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sexta-feira, 28 de junho de 2019

'Linha do comportamento político de Bolsonaro é flertar com a morte

Flertar  com a morte e seis meses à direita 

Neste primeiro período de governo, Jair Bolsonaro afirmou que a cadeira do presidente era sua kryptonita, o metal que enfraquece o super-homem nas histórias em quadrinho. Mais tarde, ele disse que estavam querendo transformá-lo na rainha da Inglaterra. Ambas as afirmações convergem para sua ansiedade sobre o poder escapando entre os dedos. E remetem às primeiras discussões após sua vitória eleitoral.  Naquele momento, a esperança era de que os contrapesos democráticos contivessem Bolsonaro. Da mesma forma que se esperava, guardadas as proporções, que isso acontecesse com Trump nos Estados Unidos.

Na verdade, Bolsonaro foi contido pelo menos sete vezes pelo Congresso e pelo Supremo Tribunal Federal (STF). É verdade que muitas de suas propostas foram lançadas para mostrar ao eleitorado que cumpria as promessas de campanha. [Bolsonaro tem um compromisso com seus eleitores e precisa deixar bem claro que se não cumpre o que prometeu é devido a ser um democrata e sofre oposição dos outros poderes que não o deixam cumprir o que prometeu.
Grande parte da inadimplência do nosso presidente se deve a uma Constituição de viés nitidamente parlamentarista que reduz em muito os poderes presidenciais.]  Mas foram propostas que desprezaram as necessárias negociações. Parece que Bolsonaro não se importa em perder ou conseguir pelo menos alguma eficácia. Ele quer mostrar que suas ideias morrem no Congresso ou são rejeitadas pelo Supremo.

São coisas tão elementares que qualquer assessoria jurídica desaconselharia. Por exemplo: tentar com uma nova medida provisória passar a demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura. Isso havia sido negado e ele reeditou a medida, algo que não pode ser feito na mesma legislatura. [convenhamos que terras indígenas - os maiores latifundiários do Brasil - é um assunto mais concernente à agricultura do que à Justiça.]  Na verdade, não o estão tornando uma rainha da Inglaterra. Uma combinação de incompetência e arrogância o conduz a sucessivas derrotas.

Ultimamente, tenho observado uma linha-mestra no comportamento político de Bolsonaro. Ele flerta com a morte, como faziam, à sua maneira, os governos de extrema direita do passado. Seus projetos caminham nesta direção: liberação das armas, flexibilização das regras do trânsito, legalização de potentes agrotóxicos que devem dizimar nossos insetos e abelhas, sem falar nas consequências disso para a saúde humana.  Já escrevi sobre isso tudo, de forma isolada. Mas o conjunto da obra revela uma tendência mórbida, ainda que mascarada de um desejo de crescimento econômico rápido e sem barreiras.

O simples fato de usar a imagem da kryptonita o coloca dentro da mitologia do super-homem, algo que era muito comum na direita no limiar da Segunda Guerra. Vi com certa apreensão que os próprios manifestantes pró Sergio Moro escolheram a imagem do super-homem para defini-lo, isso precisamente no momento em que sua condição humana estava em jogo com as revelações do The Intercept.
Pode ser que essas conexões sejam de alguém que assimilou mal a história do século 20 e está vendo fantasmas em cada esquina. No entanto, o desdobramento do projeto de Bolsonaro é preocupante, exceto pelo fato de que as salvaguardas estão em pleno funcionamento. Até o momento, nenhuma medida ilegal foi engolida pelo Congresso e pelo STF.

Tudo indica que Bolsonaro não se preocupa tanto com as derrotas porque mira a reeleição, continua em campanha, revelando aos seus eleitores como suas ideias são trituradas pelo aparato constitucional.  Atropelar o Congresso e o Supremo não parece ser a saída. Soaria como um retorno a 64, algo que os militares rejeitam: estamos num mundo diferente, a guerra fria não é o quadro geral em que nos movemos.  Bolsonaro, entretanto, não é tão saudosista como parece ser em alguns momentos. Ele sabe que surgiu uma nova extrema direita no mundo, principalmente no rastro do problema migratório. Ele conhece, por exemplo, como seu colega húngaro tenta reduzir as limitações que a democracia lhe obriga. Em certos momentos, chegou a revelar sua admiração por Hugo Chávez, embora saibamos que é uma admiração pelo método, não pelos objetivos. Bolsonaro, penso eu, está fadado a ter muitas dificuldades com o Congresso. Atender a todos os pedidos é fatal; rejeitá-los significa o isolamento.

