crime comum, é preciso que a denúncia oferecida pela
Procuradoria Geral da República tenha contado com a anuência de pelo
menos dois terços da Câmara. Ainda assim, cumpre lembrar: a Casa
autoriza o tribunal a examinar a questão. A maioria do pleno pode
simplesmente recusá-la.
Entenderam? Para que o presidente seja
afastado, é preciso que haja pelo menos dois votos de colegiado — ou
três, se quiserem considerar a Comissão Especial: os dois primeiros —
comissão e plenário da Câmara — são políticos. Não basta: vem depois o
crivo jurídico, que ainda não é palavra final. Se o STF decidir acatar a
denúncia, ainda não se trata de condenação — e, até que não seja
julgado, tem-se um “presidente afastado”, não um ex-presidente.
Comparem isso com a decisão monocrática, de um homem só, tomada por um juiz de primeira instância.
E voltemos à sua fala. Diz ele: “Ora, se o presidente é afastado, não tem muito sentido que um candidato que já tem uma denúncia recebida concorra ao cargo.”
Notem que ele nem mesmo diz “candidato condenado”. Não! Bastaria a
denúncia! Ora, por esse critério, os estimados 150 milhões de eleitores
em 2018 seriam substituídos pelos 17 mil juízes e 13 mil membros do
Ministério Público. Para sanear as eleições, estes ofereceriam toda
denúncia que julgassem procedente e aqueles, por princípio, aceitariam.
Teríamos uma democracia comandada pela autocracia da toga.
Mas, é claro, a conversa torta de Fux encontra eco nos dias que correm, não?
Mas pensemos mais. Quando a lei da Ficha
Limpa, apesar de todos as maluquices que lá vai, estabelece a
inelegibilidade a partir da condenação em segunda instância, está
buscando, ao menos, a opinião de um colegiado. Entende-se que é
orientação que emana daquele Inciso I do Artigo 86. Decisão recente do
Supremo, que exclui da linha sucessória ainda que temporária, presidente
da Câmara ou do Senado considerou a aceitação da denúncia como elemento
de exclusão, não o simples oferecimento da dita-cuja pelo MPF.
Se Lula for condenado em segunda
instância no caso do apartamento de Guarujá, e acho que ele vai, ainda
que inexistam as provas — e elas não existem, destaco —, estará
inelegível pela Lei da Ficha Limpa. E ponto. O PT promete recorrer ao
TSE, num primeiro momento; se o fizer, a questão acabará no STF. Dada
decisão recente, não menos absurda, que resolveu pela aplicabilidade da
lei antes mesmo de sua existência (!!!), o que tem potencial para
alterar até coisa julgada, o petista certamente seria malsucedido. O
partido certamente levará a questão até o fim porque, ao assim decidir,
estará fazendo campanha eleitoral. Mas a chance de ser bem-sucedida é
inferior a zero.
Se e quando isso acontecer, espero que
Fux, que está no TSE — e deve presidi-lo a partir de setembro do ano que
vem; antes dele, a partir de fevereiro, será Rosa Weber (como num
antigo roquinho de Léo Jaime, às vezes, “a vida não presta”… —, se
declare impedido de votar. Afinal, ele já está antecipando um voto sobre
coisa que será ainda julgada. E, coitado!, ele o faz de modo todo
atrapalhado. Ofende, ademais, também a filosofia do direito, o seu saber
essencial. Por quê?
Notem: aquele presidente usado por Fux
como exemplo já foi, por óbvio, eleito e só terá a pena — a perda do
mandato — se for condenado em sentença irrecorrível porque dada pela
última instância. Fux, mais uma vez, quer punição preventiva, sem
julgamento ou sem garantir ao punido ao menos o duplo grau de
jurisdição, como prevê a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto
de San José da Costa Rica). Bastaria um procurador ou promotor acordar
invocado e fazer uma denúncia. Se o doutor juiz também estiver invocado,
ele aceita. Pena antecipada: inelegibilidade. E se a denúncia, depois,
for arquivada? Que pena, né?
É o que Fux entende por republicanismo e moralidade.
Ah, sim, todos sabem: penso que uma
eventual eleição de Lula, que considero remota por questões judiciais
(hoje ao menos, é o que faria a maioria do eleitorado, infelizmente),
seria péssima para o país. Seu simples favoritismo já é nefasto. Mas
isso não me impede de apontar as imposturas de tipos como Fux. O lulismo
corrói valores que considero essências da política e tem de ser
combatido com a política e com a polícia quando necessário. Mas dentro
da Constituição e das leis. E o ministro está longe de ser o modelo ao
qual se ajusta o Estado Democrático e de Direito.
Transcrito: Blog Reinaldo de Azevedo