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sábado, 20 de junho de 2020

Vai ter putsch? - Demétrio Magnoli

Folha de S. Paulo 

Cooptação em massa de oficiais da reserva ameaça fragmentar dique institucional
"Vai ter golpe?", indagou-me um amigo dileto pouco tempo atrás. Retruquei com uma negativa convicta: a geração atual de comandantes das Forças Armadas aprenderam com a história e não repetirão, como farsa, a tragédia de 1964. "Vai ter putsch?", meu amigo pergunta agora. Respondi-lhe com mais um "não", acompanhado por argumentos razoáveis. Contudo, pensando melhor, acho que perdi uma parte da paisagem. Putsch é um intento golpista fadado, de antemão, ao fracasso. No célebre Putsch da Cervejaria de Munique (1923), Hitler e seus seguidores não obtiveram o esperado apoio de setores do Exército ou da polícia da Baviera.

[sugiro ao ilustre articulista:
- ser mais elegante no trato com seus inimigos políticos - os bolsonaristas não são escória; 
- ser mais cuidadoso, ou mesmo respeitoso, ao considerar caminho para a corrupção estatal participar do atual governo.
O ex-deputado Márcio Moreira Alves é um exemplo de que o tratamento não cordial pode ter consequência. A citação ao parlamentar, já falecido é feita como exemplo e com o devido respeito.]

Mas aquela escória nazista, forjada no caldeirão fervente da derrota alemã na guerra europeia, mostrou-se disposta a combater e morrer de verdade. Já a escória de fanáticos bolsonaristas é feita do material lânguido fabricado pelas redes sociais. Deles, nada surgirá, exceto ameaças anônimas digitadas a distância ou fogos de artifício numa esplanada deserta.  A fuga de Weintraub rumo a uma bem remunerada diretoria inútil do Banco Mundial comprova, para quem ainda nutria dúvidas, que esses cachorros barulhentos não mordem. A parte que perdi da paisagem é outra. Até que ponto o bolsonarismo conseguirá limar a disciplina militar?

O fenômeno mais saliente é a ação ininterrupta das redes bolsonaristas nos quartéis. A cooptação de militares e policiais para a militância antidemocrática ganhou alento com as publicações de manifestos golpistas de altos oficiais da reserva e a difusão de mensagens dúbias oriundas dos generais do Planalto.  Contudo, paralelamente, desenrola-se um novelo menos visível, mas talvez ainda mais relevante: a militarização extensiva dos altos e médios escalões da administração pública federal. O Ministério da Saúde, ocupado de alto a baixo por militares, ilustra uma tendência generalizada. Nesse passo, generais e coronéis passam a desempenhar funções de intermediários de contratos e compras governamentais. Abrem-se, assim, de par em par, as portas para a incorporação dos militares no ramificado negócio da corrupção estatal.

Dinheiro, muitas vezes, pesa mais que ideologia. No Egito, Hosni Mubarak consolidou seu poder pelo loteamento do aparelho administrativo e das empresas estatais entre os comandantes militares. Quando o ditador tornou-se um fardo político pesado demais, o sistema ditatorial reciclou-se, substituindo-o por Abdel Fatah al-Sisi. Na Argélia, Abdelaziz Bouteflika operou de modo similar, entregando ao Exército as chaves da economia para estabilizar, por duas décadas, seu regime autoritário.

A ferramenta funciona à direita e à esquerda. Maduro não caiu porque, seguindo a receita cubana, transferiu às Forças Armadas os setores mais lucrativos de uma economia em ruínas: comércio exterior e distribuição de alimentos. Na Bolívia, prova inversa, Evo Morales nunca incluiu o Exército no jogo do capitalismo de estado, o que acabou decidindo seu destino. O Brasil não é o Egito, Argélia, Cuba ou Venezuela. Por aqui, não se verifica uma transferência das chaves da economia às Forças Armadas. A instituição militar segue separada do governo, circunscrita às suas missões profissionais definidas pela Constituição. Mas a cooptação em massa de oficiais da reserva para a administração pública, elemento do projeto de politização dos homens em armas conduzida pelo bolsonarismo, ameaça fragmentar o dique institucional.