Seu propósito inicial de superar o toma lá dá cá, de contornar os vícios do presidencialismo de coalizão, é interessante. Todos os candidatos que se pretendem inovadores batem nessa tecla. No meu entender, é uma visão limitada de quem também sonhava em acabar com isso, mas há um caminho estreito cujo êxito não é assegurado. Este caminho está apoiado em duas variáveis: um projeto de governo claro e conhecimento das regiões do Brasil e de suas bancadas. Ao tornar o Congresso um parceiro na realização do programa, é possível reduzir o medo do parlamentar de perder a eleição.

Conhecer o Brasil não é difícil para um militar, apesar de Bolsonaro ter deixado a farda e o rodízio pelo País há muito tempo. O mais importante é conhecer os problemas regionais, sobretudo aqueles dos quais os parlamentares não podem fugir.
É muito difícil para os candidatos que se dizem inovadores obter a cooperação do Parlamento apenas com ideias novas e a esperança de apoio popular. É preciso mais. Era evidente que a reforma da Previdência seria alterada nos pontos em que o foi. Era evidente que o decreto das armas demandava negociação. Se eleitores de Bolsonaro apoiavam a tese, parte da opinião pública era contrária. [Bolsonaro ganhou a eleição; seus eleitores são a maioria.]

Apesar da qualidade da nossa imprensa, ainda não houve um estudo em profundidade sobre a bancada do PSL, a base parlamentar de Bolsonaro. Dizer que são inexperientes é pouco. Todo mundo o é ao começar. Tenho dúvida se são vocacionados. Se não forem, não vão aprender nunca. Ao longo destes meses, vi desfilar a mitologia da direita, o flerte com a morte, a ilusão do super-homem. Ainda agora, sempre os vejo juntos movendo os dedos como se apontassem uma arma. Para onde, José? Uma frente pela democracia é sempre falada em momentos históricos complicados como este. Mas cada vez mais me convenço de que o objetivo é mais amplo: a extrema direita nos coloca diante da necessidade de uma frente pela vida, em toda a sua diversidade.

Blog do Fernando Gabeira, jornalista 

Matéria postada em O Estado de S. Paulo 

 

 

terça-feira, 30 de outubro de 2018

Propostas de Bolsonaro podem ser barradas pela Justiça, dizem especialistas



[problemas?]

Promessas de campanha do presidente eleito podem ser consideradas inconstitucionais

 

O presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), deve ter problemas na Justiça caso consiga aprovar no Congresso algumas das suas principais promessas. O GLOBO selecionou sete propostas, expostas em seu plano de governo ou em entrevistas, e pediu a opinião sobre elas para quatro especialistas em Direito Constitucional . Eles consideram que a chance é alta de três delas serem questionadas no Supremo Tribunal Federal (STF). Sobre as outras quatro, há uma divisão: alguns as consideram inconstitucionais, outros defendem que cabe ao Congresso, e não ao STF, decidir.Uma das principais propostas de Bolsonaro é a ampliação do chamado “excludente de ilicitude” para policiais militares que matarem alguém durante confrontos. O candidato quer que seja aplicado automaticamente o princípio da legítima defesa, sem a investigação das ocorrências. A subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, coordenadora da Câmara Criminal, afirmou ao GLOBO que a medida será questionada se for aprovada. Os quatro especialistas ouvidos pela reportagem consideram o projeto inconstitucional. — O excludente de ilicitude existe no Código Penal, como legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal. Isso já é contemplado. É difícil compreender uma proposta que vá além disso. Se a proposta for de não haver nenhuma investigação do excludente, se for para evitar que Ministério  Público e outros órgãos possam aferir e verificar o caso concreto, aí há sim inconstitucionalidade — opina Gustavo Binenbojm, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). 

