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quinta-feira, 20 de julho de 2023

'Deixou de ser surpreendente ver infartos em pessoas de 30 e 40 anos. A história mudou', diz cardiologista -O Globo

O cardiologista Álvaro Avezum, do Hospital Oswaldo Cruz, está acostumado a ouvir uma cantilena de justificativas dos pacientes que chegam aos seus cuidados
Uns dizem que saúde vai mal porque é preciso trabalhar muito para acumular patrimônio rápido, ou então que não há onde fazer refeições balanceadas, daí a opção por alimentos com baixo valor nutricional.  
Há ainda os que fumam, alguns que não controlam o peso. 
Também aparecem os que não tomam conta do volume do estresse diário, entre outras derrapadas na cartilha de autocuidado.

O especialista explica que a vida regrada, embora pareça uma conversa pouco original, é justamente o atalho para anos bem vividos e para manter distância de problemas cardiovasculares sérios (leia-se infarto e o acidente vascular cerebral, o AVC, para ficar em dois exemplos). Único especialista brasileiro no recente estudo internacional, com 80 países, que avaliou os seis grupos de alimentos úteis para ficar longe do risco de doenças cardiovasculares, afirmou ainda que a pesquisa é importante para munir os brasileiros de informação. Conhecer, inclusive, os próprios indicadores de saúde é um caminho para ficar longe de complicações sérias, ele defende. 

Veja os melhores trechos da entrevista:

O que há de novo neste estudo internacional que determina os alimentos cuja falta está associada à piora de doenças cardiovasculares?

Sempre há alguma novidade em termos de dietas o que pode comer e não pode, o que leva a muitas dúvidas e incertezas para a população. Veja, até havia algumas informações de outros países, mas não necessariamente aplicadas à nossa realidade. 
Agora temos uma análise com representação da América do Sul e, claro, do Brasil. 
O foco do estudo foi justamente avaliar o que já é consumido de saudável pelas pessoas, assim elas não ficam confusas. Faz bem o consumo de frutas, vegetais e legumes, peixes, castanhas e laticínios integrais. E sobre o carboidrato, te digo: quanto mais, pior. 
 
Quais fatores são determinantes para desenvolver um quadro sério de doença cardiovascular?
Focando em infartos, AVC e insuficiência cardíaca, temos dez fatores que são responsáveis por 90% dos casos. São eles: 
- falta de prevenção e controle de pressão arterial, 
- obesidade abdominal, cigarro, baixa força muscular, diabetes, -    
- alimentação pouco saudável, baixa escolaridade, sedentarismo, colesterol e depressão. 
Repare que a maior parte dos fatores dizem respeito à prevenção e nós já sabemos do quê. Parece algo simples? Porque é. 
Quanto mais você estiver longe de pontuar nesses fatores negativos, mais distante você estará de ocorrências sérias. 
 
Como a baixa escolaridade afeta a saúde do coração?
Independente da qualidade do ensino em cada país, em estudos assim avalia-se a quantidade de anos que a pessoa passou na escola. Esse gradiente passa entre baixa escolaridade — os não alfabetizados ou com menos de quatro anos na escola — em comparação com quem tem nível superior. 
Esse fator interage com outras variáveis (como hipertensão e tabagismo), mas podemos considerar que esse individuo com baixa escolaridade pode entender menos o que é a prevenção, ou ter menos adesão terapêutica. São pessoas que podem estar sem o poder da informação para cuidar da própria saúde, portanto, vulneráveis aos eventos graves e à mortalidade. É algo bem sério. 
 
Como a displicência dos pacientes afeta o desfecho negativo dos quadros?
Aqui no Brasil, após o infarto, somente 30% dos pacientes que tiveram alta faz uso de aspirina (medicamento usado como anticoagulante) no caso da sinvastatina (para reduzir o colesterol), não chega a 10%. 
A adesão terapêutica é sim um problema, tem gente que acha que quando não está sentindo nada, não precisa tomar medicamento. Como se fosse uma dor de cabeça, só toma quando há problema. 
Temos que dizer às pessoas com pressão alta que mesmo não sentindo nada, elas terão que tomar remédio a vida inteira. 
É preciso explicar a essas pessoas que mesmo sem os sintomas, seguir com aquele remédio fará com que elas vivam mais e melhor. 
 
