Madeleine Lacsko - Gazeta do Povo
Os defensores e detratores apaixonados da urna sumiram na hora de discutir vida real. Vamos discutir aqui.
O TSE acabou de divulgar os resultados do Teste Público de Segurança das urnas de 2021. Eu só fico pensando onde se meteu aquele bando de político que passou o ano inteiro fazendo postagem chiliquenta sobre segurança de urna. O presidente já deu seu jeito, disse que confia nas Forças Armadas e elas participam do processo. Mas e o resto do pessoal? Nem justificou nada nem se interessou pelo teste.
De qualquer maneira, ele foi feito e teve recorde de inscrições. Várias equipes de especialistas tentam burlar a urna eletrônica e realizam ataques. É bom saber que o TSE não abre o sistema das eleições mesmo para o pessoal atacar, faz uma espécie de sistema espelho, que não tem os dados reais dos eleitores brasileiros. O funcionamento é o mesmo, mas as consequências de uma invasão são diferentes.
Vivemos uma realidade tão distópica que você ouviu falar de urna eletrônica o dia todo quando não havia um fato. Era só jornalismo declaratório, briga entre políticos, salseiro de rede social e gente com tempo livre demais e acesso ao Facebook. Agora que tinha fato mesmo, esse povo todo sumiu do mapa e a imprensa também. Quase não se falou do tema. Sem treta, sem atenção.
Durante os dias do teste, 26 equipes planejaram e executavam 29 tentativas de ataques. Dessas, 5 trouxeram resultados relevantes. O TSE garante que invadir mesmo a urna, mudar resultado de voto ou mexer com o software principal ninguém conseguiu. Mas foram detectadas outras falhas que precisam ser corrigidas e serão analisadas por uma equipe técnica. São 5 e eu explico.
1. TECLADO FALSO
Um
teclado produzido por impressora 3D foi acoplado à urna e foi capaz de
coletar todos os votos. É algo que pode violar o sigilo do voto mas não
consegue alterar votos. Para funcionar, a pessoa teria de entrar na
cabine com o teclado falso, deixar ele lá por toda a votação e retirar
no final.
2. CRIPTOGRAFIA DO BOLETIM DE URNA
3. TIRAR O SIGILO DE VOTOS PARA CEGOS
Uma
equipe conseguiu colocar um equipamento de bluetooth acoplado à saída
de áudio da urna, utilizada na votação acessível pelas pessoas cegas. O
equipamento transmitia o áudio dos votos a uma fonte externa. Na
prática, seria possível conferir os votos de pessoas cegas à distância.
Ocorre que a parte da urna onde é colocado o equipamento bluetooth não
fica escondida pela cabine, é visível para todos. De qualquer forma,
isso será discutido pela equipe técnica.
4. FALHA NO JE CONNECT
É
uma das soluções utilizadas para transmissão de dados das urnas para os
TREs. O JE Connect deveria vir com bloqueio de algumas teclas de
atalho, só que elas estavam desbloqueadas. Uma equipe conseguiu usar
essas teclas de atalho para, via JE Connect, tentar entrar no sistema da
Justiça Eleitoral. Isso não aconteceu porque seria necessário quebrar
os códigos de usuário e senha do TSE. O Tribunal Superior Eleitoral
considerou a falha grave e já pediu a correção. Não é para os atalhos
funcionarem e deixarem à sorte se alguém consegue ou não hackear senhas.
5. FALHA 2 NO JE CONNECT
Uma
equipe conseguiu abrir os 3 compartimentos criptografados que formam o
sistema de transmissão de dados das urnas ao TSE, o JE Connect. Usaram
uma fórmula diferente da outra equipe para entrar no sistema: em vez de
teclas de atalho, usaram VPN. Acontece que este time não ficou bloqueado
no login e senha da Justiça Eleitoral, conseguiram quebrar também esse
código. O TSE diz que a falha é grave e será corrigida até as eleições
para evitar ataques cibernéticos.
Mudar o resultado da urna não é possível, ela imprime direto o Boletim de Urna. No entanto, é possível invadir a rede que envia os dados das urnas até a Justiça Eleitoral e entrar também no sistema do TSE. Suponhamos que o pior aconteça. Ainda teremos os Boletins de Urna impressos em cada seção eleitoral para comparar. É preocupante sim a vulnerabilidade, mas pelo menos tem alguém de olho. Não é o caso de diversos outros órgãos públicos e da imprensa.
A Apex-Brasil, Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, teve seu sistema sequestrado por ataque ransomware esta semana. Vivêssemos em um país com imprensa vigilante e informada, seria um escândalo acompanhado de perto. É o tipo de crime que está no topo das prioridades de discussões das grandes potências porque desequilibra as forças geopolíticas. Estamos falando de algo dessa magnitude.
E o que isso tem a ver com eleições e nossas urnas? Não damos importância a segurança digital, algo essencial hoje para manter a soberania de um país e o poder político e econômico. Recentemente fiz um artigo para o Think Tank Instituto Montese sobre isso. Também fiz artigo aqui na Gazeta do Povo sobre o impacto econômico do ransomware sobre empresas brasileiras listadas na bolsa. A falha identificada possibilitaria uma ação dessas? Provavelmente sim.
Ter falhas não é problema. O crime digital é aprimorado todos os dias, descobre brechas que antes eram intransponíveis. Por isso o TSE faz os testes, para verificar vulnerabilidades e corrigir antes das eleições. Não existe sistema 100% perfeito, temos de saber. O que interessa é avaliar se uma eventual vulnerabilidade tem ou não potencial de mudar os resultados de uma eleição. Pena que os maiores debatedores do tema fujam dele quando se discute realidade.