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quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Os mascates

“O Brasil ainda recebe refugiados de braços abertos. É o caso das famílias palestinas do Rio Grande do Sul, que buscaram a integração plena e uma nova cidadania no Brasil”


Há um mês, cerca de mil pessoas — homens, mulheres crianças e até idosos —, fugindo da fome e da violência, deixaram a cidade de São Pedro Sula, em Honduras, em busca do sonho americano. A notícia se espalhou pelas redes sociais, e milhares de pessoas de outros países da América Central se juntaram a elas na Guatemala, em direção ao México. Às vésperas das eleições legislativas de 6 de novembro, a marcha virou uma dor de cabeça para o presidente dos Estados Unidos, porque já reúne quase 10 mil pessoas e chegou ao México, sendo acompanhada pela mídia do mundo inteiro.

Trump já anunciou a intenção de impedir a entrada dos imigrantes e mandou mais 15 mil homens da Guarda Nacional para a fronteira. Acusa o Partido Democrata de estimular a marcha. O risco é os mexicanos aderirem em massa ao movimento, autodenominado “Pueblo Sin Fronteiras” (Povo Sem Fronteiras). Cerca de 10% da população da Guatemala, El Salvador e Honduras já deixaram seus países para fugir da criminalidade e do recrutamento forçado por gangues, em busca de poucas oportunidades de trabalho. Trump ameaça cortar a ajuda norte-americana aos países de América Central. Segundo a Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional, a Guatemala recebe mais de US$ 248 milhões por ano; Honduras, US$ 175 milhões; e El Salvador, US$ 115 milhões.

Esse fenômeno parecia distante do Brasil, mas também já é vivido por nós em razão da crise venezuelana. A diferença é que o governo brasileiro, depois dos incidentes entre brasileiros e venezuelanos em Pacaraima (RR), na fronteira com a Venezuela, com apoio das Forças Armadas, montou uma infraestrutura adequada para receber milhares de refugiados, que são redistribuídos para os diversos estados do país. O êxodo de 2,4 milhões de venezuelanos, em apenas dois anos, já é o maior da história da América do Sul e atinge praticamente todos os países do subcontinente. A diferença é que o presidente Michel Temer, ele próprio descendente de imigrantes libaneses, seguindo a tradição de nossa política externa, tem uma posição oposta à xenofobia de Trump.

Jerusalém
O Brasil ainda recebe refugiados de braços abertos. É o caso das famílias palestinas do Rio Grande do Sul, que buscaram a integração plena e uma nova cidadania no Brasil. O documentário “A Palestina Brasileira”, de Omar de Barros Filho, mostra como essas famílias vivem uma “nakba” (palavra árabe que significa catástrofe) que já dura 70 anos. A vida de um casal residente na região metropolitana de Porto Alegre resume a tragédia: a família abandonou a Palestina com a criação do Estado de Israel, em 1948; mudou-se para Bagdá, onde reconstruiu a vida. Com a invasão do Iraque pelas tropas dos EUA, refugiou-se no campo de Al Rweished, em pleno deserto, na fronteira da Jordânia. Após alguns anos, o casal foi trazido pela ONU para o Rio Grande do Sul, mas a família se desgarrou: o filho vive na Indonésia, a filha está em Bagdá.

A produção do filme foi uma aventura. Uma das locações foi o campo Al Fawwar, próximo a Hebron, onde palestinos ainda são refugiados dentro da própria Palestina. Nunca recuperaram seus bens, propriedades ou terras tomadas por Israel. [presidente Bolsonaro: Israel invade terras palestinas, torna os donos da terra refugiados em sua própria terra - um pouco parecido com o que Boulos, MTST, faz quando cobra aluguel dos próprios invasores.]  dos apartamentos que invadeA equipe de filmagem, hospedada em Ramallah, teve seu alojamento invadido. Portas foram arrombadas, bagagens, reviradas; o hotel foi depredado. A equipe foi detida por um longo tempo em um checkpoint israelense no histórico mercado de Jerusalém. O guia palestino brasileiro foi expulso do local. O diretor foi conduzido ao centro de controle policial do Muro das Lamentações e proibido de realizar entrevistas e de utilizar equipamento de som e luz. 

Quando tentaram entrar na mesquita de Al Aqsa, foram bloqueados por policiais de Israel. No aeroporto Ben Gurion, em Tel Aviv, uma das câmeras foi confiscada e nunca devolvida.  O marco inaugural da nossa diplomacia com o mundo árabe é a visita de D. Pedro II ao Líbano, em 1880. Proibidos de entrar nos Estados Unidos, cristãos sírios e libaneses perseguidos pelos turco otomanos optaram pelo Brasil, que estava em franca urbanização. Exímios comerciantes, tornaram-se “mascates” e tiveram um papel fundamental na ligação comercial do litoral com o sertão. Numa época em que a moeda era escassa e rigidamente controlada pelo governo, conquistaram a confiança dos brasileiros no fio do bigode: vendendo fiado.

Entretanto, as boas relações com o mundo árabe podem se deteriorar por causa de uma decisão anunciada pelo presidente eleito Jair Bolsonaro: transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, a pedido do presidente Trump e do primeiro-ministro de Israel, Benjamin “Bibi” Netanyahu. Temos excelentes relações com Israel, mas romper com a moderada Autoridade Palestina é trazer para o Brasil, principalmente para a Tríplice Fronteira, onde já atuam militantes clandestinos do Hamas e agentes israelenses do Mossad, uma briga que nunca foi nossa.

Luiz Carlos Azedo - Blog nas Entrelinhas  - CB



segunda-feira, 14 de maio de 2018

Inauguração de Embaixada dos EUA em Jerusalém aumenta clima de tensão



Sob contestação internacional, transferência da de órgão oficial coincide com escalada com Irã



Nesta segunda-feira, quando se comemoram os 70 anos da criação de Israel, os Estados Unidos transferem a sua embaixada no país de Tel Aviv para Jerusalém, atendendo a um pedido histórico dos israelenses e dos religiosos americanos. E a data não é uma coincidência: trata-se de mais um símbolo da proximidade entre os dois países. Mas a festa deve ser restrita, pois a tensão na região está crescente e especialistas afirmam que a possibilidade de uma nova guerra no Oriente Médio fica a cada dia mais próxima.



Estradas em Jerusalém recebem enfeites para inauguração de embaixada americana - AHMAD GHARABLI / AFP


O local da nova representação americana em Israel, anunciado em dezembro, escancarou o apoio incondicional de Washington ao governo de Benjamin Netanyahu, dificultando a retomada de negociações de paz entre israelenses e palestinos. Ao mudar a embaixada para Jerusalém sem fazer nenhum outro gesto aos palestinos, que reclamam o setor oriental da cidade como sua capital, o governo de Donald Trump deixa de ser visto como mediador do conflito. Em consequência, a data chamada pelos palestinos de Nakba (dia da catástrofe e do êxodo) — não por coincidência 15 de maio, dia seguinte à criação de Israel — deverá registrar recordes de protestos.

“Mover nossa embaixada não é um desvio do nosso forte compromisso de facilitar um acordo de paz duradouro; pelo contrário, é uma condição necessária para isso”, afirmou, em nota, o Departamento de Estado americano.

A medida reforça a ligação entre o presidente Donald Trump e Netanyahu, um dos líderes estrangeiros mais próximos do republicano. Especialistas afirmam que essa aproximação entre os dois é a mais intensa desde os anos 1990, quando Bill Clinton e Yitzhak Rabin compartilhavam um profundo vínculo de amizade e uma visão estratégica que os levou à primeira tentativa de um acordo entre os israelenses e palestinos baseado na premissa da troca de terras por paz.

