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domingo, 8 de dezembro de 2019

O protesto pós-moderno: Hong Kong ganha taça do mundo - Vilma Grizinski - Blog Mundialista

Por Vilma Gryzinski - VEJA


Com tantos surtos de manifestações, nenhum outro tem características tão contemporâneas quanto os do enclave rebelado contra o gigante comunista

Os chilenos parecem muito com o pessoal do PSOL no Rio, com meninas de cabelo azul e performances feministas.  Associados com black blocs e bandidos comuns, colocaram o governo de joelhos, mas nem isso parece que vai acalmar a situação.
Os bolivianos revelaram incrível agilidade na primeira onda de protestos e conseguiram, quase inacreditavelmente, tirar um presidente que pretendia se eternizar no poder.  Os contramanifestantes demonstraram que a população indígena, majoritária na Bolívia, não pode ser ignorada.

Os iraquianos são o retrato da desgraça de sempre: vinte, trinta ou mais mortos em cada manifestação, uma brutalidade inconcebível em outros lugares.  Ao contrário do roteiro habitual, porém, levaram a cabeça de um primeiro-ministro e estão tocando fogo nos intocáveis, incluindo consulados do Irã.  No próprio Irã, as notícias que atravessam a cortina de silêncio digital são estarrecedoras. Centenas de agências bancárias e sedes de órgãos públicos incendiados, o aiatolá supremo xingado de ditador, uma fúria explosiva contra um regime supostamente inexpugnável.
Nessa desconcertante onda de protestos em lugares tão diferentes, por motivos tão diversos, os manifestantes de Hong Kong conseguem um lugar único.

Em nenhum outro lugar as reações são tão ágeis, tão antenadas com os tempos atuais, levando a criatividade dos memes da internet para as ruas com o espírito irônico que define tão perfeitamente o zeitgeist, o espírito cambiante da nossa era.
Enquanto jornalistas americanos e seus copiadores espumavam de raiva com o tuíte em que Donald Trump colocou a própria cabeça sobre o corpo de Rocky Balboa, o lutador interpretado por Sylvester Stalone, um raríssimo caso  de ator trumpista, manifestantes de Hong Kong transformaram o lobisomem em cartaz.

Produziram talvez a melhor imagem dos últimos e agitados tempos. Tem uma leitura imediata e inconfundível, típica da trolagem digital: Trump é mais forte, seus comunistas babacas. E muitas outras camadas de interpretação.  No sentido mais amplo, mostra como a batalha do futuro está sendo travada no presente de Hong Kong.  É uma batalha híbrida, com violência relativamente contida, em especial se comparada ao quebra-quebra de países até recentemente ordenados como o Chile.

Os dois lados usam a última palavra em tecnologia – obviamente, com os representantes do estado, e de um estado como o da China, tendo a preponderância avassaladora de recursos.  Inclusive para influenciar a opinião pública com exércitos virtuais que apresentam os protestos como uma gravíssima ofensa à pátria.  A tática padrão é explorar os sentimentos nacionalistas e a divisão, muitas vezes não declarada, entre chineses propriamente ditosos que falam mandarim e veneram devidamente os supremos líderes e os de Hong Kong, que falam cantonês e inglês e se consideram mais sofisticados.
Mas o pessoal que vai para a rua tem seus truques.
“A cidade se transformou num campo de batalha pós-moderno, onde manifestantes mascarados esgrimem redes sociais e lasers para escapar da polícia encouraçada e da tecnologia de reconhecimento facial movida a inteligência artificial”, resumiu o colunista americano Matthew Continetti.

O Trump saradão foi uma homenagem ao presidente americano por assinar dois projetos de lei em apoio aos direitos humanos em Hong Kong. Exatamente os projetos que a oposição antitrumpista dizia que ele nunca, jamais, em tempo algum endossaria.  Quando, pela milionésima vez, contrariou os prognósticos, foi ignorado nos Estados Unidos, mas aclamado em Hong Kong.  Qual a melhor forma de, não só agradecer, como irritar o regime comunista chinês? 
Trump como Rocky Balboa, claro.
E, para trolar mais um pouco, cantar de novo o hino nacional americano. 
Dá para sentir as vibrações de alta cúpula chinesa espumando de raiva, igualzinho os jornalistas americanos que odeiam Trump mais do que tudo. 

