O cardiologista Álvaro Avezum, do Hospital Oswaldo Cruz, está
acostumado a ouvir uma cantilena de justificativas dos pacientes que
chegam aos seus cuidados.
Uns dizem que saúde vai mal porque é preciso
trabalhar muito para acumular patrimônio rápido, ou então que não há
onde fazer refeições balanceadas, daí a opção por alimentos com baixo
valor nutricional.
Há ainda os que fumam, alguns que não controlam o
peso.
Também aparecem os que não tomam conta do volume do estresse
diário, entre outras derrapadas na cartilha de autocuidado.
O especialista explica que a vida regrada, embora pareça uma conversa
pouco original, é justamente o atalho para anos bem vividos e para
manter distância de problemas cardiovasculares sérios (leia-se infarto e
o acidente vascular cerebral, o AVC, para ficar em dois exemplos).
Único especialista brasileiro no recente estudo internacional, com 80
países, que avaliou os seis grupos de alimentos úteis para ficar longe
do risco de doenças cardiovasculares, afirmou ainda que a pesquisa é
importante para munir os brasileiros de informação. Conhecer, inclusive,
os próprios indicadores de saúde é um caminho para ficar longe de
complicações sérias, ele defende.
Veja os melhores trechos da
entrevista:
O
que há de novo neste estudo internacional que determina os alimentos
cuja falta está associada à piora de doenças cardiovasculares?
Sempre há alguma novidade em termos de dietas o que pode comer e não
pode, o que leva a muitas dúvidas e incertezas para a população. Veja,
até havia algumas informações de outros países, mas não necessariamente
aplicadas à nossa realidade.
Agora temos uma análise com representação
da América do Sul e, claro, do Brasil.
O foco do estudo foi justamente
avaliar o que já é consumido de saudável pelas pessoas, assim elas não
ficam confusas. Faz bem o consumo de frutas, vegetais e legumes, peixes,
castanhas e laticínios integrais. E sobre o carboidrato, te digo:
quanto mais, pior.
Quais fatores são determinantes para desenvolver um quadro sério de doença cardiovascular?
Focando
em infartos, AVC e insuficiência cardíaca, temos dez fatores que são
responsáveis por 90% dos casos. São eles:
- falta de prevenção e controle
de pressão arterial,
- obesidade abdominal, cigarro, baixa força muscular,
diabetes, -
- alimentação pouco saudável, baixa escolaridade, sedentarismo,
colesterol e depressão.
Repare que a maior parte dos fatores dizem
respeito à prevenção e nós já sabemos do quê. Parece algo simples?
Porque é.
Quanto mais você estiver longe de pontuar nesses fatores
negativos, mais distante você estará de ocorrências sérias.
Como a baixa escolaridade afeta a saúde do coração?
Independente
da qualidade do ensino em cada país, em estudos assim avalia-se a
quantidade de anos que a pessoa passou na escola. Esse gradiente passa
entre baixa escolaridade — os não alfabetizados ou com menos de quatro
anos na escola — em comparação com quem tem nível superior.
Esse fator
interage com outras variáveis (como hipertensão e tabagismo), mas
podemos considerar que esse individuo com baixa escolaridade pode
entender menos o que é a prevenção, ou ter menos adesão terapêutica. São
pessoas que podem estar sem o poder da informação para cuidar da
própria saúde, portanto, vulneráveis aos eventos graves e à mortalidade.
É algo bem sério.
Como a displicência dos pacientes afeta o desfecho negativo dos quadros?
Aqui
no Brasil, após o infarto, somente 30% dos pacientes que tiveram alta
faz uso de aspirina (medicamento usado como anticoagulante) no caso da
sinvastatina (para reduzir o colesterol), não chega a 10%.
A adesão
terapêutica é sim um problema, tem gente que acha que quando não está
sentindo nada, não precisa tomar medicamento. Como se fosse uma dor de
cabeça, só toma quando há problema.
Temos que dizer às pessoas com
pressão alta que mesmo não sentindo nada, elas terão que tomar remédio a
vida inteira.
É preciso explicar a essas pessoas que mesmo sem os
sintomas, seguir com aquele remédio fará com que elas vivam mais e
melhor.
