Questionar a realidade é obscurantismo, como o foi negar que a Terra gira em torno do Sol
Informação é um elemento essencial para a nossa sobrevivência e a
tomada de decisões. É por isso que ninguém se lança de um edifício de
dez andares, em lugar de descer as escadas, para ganhar tempo: jamais
houve uma violação das leis da gravidade. O mesmo acontece com tomadas de decisão. Se uma pessoa deseja viajar
de avião para
Nova York, ela se informa da hora da partida antes de ir
ao aeroporto. Caso contrário, corre o risco de perder o voo.
Acontece muitas vezes que a informação não é completa. Nesse caso, o
que funciona é saber a probabilidade de ocorrência do evento. Prever
quando vai chover é um exemplo. Desde a mais remota Antiguidade a
previsão do tempo foi essencial para saber quando plantar e quando
colher, e erros graves nestas previsões
– que eram frequentes – tiveram
sérias consequências. Nos dias de hoje, com o avanço da tecnologia, as previsões de tempo
melhoraram muito e os
meteorologistas já são capazes de nos dizer qual a
probabilidade de chover amanhã ou no fim de semana, e acertar, na
maioria das vezes.
O bom senso comum, que nessas áreas é aceito por todos, não existe,
contudo, no tocante a outro problema de grande importância
, que é o
aquecimento do nosso planeta, que está em curso. A temperatura média já
subiu mais de um
grau centígrado desde 1800 e provavelmente vai subir
mais dois graus até o fim do século 21. A probabilidade de que a principal causa deste aquecimento seja a
emissão dos gases resultantes da queima dos combustíveis fósseis, do
desmatamento e de atividades agrícolas é muito grande e essa avaliação
decorre de inúmeros estudos científicos. As consequências do aquecimento
da Terra são muito sérias e já se manifestam, por exemplo, nos
desastres climáticos que se estão tornando cada vez mais frequentes.
Para enfrentar o problema a cooperação internacional é essencial,
porque as emissões que causam o aquecimento não respeitam fronteiras. A
temperatura na
China (o país maior emissor mundial) está subindo por
causa de suas próprias emissões, mas também das emissões dos Estados
Unidos
(o segundo emissor mundial) e vice-versa, bem como das emissões
de todos os outros países.
O Brasil é responsável por cerca de 3% das
emissões mundiais.
Vários acordos foram tentados – desde a
Conferência do Rio sobre
Mudanças Climáticas, em 1992 – para dividir as responsabilidades entre
as nações, como, por exemplo, atribuir aos países cotas para redução das
suas emissões. Todos fracassaram porque impunham cortes nas emissões
aos países industrializados e isentavam os países em desenvolvimento
dessas reduções, o que foi considerado inaceitável para os dois grupos.
O último deles é o Acordo de Paris, adotado em 2015, em que cada um
dos países apresentou voluntariamente as reduções que desejava
soberanamente fazer. Os países onde o movimento ambientalista é mais
atuante apresentaram compromissos mais ambiciosos. É o caso dos países
da Europa e dos Estados Unidos
(sob a presidência de Barack Obama). O Brasil, no governo de Dilma Rousseff também apresentou propostas
ambiciosas, que foram objeto de amplo debate promovido pela então
ministra do Meio Ambiente, Isabella Teixeira. Essas propostas foram
convertidas em lei pelo Congresso Nacional. Ninguém forçou o País a
adotá-las.
Mais recentemente, o presidente Donald Trump decidiu mudar a posição
do seu país, provavelmente para
“desconstruir” o legado do presidente
Obama, e deixar o Acordo de Paris, que não é mais que a soma dos
compromissos voluntários apresentados por cada país. Para não cumprir os
compromissos assumidos basta mudá-los unilateralmente,
não é preciso
“deixá-lo” ou “sair dele”, a não ser por motivos políticos.
É curiosa, portanto, a retórica inicial de alguns dos c
olaboradores
do presidente Bolsonaro de seguir os passos do presidente Trump, que
agora, ao que parece, está mudando. Ela nos parece simplesmente fruto de
desinformação: não existe a menor dúvida de que a temperatura média do
planeta está aumentando e a causa principal é a ação do homem. Quem nega
isso são leigos que inventam teorias conspiratórias, setores ligados a
interesses contrariados de produtores de carvão e petróleo ou
simplesmente desinformados.
Existem outras causas para o aquecimento
(e até o resfriamento) da
Terra –
além das emissões de carbono –, como já aconteceu no passado,
como a variação da atividade solar, a inclinação do eixo da Terra,
erupções vulcânicas, etc. Mas elas foram todas analisadas pelos
cientistas: a ação do homem soma-se a esses eventos naturais e está
ocorrendo numa velocidade sem precedentes na história geológica da
Terra. Questionar a realidade do problema é uma posição obscurantista,
como foi a da Igreja Católica no fim da
Idade Média ao negar que a Terra
gira em torno do Sol.
Os custos necessários para evitar o aquecimento global são elevados –
e para muitos governos há tarefas mais urgentes a realizar –, mas esses
custos aumentarão muito se nada for feito agora.
Existem, portanto, razões econômicas e sociais para não enfrentar de
imediato esses problemas, caso da indústria do carvão nos Estados Unidos
ou dos protestos contra a adoção de uma taxa sobre as
emissões de
carbono na França. O Brasil perdeu protagonismo e prestígio internacional nesta questão
ao desistir de sediar a Conferência do Clima em 2019 porque ela se
realizará no
Chile e nossa capacidade de influir nos resultados vai
diminuir com possíveis prejuízos para o nosso próprio país.
Mais ainda perder
“status” internacional com o argumento de que a
conferência teria gastos elevados não é convincente porque o mesmo
argumento deveria ter valido para os Jogos Olímpicos que exigiram a
construção de inúmeros estádios a alto custo que estão hoje praticamente
ociosos.
José Golbemberg, m Professor emérito da USP, foi ministro do Meio Ambiente durante a Conferência do Clima no Rio de Janeiro (Rio-92)