USA, USA”
É claro que o pessoal do enclave rebelde sabe que Trump tem uma posição dúbia. 
Aliás, ele e muitos outros prefeririam que esse negócio de Hong Kong fosse resolvido logo para não atrapalhar “o negócio”, o que verdadeiramente interessa, com a China.
Mas Trump segurou seus instintos e os manifestantes de Hong Kong reagiram à altura. É claro que não existe uma “taça do mundo” para os melhores protestos. 
Mas é claro também que todo mundo compara, nem que seja inconscientemente, tudo o que está acontecendo, em especial a onda de manifestações.

(.....)

A tática do regime chinês de deixar que a vida seja transtornada constantemente no enclave também não tem dado certo.  O apoio da maioria da população aos protestos ficou claro. Na eleição da semana passada para o conselho consultivo, um órgão sem poder decisório, mas cuja escolha acabou funcionando como pesquisa de opinião pública, a oposição ganhou em 17 das 18 regiões eleitorais.
Precisa desenhar, Xi Jinping? Se precisar, uma manifestante levou um pequeno cartaz com a bandeira americana e a frase: “Thank you, americans”.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Evo Morales passa a perna em Bolsonaro

Sem escala técnica


Se quisesse, Evo Morales, o primeiro indígena a presidir a Bolívia, poderia ter concedido asilo político ao ex-terrorista italiano Cesare Battisti, condenado à prisão perpétua em seu país pelo assassinato de quatro pessoas. Mas ele não quis.
Morales sabia que Battisti estava em algum ponto da Bolívia desde que no dia 14 de dezembro último o presidente Michel Temer assinara decreto mandando extraditá-lo para a Itália. No dia 18 daquele mês, Battisti pediu por escrito asilo à Bolívia.

Alegou que fugira da Itália onde se considerava um perseguido político, e depois da França e do México pelas mesmas razões. Fora protegido aqui por Lula. Uma vez que corria o risco de finalmente ser devolvido à Itália, implorava a graça de Morales.
Quem pode mais, pode menos. Pela lei bancada por ele mesmo, Morales só poderia governar a Bolívia por dois mandatos consecutivos. Mas ele quis o terceiro e conseguiu contra a vontade da maioria dos eleitores. Agora, quer o quarto e deverá obtê-lo.

Ao entregar Battisti ao governo de direita da Itália, Morales reforça seus laços com a Comunidade Econômica Europeia, ao mesmo tempo em que fica bem com o recém-instalado governo de direita do Brasil. De resto, faturou sozinho o seu gesto, dado um drible em Bolsonaro.  Caçado pela Polícia Federal, Battisti foi preso em Santa Cruz de La Sierra por uma equipe de policiais italianos e bolivianos sob o manto da Interpol. Bolsonaro tudo fez para que o avião que levaria Battisti de volta à Itália fizesse uma escala técnica em Brasília.

Haveria, assim, oportunidade para fotos. [haveria também para que um oficial de justiça entrasse em cena com uma ordem judicial para manter Battisti em território brasileiro até que a Justiça do Brasil  DECIDISSE se todos os direitos humanos, fundamentais, virtuais, etc, do terrorista estavam sendo respeitados - direitos demais para bandido, atrapalha.] E o governo brasileiro deixaria suas impressões digitais no ato de aprisionamento de Battisti. Mas aí foi o governo italiano que não topou. Limitou-se a agradecer a colaboração do nosso, que não houve. E tocou adiante.