Outras propostas com chances altas de serem questionadas são os planos de acabar com a progressão de penas de condenados tema que já foi discutido pelo STFe de não fazer nenhuma demarcação de terra indígena determinação estabelecida expressamente pela Constituição. Alguns pontos dividiram os especialistas. É o caso, por exemplo, da redução da maioridade penal: alguns consideram que isso infringiria uma cláusula pétrea — ou seja, que não pode ser alterada — da Constituição, mas isso não é um consenso. — Fere uma cláusula pétrea, sim, da proteção da criança e do adolescente, que é um direito fundamental. Mas é uma questão delicada, não é uma 
inconstitucionalidade tão chapada — afirma Daniel Sarmento, também da Uerj. 

Também há dúvidas em relação à ideia de tipificar como terrorismo as invasões de propriedades rurais e urbanas, já que poderia levar a uma punição desproporcional. — Pode ser considerado inconstitucional, porque a Constituição trata da proporcionalidade dos atos delitivos. As invasões causam um tipo de transtorno que pode não ter a ver com terrorismo. O legislador não pode usar a legislação sem levar em conta a noção de simetria — ressalta Oscar Vilhena, professor da Faculdade de Direito da FGV de São Paulo. 
A conceituação do que é terrorismo é muito complicada, mesmo no direito internacional. Querer dar uma amplitude que não existe em lugar nenhum ao ato terrorista é punir de maneira indiscriminada — diz Mamede Said, da UnB. 

Confira detalhes sobre as sete propostas:
Excludente de ilicitude para policiais militares
O que é: Bolsonaro quer que toda vez que um policial militar mate alguém em combate seja aplicado automaticamente o princípio da legítima defesa, sem a investigação das ocorrências. [se existe a reação do bandido, o que caracteriza o combate, inclusive com apreensão de armas em poder do abatido, a legítima defesa, o estado de necessidade e  o estrito cumprimento do dever legal se comprovam de forma automática - o o estrito cumprimento do dever legal gera o estado de necessidade e os dois se fundem na legítima defesa.] 
Como fazer: O presidenciável e seu filho Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) apresentaram na Câmara três projetos de lei que tratam do tema.
Consequências: A PGR já adiantou que deve questionar a medida, caso ela seja aprovada. Especialistas consideram o projeto inconstitucional, por dar carta branca a policiais e violar o direito à vida. [o direito a vida do bandido é violado;  já o direito do policial à vida,   que se defende do injusto e ilegal ataque do bandido, não é violado? isso é o que se chama parcialidade a favor do bandido.]

Reformular o Estatuto do Desarmamento
O que é: Em seu plano de governo, Bolsonaro defende a reformulação do Estatuto do Desarmamento, mas não entra em detalhes. Em entrevistas, defendeu a flexibilização das regras de posse e porte das armas
Como fazer: Diversos projetos de lei com esse objetivo tramitam no Congresso. Há uma articulação para votar um deles após as eleições, antes da posse de Bolsonaro
Consequências: Especialistas consideram que a constitucionalidade da medida pode ser discutida, mas consideram que as chances do assunto chegar ao STF são baixas [incrível! só no Brasil é que o cidadão não pode andar armado, por ser inconstitucional o que leva o assunto ao crivo do STF (o que não é nenhuma surpresa, visto que a existência de banheiros públicos unissex se tornou matéria a ser apreciada pelo Supremo) - se trata de matéria disciplinada em Lei Ordinária, mas, na hora de conceder um direito ao CIDADÃO se torna matéria constitucional para dificultar a vida do cidadão.]
 
Reduzir a maioridade penal
O que é: Em seu programa de governo, Bolsonaro defende reduzir a maioridade penal para 16 anos. Durante a campanha, ele admitiu reduzir inicialmente para 17 anos. 
Como fazer: Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que diminui a maioridade penal para 16 anos foi aprovada na Câmara dos Deputado em 2015, mas não foi analisada pelo Senado.
É possível fazer essas alterações por meio de um projeto de lei 
Consequências: Especialistas divergem sobre se a proteção a crianças e adolescentes se trata de uma cláusula pétrea da Constituição, ou seja, que não pode ser alterada  [proteger bandidos não é violar o direito que crianças e adolescentes gozam de ser protegidas; 
não se pode em nome de proteger um adolescente bandido, cassar o direito de vida e de propriedade das pessoas. - especialmente por pacífico que a impunidade resultante da concessão desse direito a bandidos 'di menor'  é um incentivo aos criminosos.]

