No embate sobre quais multinacionais merecem privilégios estatais, PCdoB e PT reafirmaram a velha política de transferência de renda dos pobres para os mais ricos
Estava
eufórica: “Comemoro nossa grande vitória, vitória do Brasil”.
Vanessa
Grazziotin, senadora pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) do Amazonas,
celebrava a garantia de uma renúncia fiscal de R$ 3,8 bilhões por ano no
Orçamento da União para os produtores de refrigerantes instalados na Zona
Franca de Manaus. Os principais beneficiários são empresas multinacionais,
donas de mais de 80% das vendas no país [entre eles Ambev e Coca.].
Grazziotin
exalava alegria porque conseguira impedir um corte de R$ 1,6 bilhão nas
benesses estatais a essas empresas privadas. Michel Temer havia decretado
redução nos incentivos, para usar o dinheiro em subsídios ao preço do diesel da
Petrobras. A senadora do PCdoB comandou a derrubada da decisão do “governo
golpista” no Senado, semana passada. “Esses
recursos iriam bater, diretamente, no caixa da Ipiranga, da Shell e outras”,
disse, abstraindo a Petrobras, que é dona de 80% do mercado de diesel.
Houve
desconforto no bloco oposicionista. “O que a gente anda votando aqui?”,
protestou o líder do Partido dos Trabalhadores, Lindbergh Farias. “Isso é
subsídio. Sabe quanto recurso público entra numa lata de refrigerante? De R$
0,15 a R$ 0,20. É escandaloso!”
A cena
era inusitada: a autodenominada esquerda rachou num embate sobre privilégios do
Estado para dois ícones do capitalismo global, Coca-Cola e Ambev, beneficiários
de dois terços dos incentivos dados ao setor de refrigerantes. O PCdoB
defendia o adjutório estatal às multinacionais em Manaus, como “alternativa à
devastação da Floresta Amazônica”. A Zona Franca custa R$ 20 bilhões anuais aos
cofres públicos. O PT
atravessou a última década apoiando subsídios de R$ 1,5 bilhão por ano às
multinacionais de automóveis. Resolveu condenar subsídios às de refrigerantes,
perfilando-se ao “golpista” Temer.
Adversário
de ambos, e com família dona de concessionárias da Coca-Cola, Tasso Jereissati
(PSDB-CE) interveio: “Senador Lindbergh, eu gostaria de saber por que, durante
os 12 anos do PT, esse benefício foi concedido?” Ouviu insultos. Sob Lula
e Dilma, a Zona Franca de Manaus foi prorrogada por mais meio século, até 2073.
Eles aumentaram o bolo de renúncias fiscais ao ritmo de 16% ao ano acima da
inflação. Subsídios diretos somaram R$ 723 bilhões entre 2007 e 2016, valor
maior que os gastos do sistema público de saúde durante sete anos. Outros R$
400 bilhões foram transferidos a grupos privados via empréstimos do BNDES, com
aumento da dívida pública.
De cada
dez reais em subsídios concedidos, oito são repassados sem transparência. Não
há controle de eficiência, e a maior parte sequer tem prazo de validade — em
tese, é perene. As
dádivas estatais multiplicam lucros das empresas privilegiadas, nacionais ou
estrangeiras. Remetidos ao exterior, esses lucros são taxados como royalties
nos países-sede dos grupos controladores.Nesse
enredo, o Brasil presenteia impostos, as empresas ganham, e os governos ricos
abocanham fatias do lucro verde-amarelo ao tributá-los pesadamente. No embate
sobre quais multinacionais merecem privilégios do Estado, PCdoB e PT reafirmaram
a velha política de transferência de renda dos pobres para os mais ricos.