Tempestade perfeita
No programa de investimentos no pré-sal, Petrobras considerou dólar numa média futura de R$ 1,95
A Arábia Saudita é a maior
exportadora de petróleo, dona das maiores reservas. Logo, deve ser de
seu interesse o maior preço possível para o óleo, certo? Errado, neste momento ao menos.
Acontece
que tem o petróleo naturalmente barato — aquele fácil de extrair, que
brota da terra, como o saudita — e o caro, aquele só encontrado nas
profundezas do mar, como o nosso do pré-sal, nas rochas de xisto ou nas
areias betuminosas. Pois a produção desse petróleo caro e difícil está
em alta no mundo todo, favorecida, economicamente, pelo elevado preço do
barril verificado nos últimos anos.
Nos EUA, por exemplo, ocorre o
boom na exploração de óleo de xisto. A produção cresceu tanto que o
país reduziu as compras externas, deixando o posto de maior importador
global para a China. O Canadá, também dependente de importações, acelera
a extração de óleo de areias. E a Petrobras deu a partida na exploração
do pré-sal.
Pois justamente agora o preço do barril está em queda
— e queda forte. De mais de 100 dólares dos últimos tempos, a cotação
nos EUA e em outros mercados internacionais caiu para a faixa dos 70
dólares, ficando até abaixo disso em diversos momentos. Com a economia
mundial em marcha lenta, o consumo de energia cresce abaixo da produção,
que havia sido estimulada pela forte expansão global do início deste
século e, especialmente, pelo crescimento dos emergentes.
Demanda em baixa, oferta em alta, lá se vão as cotações. Vai
daí, alguns membros da Opep (Organização dos Países Exportadores de
Petróleo), como Venezuela e Irã, começaram a pressionar o grupo para
reduzir a produção e, assim, forçar uma alta de preços. A Opep coloca no
mercado cerca de 30 milhões de barris/dia, mais ou menos um terço do
consumo global. Tem, pois, o poder de calibrar as cotações.
Mas,
surpresa, a Arábia Saudita, que lidera o grupo e tem capacidade de
aumentar sua produção quase imediatamente, derrubou a proposta. Tem
lógica. O preço baixo reduz a rentabilidade do petróleo “difícil” e
inviabiliza muitos projetos. Por exemplo: o óleo das areias do Canadá só
é rentável se puder ser vendido a 80 dólares o barril. No pré-sal
brasileiro, segundo avaliação de consultorias locais e internacionais, o
custo de produção vai de 40 a 70 dólares, conforme o campo e o contrato
de exploração. Nos EUA, algumas companhias dizem que 60 dólares é o
limite para muitas áreas.
Para registrar: no seu ambicioso
programa de investimentos no pré-sal, até 2020, a Petrobras considerou o
barril de óleo a 105 dólares hoje, caindo para 100 e depois para 95.
Também considerou o dólar numa média futura de R$ 1,95. Tudo
considerado, há uma perda de rentabilidade se as cotações continuarem
nos níveis atuais e inviabilidade econômica de algumas áreas se os
preços caírem ainda mais. Ou seja, será difícil atrair capital privado,
nacional e estrangeiro, para os novos projetos. Mesmo porque o atual
regime de partilha cobra pesados pagamentos das companhias que explorem
os poços. A Petrobras já tem campos adquiridos, mas, de qualquer modo,
precisará se financiar no mercado global — e isso estará mais difícil.
É
certo que a queda dos preços de gasolina e diesel ajuda bastante o
caixa da Petrobras, importadora líquida de combustíveis. Neste momento,
por exemplo, a estatal vende os produtos aqui dentro a preços 20%
superiores aos que paga lá fora. Inverte, assim, a relação dos últimos
quatro anos. Mas esse ganho é insuficiente para levantar o capital
necessário. O futuro da Petrobras é a exportação de óleo. O ambiente
econômico global, de baixo crescimento, e a descoberta e uso cada vez
maior de energia alternativa indicam que o preço do óleo pode permanecer
baixo por um bom tempo.
Coloque no cenário a crise do petrolão e se entende por que a Petrobras se aproxima de uma tempestade perfeita. Em
qualquer caso, e considerando a confusão armada pelo governo no setor
elétrico, mais as perdas impostas ao etanol, parece que o país precisa
rever suas políticas de energia.
GOLPE
Economistas do grupo
desenvolvimentista, ou da “nova matriz”, muitos deles instalados no
governo Dilma, estão chocados com a designação de Joaquim Levy para o
Ministério da Fazenda. O choque é tão ou mais forte do que o
ocorrido em 2003, no primeiro governo Lula, quando Antonio Palocci
instalou a nata dos economistas ortodoxos na Fazenda — incluindo o mesmo
Levy no posto-chave de secretário do Tesouro.
Na ocasião, a ortodoxia funcionou. Hoje, os desenvolvimentistas acham que é diferente e que Levy vai durar pouco. Dilma é economista e da nova matriz. Mas não teria tomado essa difícil decisão se não precisasse tanto dele.
Por: Carlos Alberto Sardenberg, jornalista - O Globo