Falta empoderar o paciente com as informações que nós médicos temos. Nem todo mundo que conhece o tratamento segue à risca e quem não está informado seguirá menos ainda. Isso é algo muito sério. A cardiologia precisa ter a mesma visão em que há no câncer.  
Quando alguém recebe um diagnóstico oncológico, ele segue o tratamento, tem pavor em não segui-lo. E infarto e AVC tem maior mortalidade que muitos tumores, e a pessoa pega leve. Há uma visão muito pueril, muito adolescente sobre as doenças cardiovasculares. 
 
As doenças do coração estão rejuvenescendo?
Na minha época de residente, há uns 35 anos, o infarto era da quinta e sexta década da vida. O AVC, na sexta e sétima década
Quando a gente via um infarto em pessoas de 30 e poucos anos, chamávamos os colegas para ver o que estava acontecendo. 
Agora, isso deixou de ser surpreendente. A história mudou, há infartos nos 30 e 40 anos e AVC nos 40 e 50. A doença cardiovascular foi antecipada. A alteração do perfil de risco mudou. A população está colocando os pés nos fatores de risco antes. Estou falando de alimentação não saudável e do sedentarismo, mais prevalentes.  
E não subestime, também há impacto da forte carga estressora das profissões. 
Basta olhar nas escolas e faculdades o numero de jovens tomando ansiolíticos e antidepressivos. Nos colocamos num estilo de vida tóxico.
A vida contemporânea encaminha a gente pra justamente deixar esse equilíbrio de lado
 Ah, espera ai. A vida empurra ou a gente faz essas escolhas? 
Também escolhemos essa vida. Nessa rotina atual vamos entrar em rota de colisão (com a saúde) mais cedo que esperávamos? 
Sim. Você quer entrar em rota de colisão? Não. Então vai ter que mudar. Lógico que a mudança não acontecerá num estalar de dedos. É preciso topar a jornada.

O risco de doenças cardiovasculares é diferente para homens e mulheres?
Hoje a prevalência da hipertensão assola os dois sexos. O estilo de vida das mulheres hoje, comparado há 30, 40 anos, mudou para pior. O risco está empatando com o a gravidade para o homem. A prevalência de hipertensão é ligeiramente maior neles, mas na passagem da menopausa, você começa a ter similaridade na possibilidade de agravamento cardiovascular para ambos. Isso porque há uma alteração hormonal, que faz as mulheres terem mais gordura abdominal. Há ainda maior sedentarismo, estresse e depressão o que aumenta o risco de agravamento de doenças. É um tempo da vida que requer uma atenção maior para elas.

O Hospital Oswaldo Cruz tem um novo centro de ciência da longevidade. Quais são os fatores decisivos para viver muito?
Quando falamos de ciência da longevidade não estou falando só de aumento de anos de vida, mas de mais anos com qualidade. 
Anos de vida com qualidade significa menor ocorrências cardiovasculares, de câncer, menor ocorrência de doença respiratórias e neurológicas. É a compressão da morbidade. Aliado a isso, é importante retardar ou prevenir a ocorrência de déficit cognitivo. 
Podemos considerar ainda a saúde mental e a saúde espiritual, que envolve, por exemplo, a disposição ao perdão, propósito e a disposição com a vida. 
Por fim, há determinantes sociais que tem a ver com escolaridade e renda. Tudo isso influencia na longevidade.

Ser espiritualizado ajuda em tratamentos, mas a ausência de espiritualidade pesa pro lado negativo?
Sem dúvida. Quando falamos, porém, em espiritualidade, cada uma analisa com seu viés. Aqui consideramos os valores morais, mentais, emocionais que todos têm. Que norteiam o que pensamos e nossas atitudes. Como lidamos a gente mesmo e com os outros. Para chegar a essas conclusões avaliamos coisas passíveis de observação e de mensurar. Usamos questionários aprovados sobre, por exemplo, altruísmo e propósitos de vida. 

Ou seja, indivíduos que tem proposito, satisfação com a própria vida, disposição ao perdão, gratidão e integração social, viverão melhor. A ausência disso vai na direção oposta.

