Telegram abriga pornografia e venda de armas e é potencial ‘vilão’ das eleições
Ilegalidades em série
A preocupação, porém, vai bem além da questão eleitoral. O GLOBO mergulhou durante três dias no submundo de links secretos do aplicativo, mas precisou de poucas horas para conseguir acessar conteúdos como pornografia infantil, vídeos de tortura e execuções, apologia ao nazismo, comércio ilegal e uma rede de desinformação sobre vacinas.
Parte desses assuntos circula em grupos secretos, acessíveis apenas a quem encontra ou recebe os links de entrada. Como algumas publicações envolvem crimes, a linguagem é cifrada. Para não serem rastreados, o termo “CP” (child pornography) aparece geralmente simbolizado por emojis, a palavra “vacina” é escrita de ponta-cabeça, e “nazi” aparece com tipografias góticas, por exemplo.
Diferentemente do WhatsApp, em que os usuários não conseguem se conectar a grupos aos quais não são convidados, no Telegram esses espaços podem ser públicos desde que configurados para aparecer na ferramenta de busca do aplicativo — inexistente no concorrente. Essa possibilidade criou uma infraestrutura digital em que ambientes secretos podem ser acessados por qualquer usuário. Com capacidade para até 200 mil pessoas, esses locais funcionam como “tocas na superfície” com ligação a túneis mais profundos, onde criminosos agem.
Em grupos de vazamentos de nudes e vídeos pornográficos, por exemplo, é comum que administradores vendam acesso a salas VIP, alimentadas com conteúdo exclusivo. A comunidade de CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) e simpatizantes de armas são outro público assíduo de grupos secretos do Telegram. Em espaços que chegam a dezenas de milhares de pessoas, revólveres, fuzis, munição e acessórios bélicos são comercializados sem qualquer regulamentação.
Tortura e debocheConteúdos violentos fazem parte dessas comunidades. Vídeos de pessoas sendo torturadas e assassinadas são compartilhados em meio a comentários de deboche dos membros, que as identificam como “bandidos”.
Há grupos secretos em que os administradores comercializam cédulas falsas de dinheiro e dados pessoais por meio de programas automatizados. Neste caso, o membro digita o CPF da pessoa cujas informações ele quer obter, e um robô, associado a uma base de dados externa, as publica no grupo. O GLOBO acessou um grupo em que o administrador vende planos semanais, quinzenais e mensais para acesso a buscas mais robustas. O preço varia de R$ 30 a R$ 200.
O culto a Adolf Hitler, líder do Partido Nazista e ditador da Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial, também está a um clique de qualquer usuário do Telegram. Menores e mais pulverizados, grupos voltados a compartilhamento de material nazista, racista e antissemita são diversos. Existe, inclusive, um canal que cataloga os links de acesso a esses nichos secretos para disponibilizá-los aos simpatizantes. São listados às centenas.
Fundado em 2013 na Rússia pelos irmãos Nikolai e Pavel Durov, o Telegram funciona na nuvem e tem sede em Dubai. Nos últimos anos, mudou de jurisdição várias vezes para fugir de problemas regulatórios e garantir sua política de mínima moderação de conteúdo.
(............)A autodestruição de mensagens, os grupos secretos com até 200 mil pessoas, o anonimato e a ferramenta de busca interna são características, segundo Nascimento, que tornam o Telegram uma ferramenta poderosa para a atuação de criminosos. — O Telegram é um iceberg. O que está na superfície é 10%, 15% do que realmente existe de forma protegida. Após a Segunda Guerra a humanidade criou a ONU para legislar sobre guerras e direitos humanos. Vamos precisar também de uma ONU para as plataformas digitais.