Cristina Graeml
Às vezes por pressa ou mesmo desinteresse não damos a devida importância para o que lemos ou ouvimos, mas este é o tipo de tema que não pode ficar à margem do noticiário ou de nossa atenção. Se não for pela gravidade da revelação, é preciso valorizar o assunto ao menos pelo lado bom. Regularização de terras para pequenos agricultores significa a superação de um problema histórico, a melhora na vida de milhares de famílias que vivem no campo, trabalhando em áreas que pertenciam à União e que antes eram ociosas. E ajudando a encher a mesa dos brasileiros que vivem nas cidades.
O assunto pode até parecer pouco interessante, mas nesses tempos em que tanto se fala de reformas fundamentais para destravar o Brasil (como a administrativa e a tributária) saber que a agrária, tão antiga, discutida por décadas e sempre deixada no fim da fila das prioridades está finalmente andando é um excelente indicador.
A parte boa da notícia
A notícia publicada na Gazeta do Povo na última segunda-feira (4) revela que só nos primeiros nove meses de 2021 o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), autarquia do governo federal, entregou quase 92 mil títulos de propriedade a produtores rurais que viviam em assentamentos.
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O número de regularizações de terra de janeiro a setembro deste ano já é cinco vezes maior do que no ano de 2016, o último antes da aprovação de uma lei que facilitou a regularização de terras sob domínio da União. De lá pra cá, o Incra vem conseguindo entregar mais e mais títulos de propriedade e pretende, até o fim do ano, transformar outras 40 mil famílias assentadas em proprietárias rurais.
Para um agricultor, acostumado a trabalhar duro, mas que vivia a insegurança de sequer saber se poderia deixar aquela terra para filhos e netos, ter o título de propriedade significa não só a tranquilidade de saber que pode investir no terreno sem correr o risco de perder tudo no futuro. É também a garantia de que poderá deixar uma herança para as novas gerações.
É um estímulo e tanto também para evitar o êxodo rural, a mudança dos jovens para as grandes cidades, o que sempre é um problema para o desenvolvimento da agricultura familiar, que tanto contribui para compor o carro chefe da economia brasileira. Sendo donas da terra, as famílias tendem a mandar os filhos para se formar numa universidade, mas normalmente para recebê-los de volta como engenheiros agrônomos, veterinários ou formados em outra profissão ligada à terra para manter a propriedade produtiva. É bom para todos, inclusive para o país.
MST contra a reforma agráriaAgora vem o lado ruim da notícia, mas não menos importante. O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) surgiu para pressionar governos passados a fazer avançar a prometida reforma agrária. Depois passou a ser usado como um braço de partidos políticos de esquerda, apoiando governos que, curiosamente, não priorizaram a entrega de títulos de propriedade.
Esse dirigente do MST disse mais: “Somos defensores de que o título de terras deve ser coletivo e não privado”, afirmando que o governo federal “quer acabar com a reforma agrária no Brasil”. Como assim, acabar? O governo está distribuindo títulos de propriedade, ou seja, fazendo a reforma agrária. Que discurso mais sem pé nem cabeça é esse?
Agricultores beneficiados pela reforma agrária denunciam MSTPequenos produtores rurais ouvidos pela reportagem disseram que lideranças do MST não têm interesse na concessão dos títulos aos assentados. O produtor rural David Barbosa chegou a afirmar que, apesar de os agricultores quererem o título de propriedade, no assentamento onde ele vive os integrantes do MST tentaram convencer todo mundo que não é positivo ter o título. Muitos se deixam convencer.
David conta que as pessoas ficavam em dúvida e que era comum ele andar no assentamento e ouvir agricultores dizendo que não queriam mais o título de propriedade da terra, o que não faz nenhum sentido. A intenção do MST é clara: manipular essas famílias, que tão logo viram donas da terra não dependem mais dos movimentos sociais, deixam de ser reféns desses grupos.
“O MST usava os assentados como meio de dominação política. Era um cabresto que tinha ali sobre as pessoas, sobre cada assentado. Então o título foi justamente a faca que cortou esse cabresto. Tivemos muitos embates com a militância do movimento por isso. Não conseguíamos desenvolver as atividades no campo, entendíamos que era preciso dar um passo à frente e o título iria ajudar no processo de produção e na venda das terras. Mas nós encontrávamos essa barreira: eles nunca se movimentavam para que isso acontecesse”.
David Barbosa, agricultor
Em outra entrevista Elivaldo da Silva Costa, presidente da Associação dos Pequenos Produtores do Assentamento Rosa do Prado, no município de Prado (BA) contou que o MST tinha benefícios ao manter o controle dos assentamentos e por isso não tinha interesse na regularização das terras e na concessão dos documentos de propriedade.
Elivaldo também revelou que os agricultores precisavam trabalhar um dia por semana nas roças dos líderes do movimento, eram proibidos de votar em candidatos que as lideranças não aprovassem e eram coagidos a participar de passeatas e manifestações políticas convocadas pelos líderes.
E denunciou, ainda, que as terras do assentamento onde ele trabalhava eram sublocadas para fazendeiros e que o dinheiro não retornava em benefícios para os assentados. Isso se chama exploração de mão de obra e de mentes.
“A gente não tinha direito sobre nossa propriedade, eles é que mandavam nos nossos lotes, nas nossas vidas, em tudo. Quando o MST começou a ocupar e viu que o negócio era lucrativo, decidiram retardar esse objetivo, que era organizar a documentação e chegar ao projeto de assentamento.”
Elivaldo da Silva Costa, presidente da Associação dos Pequenos Produtores do Assentamento Rosa do Prado, em Prado (BA)
“Ter os títulos das suas terras era uma vontade popular dos assentados nas áreas de reforma agrária. Mesmo assim, vimos famílias morrerem sofrendo, sem essa documentação, sem ter o que era seu por direito”.
A Gazeta do Povo tentou contato com a direção do MST na Bahia para comentarem a respeito dos fatos apontados na matéria, mas não teve retorno. A reportagem completa pode ser lida aqui.
Gabriel Setrem, o repórter que levantou essa denúncia, tem recebido outras de assentados de várias partes do Brasil, que vem sendo até ameaçados por insistirem em lutar por títulos de propriedade. Em breve teremos mais notícias sobre o MST que não quer reforma agrária.
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Cristina Graeml, colunista - Gazeta do Povo - VOZES
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