Falta empoderar o paciente com as informações que nós médicos
temos. Nem todo mundo que conhece o tratamento segue à risca e quem não
está informado seguirá menos ainda. Isso é algo muito sério. A
cardiologia precisa ter a mesma visão em que há no câncer.
Quando alguém
recebe um diagnóstico oncológico, ele segue o tratamento, tem pavor em
não segui-lo. E infarto e AVC tem maior mortalidade que muitos tumores, e
a pessoa pega leve. Há uma visão muito pueril, muito adolescente sobre
as doenças cardiovasculares.
As doenças do coração estão rejuvenescendo?
Na
minha época de residente, há uns 35 anos, o infarto era da quinta e
sexta década da vida. O AVC, na sexta e sétima década.
Quando a gente
via um infarto em pessoas de 30 e poucos anos, chamávamos os colegas
para ver o que estava acontecendo.
Agora, isso deixou de ser
surpreendente. A história mudou, há infartos nos 30 e 40 anos e AVC nos
40 e 50. A doença cardiovascular foi antecipada. A alteração do perfil
de risco mudou. A população está colocando os pés nos fatores de risco
antes. Estou falando de alimentação não saudável e do sedentarismo, mais
prevalentes.
E não subestime, também há impacto da forte carga
estressora das profissões.
Basta olhar nas escolas e faculdades o numero
de jovens tomando ansiolíticos e antidepressivos. Nos colocamos num
estilo de vida tóxico.
A vida contemporânea encaminha a gente pra justamente deixar esse equilíbrio de lado
Ah,
espera ai. A vida empurra ou a gente faz essas escolhas?
Também
escolhemos essa vida. Nessa rotina atual vamos entrar em rota de colisão
(com a saúde) mais cedo que esperávamos?
Sim. Você quer entrar em rota
de colisão? Não. Então vai ter que mudar. Lógico que a mudança não
acontecerá num estalar de dedos. É preciso topar a jornada.
O risco de doenças cardiovasculares é diferente para homens e mulheres?
Hoje
a prevalência da hipertensão assola os dois sexos. O estilo de vida das
mulheres hoje, comparado há 30, 40 anos, mudou para pior. O risco está
empatando com o a gravidade para o homem. A prevalência de hipertensão é
ligeiramente maior neles, mas na passagem da menopausa, você começa a
ter similaridade na possibilidade de agravamento cardiovascular para
ambos. Isso porque há uma alteração hormonal, que faz as mulheres terem
mais gordura abdominal. Há ainda maior sedentarismo, estresse e
depressão o que aumenta o risco de agravamento de doenças. É um tempo da
vida que requer uma atenção maior para elas.
O Hospital Oswaldo Cruz tem um novo centro de ciência da longevidade. Quais são os fatores decisivos para viver muito?
Quando
falamos de ciência da longevidade não estou falando só de aumento de
anos de vida, mas de mais anos com qualidade.
Anos de vida com qualidade
significa menor ocorrências cardiovasculares, de câncer, menor
ocorrência de doença respiratórias e neurológicas. É a compressão da
morbidade. Aliado a isso, é importante retardar ou prevenir a ocorrência
de déficit cognitivo.
Podemos considerar ainda a saúde mental e a saúde
espiritual, que envolve, por exemplo, a disposição ao perdão, propósito
e a disposição com a vida.
Por fim, há determinantes sociais que tem a
ver com escolaridade e renda. Tudo isso influencia na longevidade.
Ser espiritualizado ajuda em tratamentos, mas a ausência de espiritualidade pesa pro lado negativo?
Sem
dúvida. Quando falamos, porém, em espiritualidade, cada uma analisa com
seu viés. Aqui consideramos os valores morais, mentais, emocionais que
todos têm. Que norteiam o que pensamos e nossas atitudes. Como lidamos a
gente mesmo e com os outros. Para chegar a essas conclusões avaliamos
coisas passíveis de observação e de mensurar. Usamos questionários
aprovados sobre, por exemplo, altruísmo e propósitos de vida.
Ou seja,
indivíduos que tem proposito, satisfação com a própria vida, disposição
ao perdão, gratidão e integração social, viverão melhor. A ausência
disso vai na direção oposta.
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