Tipificar como terrorismo as invasões de propriedades rurais e urbanas
O que é: Bolsonaro defendeu essa tipificação no seu plano de governo e em diversas entrevistas
Como fazer: A Lei Antiterrorismo foi sancionada em 2016, com um trecho que determina que participantes de movimento sociais não se enquadram na tipificação do crime. É possível alterá-la.
Consequências: Especialistas consideram que são grandes as chances de medida ser questionada, por ser desproporcional e pela possibilidade de restringir o direito à manifestação. [cabe questionamento é aos especialistas que em nome de restringir o direito à manifestação consideram aceitável que propriedades sejam invadidas; 
logo um especialista que pensa assim, estará defendendo o bandido que explode um caixa eletrônico, por entender que punir o bandido é restringir aquele direito. 
Certamente tais especialistas esqueceram que o DIREITO DE PROPRIEDADE é assegurando pela Constituição - ou a Constituição só vale quando é para favorecer o bandido?] 
 
Retirar da Constituição a regra que determina a desapropriação de propriedades onde há trabalho escravo
O que é: Em seu plano de governo, Bolsonaro afirma que vai “retirar da Constituição qualquer relativização da propriedade privada”, e cita a Emenda Constitucional 81, que estabeleceu a desapropriação de propriedades rurais e urbanas onde for encontrado trabalho escravo.
Como fazer: Como se trata de uma Emenda Constitucional, para alterá-la é preciso outra PEC.
Consequências: Especialistas divergem: como se trata de uma emenda, alguns defendem que é possível alterá-la por outra PEC. Outros consideram, contudo, que essa alteração poderia ser inconstitucional por configurar incentivo ao trabalho escravo.  [o  trabalho escravo deve ser combatido com rigor;  
apenas se faz necessário que a definição do que é trabalho escravo seja mais precisa - a vigente, imposta pelo STF,  permite as  mais variadas interpretações, o que enseja possibilidades de situações injustas para as partes envolvidas.]

Acabar com a progressão de penas e as saídas temporárias
O que é: Em seu plano de governo, Bolsonaro defende acabar com a progressão pena  e com as saídas temporárias porque é preciso “prender e deixar preso”.  

Consequências: Em 2006, o STF considerou inconstitucional uma lei que proibia a progressão de pena nos crimes hediondos. Especialistas consideram que a medida violaria a individualização da pena do indivíduo. [dificil enxergar violação da individualização da pena do indivíduo quando a tipificação do crime e a pena são diretamente proporcionais ao crime cometido  (apenas  ao se  reduzir a maioridade penal, também se reduz  as chances de impunidade) sendo pacífico que  a impunidade é um incentivo aos criminosos.]  
Sobre as saídas temporárias, a chance de questionamento é menor. [as saídas temporárias são um estímulo à criminalidade - tanto por permitir aos marginais uma, digamos, 'reciclagem' da sua experiência criminosa,  quanto por ofender a sociedade, especialmente quando permite que uma assassina do PAI e da MÃE tenho direito ao saídão no DIA DAS MÃES e DIA DOS PAIS, ou a assassina de uma criança tenha direito a sair no DIA DAS MÃES e DIA DA CRIANÇA.] 
 

Não fazer nenhuma demarcação de terra para indígenas
O que é: Bolsonaro afirmou que, se eleito, “não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou pra quilombola".
Como fazer: O presidente é responsável por homologar as demarcações. Por isso, pode decidir paralisar os processo ou negá-los
Consequências: A maioria dos especialistas considera que essa medida seria inconstitucional, já que a Constituição determina a demarcação das terras e determina que a União é responsável por isso. [quantas vezes a Constituição é descumprida e nada acontece - tem reservas indígenas de 50.000 hectares para apenas doze índios.
Buscando assegurar os direitos dos índios, sem exageros, por não se tratar de 'cláusula pétrea' , a matéria pode ser objeto de PEC.]