Medicina - Saúde - O Globo


sábado, 1 de abril de 2023

Picanha sim, gado não? - Percival Puggina

Ideologias são muitas. As mais radicais causam enfermidades psicológicas e geram indivíduos “sem noção”; grandes absurdos e grandes horrores têm nelas suas origens. 

Recentíssimo exemplo de uma dessas enfermidades foi proporcionado pelo presidente da “Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos” Apex, ou ApexBrasil. 
 O ex-prefeito de Rio Branco, ex-governador do Acre e ex-senador Jorge Vianna participou do Fórum Brazil-China Business (aquele a que Lula compareceria se não adoecesse novamente às vésperas do evento).  Coisa grande, portanto.
 
Nessa ocasião, na condição de encarregado de promover as exportações e investimentos brasileiros perante o principal importador de nossas commodities, o presidente da Apex abriu a cartilha petista sobre o tema ambiental. 
Esse novo catecismo da religião ambientalista entrou em vigor tão logo o Congresso Nacional retirou Dilma da presidência da República.
Com o léxico esquerdista na ponta da língua, passou a atacar o agronegócio vinculando-o ao desmatamento da Amazônia.  
Creiam, para nossa sorte, os chineses certamente estavam mais interessados em tratar com os empresários presentes do que na fala do acreano ex-quase-tudo.
 
Aqui em Porto Alegre, o amigo jornalista Cléber Benvegnu comentou o fato na Rádio Bandeirantes aplicando, àquele merchandising às avessas, o diagnóstico correto: tara ideológica. Mas é bem isso! 
É uma compulsão que derruba a razão, faz desrespeitar o órgão que preside porque não há no mundo dos negócios brasileiros de exportação produtos mais relevantes que os do agro; e o Brasil não tem importador maior do que a China.

No entanto, o embaixador das exportações brasileiras, com dados de uma cartilha dodói da cabeça, que vê o ser humano que não seja de esquerda como inimigo da natureza e da humanidade, para alegria dos europeus, liga o desmatamento da Amazônia ao agronegócio brasileiro.

Não veem a própria incoerência: comem picanha e bebem cerveja. Em campanha eleitoral garantem disponibilizar seu consumo a todos... Mas são contra a criação de gado e as lavouras de cevada
- querem que todos comam aves e suínos, desde que cereais e rações não sejam produzidos na escala necessária. Não perca seu tempo tentando entender.

Quanto ao agente chefe da nossa agência de promoção de exportações, vem a pergunta: recebeu a merecida carta de demissão no saguão do aeroporto, ao retornar ao Brasil? Não! Vai receber? Não! Nessa coisa lamentável que chamamos política, o Estado e suas instituições têm razões que, em situação normal se diria próprias de mentes perturbadas.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

domingo, 2 de outubro de 2022

A esquerda ama as igrejas evangélicas – desde que elas fiquem caladinhas - Gazeta do Povo - VOZES

Guilherme de Carvalho

Intolerância religiosa

Li a cartilha da editora Kaleo para a Assembleia de Deus de Santa Catarina, inteira, antes de ler o chilique jornalístico do The Intercept, publicado em 20 de setembro. E sigo me perguntando se a redação desse grande jornal foi instalada no planeta Terra ou pelo menos aqui perto, na Lua.

Site The Intercept publicou fortes críticas à Assembleia de Deus por cartilha que reafirma princípios cristãos às vésperas da eleição. -  Foto: Unsplash

O que defende a “cartilha raivosa” dos crentes catarinenses, como a rotularam os autores da pérola jornalística? Em essência, coisas de crentes. Coisas que se ouvem (em versões incultas, concedo) nos corredores das igrejas, em seus grupos on-line e em suas casas: que o marxismo é ateísta, que o todo com as partes sabidamente doentes do PNDH-3 foram coisa de Lula et caterva, que a revolução sexual é incompatível com a religião cristã, que a cultura do movimento LGBTQIA+ é incompatível com a religião cristã, que segundo a Bíblia Deus criou homem e mulher e o gênero não pode ser separado do sexo biológico –, que o feminismo ajudou a aumentar o número de divórcios, que o divórcio deve ser combatido, que a esquerda tende a descurar, quando não destruir ativamente, a instituição familiar etc.