DESCOMPASSO COM EUROPA
Além disso, outros dois fatores contribuem para a escalada de tensão. A mudança da embaixada ocorrerá seis dias após os Estados Unidos deixarem o acordo nuclear com o Irã, grande inimigo de Israel na região. Logo em seguida, Israel atacou bases iranianas na Síria, no que afirmou ser uma retaliação contra o lançamento de foguetes contra suas forças nas Colinas de Golã — território sírio cuja conquista por Israel em 1967 não é reconhecida internacionalmente. Esses fatos se relacionam e ampliam a possibilidade de novos confrontos.  — O conflito entre israelenses e palestinos está envolto em camadas de significado simbólico, e esses dois dias (aniversário de Israel e Nakba) são especialmente poderosos — disse ao GLOBO David N. Myers, professor de História Judaica e diretor do Centro Luskin de História e Política da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), referindo-se à data escolhida por Trump para a inauguração da nova embaixada. — E os fatos no Oriente Médio são dinâmicos. A decisão americana de se retirar do acordo nuclear com o Irã terá repercussões em toda a região. E são particularmente preocupantes as crescentes tensões na fronteira norte de Israel com o Líbano e a Síria, em especial a “guerra por procuração” entre o Irã e Israel (no front da guerra civil síria).

Até agora poucos países — a maior parte sem expressão diplomática relevante — seguiram o exemplo e transferiram embaixadas. Na semana passada, foi o Paraguai, por exemplo. Já os europeus criticam a decisão dos EUA, pois defendem seguir as resoluções da ONU segundo as quais o status definitivo de Jerusalém deve ser determinado em negociações. Americanos e europeus também ficaram em posições contrárias no caso do acordo iraniano, levando Angela Merkel, chanceler alemã, a afirmar que o Velho Continente não pode mais “confiar” nos EUA.

Por outro lado, o governo Trump tenta — talvez sem uma estratégia muito clara — repetir com os palestinos o que fez com os norte-coreanos: tensionar a relação para buscar um acordo. Mas no Oriente Médio a situação é menos clara do que na Península Coreana, e o risco de errar na dose, fazendo eclodir um novo confronto, parece ser maior, segundo especialistas.
— A mudança da embaixada sinaliza um afastamento de uma política de 30 anos que tentava uma solução para o conflito dentro da visão de dois Estados. É uma indicação de que os EUA não pretendem ser um intermediário honesto, mas sim um aliado de Israel — disse Myers. — Receio que estejamos caminhando para um período de crescente tensão. Quando há percepção de estagnação e falta de progresso, surge a perspectiva de violência.

Desde que ficou claro o apoio incondicional de Trump a suas políticas, o governo de Netanyahu tem se preocupado menos com a pressão internacional na questão dos assentamentos em territórios ocupados — são cerca de 600 mil israelenses vivendo na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental. Dan Arbell, pesquisador do Centro de Estudos sobre Israel da American University, na capital americana, acredita que essa mudança da embaixada é historicamente errada”:
— Os Estados Unidos atenderam a um dos mais importantes pedidos de Israel sem pedir nada em troca, sem utilizar isso como moeda de negociação em um acordo de paz com os palestinos. Perderam uma oportunidade.

A cerimônia de inauguração contará com a presença de Ivanka Trump e Jared Kushner, a filha e o genro do presidente americano, que tem sido um intermediário nos contatos com Israel. A embaixada começará a funcionar com ao menos 50 funcionários. São esperados 800 convidados na cerimônia — nenhuma autoridade palestina.
Essa mudança também serve como uma luva para as pretensões internas de Trump, pois parte da base evangélica dos republicanos defende que Israel tem direito à “terra prometida”.
— A love story entre Trump e Netanyahu deve continuar — disse Arbell. — A questão será quando os democratas voltarem ao poder. Acredito que, neste momento, os israelenses terão grandes problemas.


[Clique aqui e conheça mais sobre a 'manobra suja' feita por um brasileiro quando presidiu parte da Assembleia Geral da ONU, que permitiu a criação de Israel, usando território pertencente ao Povo Palestino e invadido por Israel. ]