Blog do Noblat - Veja

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

FINDOMUNDISTÃO – STF declara ilegais os respectivos mandatos de Dilma, de 27 governadores, de 513 deputados, de 81 senadores…



Ah, leitor! Ah, leitor! Você sabia que, segundo o Supremo Tribunal Federal, a corte constitucional brasileira, estamos sendo governados por uma presidente ilegítima, por 27 governadores ilegítimos e por pelo menos 5.570 prefeitos igualmente ilegítimos? Além, é claro, da ilegitimidade de 513 deputados, 81 senadores, e, por óbvio, prefeitos, vereadores e deputados estaduais igualmente usurpadores? É, amiguinhos!!! Esse é o resultado objetivo, inescapável, indeclinável de um julgamento conduzido por nossa corte de notáveis, pela “crème de la crème” das lentes jurídicas brasileiras.

Se os oito ministros do Supremo que declararam ser inconstitucional o financiamento privado de campanha se levassem a sério; se eles levassem o país a sério; se levassem o tribunal a sério, teriam de declarar, que, por enquanto ao menos, somos governados por políticos ilegítimos, o que ilegítima, ora vejam, todas as suas decisões. O país iria para a breca, mas eles não passariam vergonha ao menos.

Estou sendo irônico? Não! Estou fazendo o que fazem os americanos. Estou fazendo o que fazem os franceses. Estou fazendo o que fazem os holandeses. Estou fazendo o que fazem os chilenos. Estou fazendo o que fazem os… bolivianos. Estou levando ministros da corte constitucional a sério. Ou será que faço mal?

Os nobres doutores decidiram que o financiamento de campanhas eleitorais por empresas é ilegal. Assim, é ilegal — e qualquer primeiro-anista de direito sabe disso — tudo aquilo que decorre da ilegalidade primitiva. “Pô, Reinaldo, mas não existe uma lei para esses casos?”

Ah, amiguinhos, existe: é a 9.868, de 10 de novembro de 1999. No seu Artigo 27, ela estabelece:  “Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.”

Entenderam? Isso é o que se chama “modular uma decisão”. Para que uma decisão seja modulada, é preciso contar com o voto de pelo menos oito ministros. O tribunal conta com 11. Joaquim Barbosa que não integra mais a corte e já votou — e Marco Aurélio Mello já se disseram contra a modulação.

Barbosa não está mais na corte, certo? Sobram dez ministros. Marco Aurélio já se declarou contrário. Restaram nove. Se os três que se opuseram à absurda proibição (e bastariam dois deles) se negarem a fazer a modulação, o STF estará declarando ilegais os mandatos de Dilma, dos 27 governadores, dos 5.570 prefeitos, dos 513 deputados, dos 81 senadores, de quase 60 mil vereadores e de todos os deputados estaduais.

Eis o fruto da sabedoria da OAB e dos ministros que tomaram tão sábia decisão. Por incrível que pareça, restou na conta justamente dos magistrados que entendem que a doação de empresas não é inconstitucional a tarefa de não jogar o país num buraco jurídico. Atenção! Dos oito ministros que tomaram a decisão estúpida, restam sete na corte. Um — Marco Aurélio — já disse que não modula. Assim, seis poderiam fazê-lo. Não satisfaz a exigência legal. São necessários dois daqueles três votos que disseram “não” à OAB.

É nessa hora que eu, Reinaldão, não serviria para a tarefa. Nessa hora, eu jogaria Mateus no colo de quem o pariu. “Ah, é? Vocês querem brincar com o perigo e depois jogam a conta de sua irresponsabilidade nas costas alheias?” Em que corte do mundo oito ministros de um grupo de 11 tomariam uma decisão que, se levada a sério, conduz o país a uma crise sem precedentes?

Há gente querendo cassar Dilma? Nem precisa! O STF já cassou. E, com ela, mandou para o buraco o mandato de 27 governadores, de 513 deputados, de 81 senadores, de 5.570 prefeitos, de quase 60 mil vereadores e de todos os deputados estaduais.
Nessas horas, eu realmente sinto vergonha de também ser bípede e não ter nem penas nem bico. Borat não foi capaz de imaginar como seria a corte do Findomundistão!

Por Reinaldo Azevedo