Ademais, essa perspectiva geral sempre foi ensinada, de um jeito ou de outro, em todas as grandes igrejas, e alguns dos pontos acima são ensinados até mesmo por aquelas igrejas mais modernizadas e abertas a alguns valores progressistas. Então, por que o chilique?

Porque isso pode afetar... as eleições, quem diria!


Não havendo incitação ao ódio a pessoas, nem à violência, nem à subversão da democracia, as igrejas estão no seu direito. Os pastores estão no seu direito. As escolas dominicais estão no seu direito, e os pais que mandam seus filhos para lá estão no seu direito

(...)

Mas suponhamos que eu esteja certo e a cartilha tenha errado a mão nesse ponto; nada muda, absolutamente. A Igreja Católica há séculos desenvolve a sua doutrina social, revisando e refinando suas posições, e já condenou tanto o marxismo ateu quanto o capitalismo laissez-faire.  
A Doutrina Social da Igreja trata a família como célula básica da sociedade, e condena todos os pecados que o Intercept costuma celebrar. Como eu já mencionei antes e insisto, toda igreja tem o direito de ensinar a sua doutrina àqueles que quiserem ser seus membros, e os pais têm o direito de dar a seus filhos a educação religiosa e moral de sua preferência. Não havendo incitação ao ódio a pessoas, nem à violência, nem à subversão da democracia, as igrejas estão no seu direito. Os pastores estão no seu direito. As escolas dominicais estão no seu direito, e os pais que mandam seus filhos para lá estão no seu direito.

E aí está a raiz da reportagem raivosa da Intercept: o que incomodou não foram os erros na cartilha dos crentes, mas os seus acertos. O documento que eles atacam rejeita ideias morais caras à esquerda.

(...)   

Consideremos o subtítulo da matéria, que vai direto no calcanhar de Aquiles da cartilha: associar o feminismo à zoofilia é mesmo demais. Mas e quanto à pedofilia? Também o seria, não fosse a própria Simone de Beauvoir uma defensora da descriminalização da pedofilia. Que azar, gente! Então, me pergunto: do que esses jornalistas estão reclamando? O trabalho deles não é entregar informação?
 
Algumas ideias merecem ser ignoradas, e algumas são tão ruins que merecem ser detestadas. Ora, ninguém tem de respeitar ideias que lhe parecem detestáveis

Reivindico, aqui, os meus direitos de cidadão e meus deveres de evangélico: a agenda moral da esquerda brasileira é detestável. Críticas desonestas contra a infeliz são dignas de toda a reprovação, mas poderia isso redimi-la da sua feiura natural? Não obstante a incompetência da crítica evangélica conservadora, a geringonça não vale um tostão.

Tivesse eu poderes para tanto, declararia aberta a temporada das cartilhas eclesiásticas! E pra já mesmo, a partir de segunda-feira. 
Que as igrejas formem comissões teológicas e componham suas cartilhas de doutrina social e política, para crianças, jovens, adolescentes, mulheres, homens e idosos. 
Que as igrejas leiam e discutam em seus grupos essas denúncias jornalísticas desesperadas, e exponham de casa em casa esses órgãos ideológicos metidos a magistério teológico.

E os cristãos não têm de respeitar as degenerações morais da esquerda brasileira

E, em vez de se infiltrar nas igrejas estabelecidas, a militância laicista pode dar um trato mais honroso ao seu recalque. 

Ela pode também plantar suas igrejas sem Deus, formar suas famílias sem biologia, fazer suas orações de punho cerrado, ensinar seus filhos a “amar” (pegar) todo mundo no fim de semana, e esperar alegremente o Sol, que é para todos, virar uma gigante vermelha e engolir a Terra, junto com sua utopia igualitária.

Mas enquanto não chega esse tão esperado dia, vamos honrar John Locke, John Stuart Mill, a nossa Constituição, e aprender a tolerar uns aos outros. Afinal, só Deus poderia curar nossas divergências; mas até nisso nós divergimos, não é?

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos

Guilherme de Carvalho, teólogo - Coluna Gazeta do Povo - VOZES