Lá atrás, os generais estrelados cederam à ilusão de que seria possível conciliar o apoio político dos militares ao governo Bolsonaro com a preservação da neutralidade institucional das Forças Armadas. Hoje, quando se fecha o cerco judicial à subversão bolsonarista, a tensão entre esses objetivos incompatíveis atinge temperatura insuportável. Não vai ter golpe. Reúnem-se, porém, as condições para um putsch.

Demétrio Magnoli, jornalista - Folha de S. Paulo

terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Bolsonaro traiu sua “base raiz”, de generais, coronéis e delegados - Radar - VEJA


Por Evandro Éboli 

Ao manter juiz de garantias, presidente contrariou votos de seus aliados originais de campanha


Ao manter a figura do juiz de garantias no pacote anticrime, Jair Bolsonaro “traiu” seus mais fiéis seguidores da Câmara, aqueles que ostentam patentes e estão com ele desde, pelo menos, 2018.  O juiz de garantias foi votado à parte no plenário da Câmara, no chamado “destaque”, no último dia 4.

[Bolsonaro não traiu seus aliados ao não vetar o tal 'juiz de garantias';
sendo um político experiente, e os supostamente traídos sabem ser verdade, o presidente Bolsonaro é sabedor que optando pelo veto o mesmo seria derrubado e o Presidente ainda seria massacrado pela imprensa,sob o pretexto de não ter uma base, com o prejuízo adicional de produzir mais uma fonte de atritos com o Parlamento.

Optando por deixar o assunto com o Congresso e o Poder Judiciário,o presidente se livrou  do desgaste e deixou a 'bomba' com o STF - O ministro Toffoli, presidente do STF, deve negar ao longo da primeira quinzena de janeiro,  todos os pedidos de cassação do juizado de garantias, decisão da qual cabe recurso, que salvo caso fortuito, será apreciado pelo ministro Luiz Fux  - contrário ao instituto do  juizado  de garantias e que acolherá os recursos derrubando a decisão de Toffoli. (o ministro Fux assume a presidência do STF a partir do próximo dia 19 até o final do recesso.)]

Os favoráveis à sua criação venceram por 256 a 147. Bolsonaro ignorou esses 147 que votaram “não”. Nessa lista estão seus generais, coronéis, delegados e policiais, que integram sua base no Congresso. Mesmo os deputados dissidentes do PSL, partido que o elegeu e que abandonou, votaram em peso. Todos os 41 deputados do partido que compareceram em plenário, foram contra.

Nessa lista de “traídos” estão deputados muito próximos ao presidente, casos de Hélio Negão (PSL-RJ) e Marco Feliciano (Podemos-SP), da “cozinha” de Bolsonaro e presentes com frequência nas suas comitivas oficiais em viagens internacionais.

Tem ainda dois coronéis (Tadeu e Chrisóstomo), quatro delegados (Éder Mauro, Pablo, Antônio Furtado e Marcelo Freitas), dois capitães (Wagner e Augusto), um general (Peternelli)  e ainda policiais – da PM, civil e federais – e sargentos.
Todos esses cravaram “não” no painel eletrônico.


VEJA - Coluna Radar


quarta-feira, 24 de julho de 2019

O jogo bruto começou - Nas entrelinhas:

Nas Entrelinhas - CB

“O ataque frontal de Bolsonaro aos adversários na Bahia, o principal reduto de oposição ao seu governo, sinaliza uma estratégia para os demais estados do Nordeste”


A inauguração do Aeroporto Glauber Rocha, em Vitória da Conquista, ontem, pelo presidente Jair Bolsonaro, foi muito mais do que uma tentativa de consertar o estrago feito pelas declarações presidenciais desastradas da sexta-feira passada em relação aos nordestinos e aos governadores da região, em especial o do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB). Foi a largada de uma estratégia política eleitoral para a região, mirando as eleições municipais do próximo ano, por descuido revelada nas entrelinhas de seu comentário sobre o governador comunista.

