Análise Política
O sistema político-eleitoral brasileiro vem
organizado para impedir que o presidente escolhido na urna eleja com ele uma
maioria parlamentar partidária. O problema está na base da nossa crônica
instabilidade e de presidentes precisarem passar todo o mandato às voltas com a
ameaça de impeachment.
E está na raiz de o chefe do Executivo
precisar fazer concessões em série no orçamento e na ocupação de estruturas
ministeriais e empresas estatais, o que torna o governo potencialmente mais
vulnerável. E mais refém, portanto, do Congresso Nacional. E o círculo se
fecha. Teria como resolver, mas não há interesse.
Para manter o presidente no cabresto curto.
Eis por que de vez em quando os flutuantes
“partidos de centro” ganham o rótulo depreciativo de “centrão”, mas outra hora,
quando convém, é oferecido ao útil "centrão" renomear-se como
“partidos de centro”.
Uma maneira de resolver seria calcular as
bancadas dos estados na Câmara dos Deputados não pelos votos dados aos
candidatos a deputado federal, mas aos candidatos a presidente. E calcular as
bancadas nas assembleias legislativas pela votação dos candidatos a governador.
E nas câmaras municipais pela votação dos candidatos a prefeito.
Mas a simples menção à possibilidade de
presidentes terem maioria parlamentar partidária desencadeia por aqui
advertências apocalípticas sobre o risco de “populismo”, “cesarismo”,
“bonapartismo”. O Brasil deve ser o único país em que a dificuldade estrutural
de o chefe do Executivo formar maioria parlamentar é embalada como qualidade.
Mas, se esse problema é de difícil solução, há
outro caminho. Talvez seja saudável então aumentar o preço a ser pago pelos legisladores
em caso de impeachment. O modelo em vigor, aliás, prevê apenas estímulos ao
Congresso Nacional quando se trata de remover o presidente.
Estímulos especialmente aos presidentes das duas
Casas, que andam uma casa (sem trocadilho) para adiante na linha de sucessão. É mamão com açúcar.
Não é normal que a nossa "taxa de
mortalidade política” dos presidentes escolhidos na urna ande tão alta. Por
que, apenas por hipótese, não estabelecer que remover um presidente deve ser
decidido em última instância num referendo? Dando ao eleitor que colocou a
autoridade no palácio a última palavra.
Melhor ainda: por que não oferecer a esse
mesmo eleitor a possibilidade de decidir também sobre a dissolução do Congresso
Nacional e a convocação de novas eleições para o Legislativo federal?
Duas
perguntas na urna eletrônica em vez de uma. Um duplo recall. Querem
remover um presidente? Então que se ofereça ao eleitor a possibilidade de um
reset, ou um Ctrl+Alt+Del.
E o método deveria ser replicado nas assembleias estaduais e câmaras municipais.Há com certeza outras ideias. Uma que ensaia
voltar é o parlamentarismo, mas ele sofre de duas moléstias: 1) já foi
rejeitado em dois plebiscitos; 2) não é razoável achar que um presidente eleito
com 60 milhões de votos vá aceitar ser peça decorativa num governo comandado
por algum deputado ou senador só porque ele tem apoio nos pares.
Publicado na revista Veja de 16 de fevereiro de 2022, edição nº 2.776
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político