Em Brumadinho, setores público e privado destruíram famílias e atingiram o futuro
Em entrevista à Rádio Eldorado, o ministro Ricardo Salles disse que o
meio ambiente “não é questão de direita e esquerda” e “não pode ser
capturado por barreiras ideológicas”. Quem haveria de discordar? O
ministro tem toda razão, mas nem por isso deixou de jogar pesadas
críticas sobre a esquerda. Segundo ele, a esquerda tem mania de se apossar da defesa do ambiente
como se fosse a única preocupada com a preservação do planeta, mas, ora,
ora, tanto a tragédia de Mariana quanto a de Brumadinho ocorreram ou
durante ou em seguida aos governos da petista Dilma Rousseff em Brasília
e Fernando Pimentel em Minas.
Logo, o ministro não quer que a discussão seja entre esquerda e direita,
mas ele bem que deu um empurrãozinho para que assim seja. [o ministro comentou um fato, agora se o fato compromete a esquerda já não é da alçada do ministro.] E lembrou
que, logo no início, o presidente Jair Bolsonaro sobrevoou a região
mineira e sete ministros foram pessoalmente lá. Tomara que esse empenho
no calor dos acontecimentos decante em medidas realmente eficazes. Já
imaginaram uma terceira Mariana?
Quem também foi pessoalmente a Brumadinho foi ex-ministra Marina Silva,
que é uma das principais referências brasileiras do setor no cenário
internacional, mas foi bastante criticada por omissão no desastre de
Mariana e desta vez ficou esperta. Em outras palavras, ela também disse à Rádio Eldorado que a questão não é
de direita ou esquerda e apontou o dedo em várias direções. Segundo
Marina, “é um erro demonizar os agentes ambientalistas” e há três
culpados no rompimento de represas: a ganância do setor privado, a falta
de ética na política e a flexibilização oportunista de regras pelo
setor público.
Como ministra de Lula, e ainda no PT, Marina vivenciou intensos debates e
embates com Dilma, chefe da Casa Civil. Uma exigia rigor nos
licenciamentos e na fiscalização. A outra, pretendendo-se mais
pragmática, queria apressar licenças e agilizar empreendimentos. A questão central, portanto, não é ideológica, é o velho embate entre
ambientalistas, chamados de “puristas” (ou “sonháticos”?), e os que
defendem “passar o trator” e dar toda a prioridade a represas,
plantações, pecuária. O “desenvolvimento” a qualquer custo.
Como novo ingrediente, o governo Bolsonaro demonstra desdém pelo meio
ambiente, quase empurrou a pasta para a Agricultura e abriga um
chanceler que acusa o “ambientalismo” de ser uma espécie de facção da
esquerda mundial para destruir o Ocidente. Para Marina, [Marina, inteligência e tua capacidade de pensar não se entendem, mas, faça um esforço e lembre-se que estamos no 30º dia do governo Bolsonaro = mesmo que ele se esforçasse ao máximo, te convidasse e ao Cirito para ajudar, não haveria tempo para sucatear nada.].] Brumadinho é um alerta para o governo Bolsonaro, que
“sucateou e diminuiu o ministério de alto a baixo”. Ela exemplificou: a
Agência Nacional de Águas e o Serviço Florestal saíram da pasta e os
contratos com ONGs ambientalistas foram suspensos. E cutucou: “Pela
primeira vez um ministro do Meio Ambiente assumiu com discurso de
interesse dos ruralistas”.
Para Salles, o alerta é “para toda a sociedade”. Mas, com tantos mortos e
centenas de desaparecidos, que Brumadinho sacuda os poderosos, provoque
debates, gere punições e, sobretudo, relembre a todos, principalmente
ao novo governo, sim, que Meio Ambiente não é uma questão supérflua,
diletante nem coisa de esquerdopatas. Assim como mata pessoas e destrói
famílias inteiras, ameaça o próprio futuro do planeta e da humanidade. Discutam muito senhores e senhoras de esquerda e de direita, mas que o
setor privado não privilegie a ganância em detrimento da vida, os
governos não flexibilizem regras para favorecer negócios e os políticos
tenham ética e respeitem seus mandatos e seus eleitores. Utopia? Pode ser. Mas não há alternativa: é salvar ou salvar o futuro da
humanidade. Quem ameaçá-lo e quem for culpado por tragédias e mortes
não apenas deve, mas tem de ser punido pesadamente. Aliás, e os culpados
por Mariana, por onde andam?
Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo