Lobista e advogados recém-formados conseguem repasses citando até a Bíblia; cidade administrada pelo pai do presidente da Câmara, Artur Lira (PP-AL), é beneficiada com R$ 14,5 milhões
Há espaço para todo tipo de alegação dos advogados. Um dos argumentos apresentados ao TRF-1 foi: “A Bíblia é uma só, mas quantas interpretações diferentes temos para ela no mundo inteiro? São diversas”. E assim o grupo conseguiu convencer um desembargador a liberar R$ 15,2 milhões para Nhamundá (AM), cidade que não tem petróleo. A decisão rendeu ao lobista R$ 3 milhões em honorários.
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Nos últimos dois meses, o Estadão identificou que o grupo do lobista Rubens de Oliveira conseguiu com três desembargadores do TRF-1, sempre os mesmos, acordos que deram a 21 prefeituras de Amazonas, Alagoas e Pará o direito de receber royalties mesmo sem produzir petróleo.
Para chegar a esses dados, o Estadão analisou 13,5 mil páginas de dezenas de processos judiciais e detectou que os “advogados laranjas” que trabalham para Oliveira usam documentos e dados falsos em pedidos genéricos apresentados ao Tribunal.“Melhor analisando a matéria e consideradas as informações prestadas pela ANP, tenho que aquele entendimento deve ser revisto”, afirmou o juiz federal Paulo Ricardo de Souza Cruz, que substituía a desembargadora. “Não há, de fato, na legislação de regência da matéria e no entendimento jurisprudencial que se firmou acerca do tema, previsão de enquadramento do município agravante como beneficiário de royalties pela situação fática descrita.”
Rubens de Oliveira circula pelos Três Poderes, em Brasília, e chegou a se reunir com Arthur Lira no período em que Barra de São Miguel buscava as parcelas milionárias dos royalties. Ele também esteve pelo menos cinco vezes no Palácio do Planalto, entre 2021 e 2022, conforme os registros de visitantes.
Em 24 de novembro de 2021, o lobista entrou na Câmara às 11h53 informando que iria à presidência da Casa para um encontro com o deputado, conforme registros oficiais do Congresso. Àquela época, o município alagoano tinha uma decisão favorável do TRF-1, mas ainda não havia recebido os pagamentos. Consequentemente, não havia pago o grupo de Oliveira. A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) sustentava que a decisão judicial era “impossível de cumprir”, porque o critério indicado pelo desembargador Pires Brandão não existia na lei.
Barra de São Miguel acabou conseguindo receber os valores após o magistrado decidir que o município deveria receber como se tivesse uma “instalação de embarque e desembarque” de petróleo. A cidade não tem a estrutura. Entre 2018 e 2021, a cidade obteve, no máximo, R$ 237 mil por ano. Depois da decisão, a receita dos royalties foi a R$ 14,5 milhões.
Procurado, Oliveira diz ter conversado com Arthur Lira, na Câmara, sobre “consórcios que os municípios criam para poderem atuar no mercado de uma forma mais justa”. Ele afirma que é representante de prefeituras alagoanas que se juntam para participar de licitações, “digamos assim, para construção civil, para medicamentos, coisas nesse sentido”. E nega trabalhar no mercado de royalties e petróleo, contrariando o que ele mesmo divulga nas redes sociais.
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O time do lobista
A advogada Marli de Oliveira é recém-formada e inscrita na OAB do Rio Grande do Sul em 2021, segundo informação da própria seccional. Mesmo assim, ela conseguiu convencer os desembargadores do TRF-1 a pagar royalties para quatro cidades onde não há petróleo. A atuação garantiu R$ 3,6 milhões de receita às cidades.
Em fevereiro de 2022, o desembargador Antonio Souza Prudente, do TRF-1, autorizou o aumento dos royalties pagos ao município de Faro (PA) pela existência de instalações de embarque e desembarque de gás natural em um município vizinho. O “vizinho” fica a 370 quilômetros, no Amazonas.
A advogada havia alegado à Justiça que a cidade precisava dos royalties “ainda mais neste momento de pandemia causada pelo covid-19″ e também por causa “das sequelas da enchente no Estado, a qual foi a maior já registrada de todos os tempos”.
Além de Marli, o grupo do lobista é composto por ao menos mais quatro advogados. O principal deles, Gustavo Freitas Macedo, defendia Rubens de Oliveira no processo em que foi condenado por estelionato. Há, ainda, Fátima Madruga Farias, do Rio Grande do Sul, que costuma usar as redes sociais para publicar mensagens motivacionais e religiosas; Brenno Cazemiro, do Amazonas, e Debora Previati, do Paraná.
À reportagem, Cazemiro admitiu que as bases técnicas das ações que apresenta são ditadas pelo lobista. “O escritório dele faz a parte técnica”, disse. “Ele tem amplo conhecimento no petróleo e a gente se embasa no conhecimento que ele tem para produzir as nossas peças.”
Em uma ação movida em conjunto em nome do município de Urucurituba (AM), ele e Debora foram condenados por litigância de má-fé – quando uma parte do processo age de forma desleal para prejudicar a outra parte ou o próprio sistema Judiciário. O juiz Marcelo Gentil Monteiro, da 1ª Vara do DF, afirmou na sentença que a dupla “violou claramente a boa-fé processual e deixou clara a real intenção de burlar regra processual impeditiva”.
A reportagem telefonou para o escritório de Debora. O telefone foi atendido pelo marido, Alisson Previati, também advogado. Ele disse que não poderiam falar naquele momento e pediu para que fossem procurados nesta segunda-feira, 24. Contudo, não atendeu às chamadas.
MATÉRIA COMPLETA em Política - O Estado de S.Paulo