Bolsonaro atropelou politicamente o governador da Bahia, Rui Costa (PT), que não compareceu à inauguração, em protesto por receber apenas 100 convites para uma festa que previa 600 convidados. Durante o discurso, porém, Bolsonaro tirou por menos. Disse lamentar que Costa não estivesse no evento e que não tem preconceitos em relação a partidos, mas que não aceita quem quiser “impor a nós o socialismo ou o comunismo”. Assim como o governador Rui Costa, o presidente da Assembleia Legislativa da Bahia, Nelson Leal (PP), também não participou da cerimônia em solidariedade a Costa. Além deles, a filha do cineasta baiano que dá nome ao terminal, Paloma Rocha, se recusou a ir ao evento.

Quem aproveitou a cerimônia, feliz como pinto no lixo, foi o prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM), que está no segundo mandato e foi muito paparicado por Bolsonaro: “Chamo de garoto porque você é muito mais novo que eu. Mais na frente, se Deus quiser, você ocupará a honrosa cadeira que ocupo”, declarou. A solenidade também contou com a presença do prefeito de Vitória da Conquista, Hélzem Gusmão, e desenhou a política de alianças de Bolsonaro na Bahia, o quarto colégio eleitoral do país, onde foi fragorosamente derrotado pelo petista Fernando Haddad em 2018.
A obra do aeroporto levou cinco anos para ficar pronta e custou R$ 105 milhões: R$ 74 milhões do governo federal e R$ 31 milhões do estadual. À margem da BR-116, a 10km do centro de Vitória da Conquista, seus voos comerciais atenderão 2,3 milhões de pessoas de 100 municípios vizinhos, baianos e mineiros. Os recursos federais foram obtidos por meio de emendas parlamentares, entre as quais as do senador Jaques Wagner, ex-governador petista que derrotou o grupo político do falecido senador Antônio Carlos Magalhães e ocupou seu lugar como principal liderança política do estado. Foi outro que não compareceu à festa governista.

Estratégia
O prefeito de Salvador, ACM Neto, atual presidente do DEM, é o principal aliado político de Bolsonaro na Bahia. O jovem político pavimenta sua candidatura ao governo do estado. Nas eleições passadas, sofreu grande desgaste ao desistir de disputar o governo do estado, sendo muito criticado pelos aliados por “desarrumar” as chapas de oposição ao PT no estado. O resultado foi tão desastroso que antigas lideranças da própria legenda, como o ex-deputado José Carlos Aleluia, acabaram sem mandato. Ontem, ACM Neto voltou a ser protagonista nas eleições baianas, mas tem um dever de casa a fazer: eleger o futuro prefeito de Salvador.

O ataque frontal de Bolsonaro aos adversários na Bahia, o principal reduto de oposição ao seu governo, sinaliza uma estratégia para os demais estados do Nordeste: “Eu amo o Nordeste, afinal de contas, a minha filha tem em suas veias sangue de cabra da peste. Cabra da peste de Crateús, o nosso estado aqui, mais pra cima, o nosso Ceará. Quem é nordestino aqui levanta o braço. Quem concorda com o presidente Jair Bolsonaro levanta o braço. Estamos juntos ou não estamos?”, bradou Bolsonaro para o público presente, que gritava “Mito!, Mito!”, como é chamado por seus partidários.

A fórmula será repetida em todas as inaugurações de obras programadas pelo novo governo para o Nordeste, a maioria iniciadas nos governos petistas e agora retomadas, principalmente as de infraestrutura, cuja atual política é uma herança do governo Michel Temer. A continuidade de obras e serviços é um valor importante na administração pública, mas isso não impede a narrativa de ruptura política com as gestões anteriores, que é uma marca registrada do governo Bolsonaro. Contraditoriamente, porém, a solenidade de ontem lembrou a política dos tempos dos coronéis, na qual a oposição era tratada a pão e água pelo governo federal. [oposição tem que ser tratada a pão e água ou seguir o exemplo do PSDB, partido de FHC (o inventor da CPMF.)]

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB