Há
muitas coisas incomuns nas atividades de Lula e nos negócios de seus filhos
A melhor coisa do Brasil é Lula, segundo Lula. “Se tem
uma coisa de que eu me orgulho neste país, é que não tem uma viva alma mais
honesta do que eu”, confessou o
ex-presidente a uma plateia de blogueiros aduladores.
Na
conversa, ninguém produziu uma tentativa de distinção
entre honestidade pessoal e honestidade política. Mas são conceitos
diferentes. No plano pessoal, o
julgamento da honestidade de Lula não cabe a ele —
e permanece em suspenso. No plano
político, provavelmente “não tem uma viva alma”
mais desonesta que ele “neste país”.
Um boneco
de FH com trajes de presidiário surgiu muitos anos atrás, carregado por
sindicalistas da área de influência de Lula. O precedente não torna menos
reprováveis os “pixulecos” que representam Lula em condições similares. Aquilo
que, nos tempos de oposição, o PT classificava como
parte da luta política legítima deve ser entendido como um elemento da
degeneração sectária de nossa vida democrática. Lula é inocente até que,
eventualmente, sua culpa seja provada no curso do devido processo legal. Mas, como disse Dilma Rousseff, o ex-presidente não está acima da lei e pode ser
investigado, tanto quanto qualquer cidadão.
Não
é, aparentemente, o que pensa o próprio Lula. Dias atrás, seu fiel escudeiro Gilberto Carvalho
denunciou uma suposta “politização” das investigações
que miram Lula e seus familiares. De acordo com ele, tudo não passaria de uma sórdida campanha destinada a impedir
a “volta
de Lula” no ano da graça de 2018. As declarações, altamente “politizadas”,
implicam uma grave
acusação contra o Ministério Público, que comanda as investigações, a Polícia Federal,
que as conduz, e o Poder Judiciário,
que as controla.
Carvalho, a voz
de Lula, está sugerindo que as três instituições operam segundo um ardiloso
plano político-partidário. É uma alegação paralela à de Eduardo Cunha — e
um sintoma de temor típico dos que têm algo a esconder.
Há muitas coisas
incomuns nas atividades de Lula e nos negócios de seus filhos. Quando um ex-presidente que continua a exercer influência decisiva no governo profere palestras patrocinadas
por empreiteiras condenadas no escândalo do petrolão e remuneradas em valores
extraordinários, emerge uma
natural desconfiança.
Quando os negócios de um de seus
filhos recebem impulso notável de uma empresa de telefonia beneficiada por alteração no marco regulatório decidida pelo
governo de Lula, algo parece fora de lugar. Quando
os negócios de outro filho se misturam aos de um lobista preso por corrupção, a coincidência solicita investigação. Lula é,
pessoalmente, desonesto? A
pergunta tornou-se razoável, mas uma resposta negativa carece de fundamento
e, antes de um processo, deve ser marcada com a etiqueta da calúnia.
A imputação de
desonestidade política, por outro lado, depende da
opinião pública e, em certos casos, do Congresso, não dos tribunais. O tema
pertence ao universo da ética e varia, no tempo e no espaço, ao sabor dos
valores sociais hegemônicos. Nas repúblicas democráticas contemporâneas, a sujeição do Estado a interesses políticos particulares e o
desvio de recursos públicos para fins partidários caracterizam a desonestidade
política. Nesse sentido, Lula é uma alma desonesta.
As provas estão à vista de todos, a começar da “entrevista” concedida aos bajuladores. A existência de blogueiros chapa-branca não é um problema, mas seu
financiamento com recursos de empresas estatais (a Petrobras, a
Caixa, o Banco do Brasil, os Correios) infringe o princípio da impessoalidade da administração
pública. A nomeação de diretores da Petrobras segundo critérios
partidários, conduta defendida por
Dilma, que está na raiz do petrolão, é uma forma de privatização do Estado.
O uso da
Petrobras como patrocinadora do Fórum Social Mundial, um encontro de
ativistas de esquerda simpáticos ao PT, faz parte da mesma classe de
práticas. Jaques Wagner nunca criticou tais iniciativas, mas reconheceu
que o PT “se lambuzou” no poder. Lula chefiou a farra dos “lambuzados”, assegurando para si mesmo um lugar de honra no
panteão de nossa “elite de 500 anos”.
“A curiosidade é condição
necessária, até mesmo a primeira das condições, para todo trabalho intelectual
ou científico”, escreveu
Amós Oz, acrescentando que “em minha
opinião a curiosidade é também uma virtude moral”. Uma
face ainda mais relevante, se bem que menos evidente, da desonestidade
política de Lula é seu esforço para, em nome de seus interesses políticos,
abolir a curiosidade do debate público brasileiro. Lula instaurou um paradigma nefasto na linguagem política que consiste em retrucar a qualquer crítica por meio de uma
acusação de preconceito dirigida ao crítico.
O argumento do interlocutor não
interessa. Ele critica para reagir à ascensão ao poder de um pobre que
conheceu a fome, de um operário metalúrgico filho de mãe [que nasceu] analfabeta. Ou para contestar a
competência da primeira mulher a chegar à Presidência. Ou,
alternativamente, com a finalidade de sabotar as
políticas de combate à pobreza, de inclusão dos negros ou de proteção aos
índios. O crítico é
intrinsecamente mau. Se não o for, está a serviço da elite, de ambições estrangeiras
ou de ambas. A linguagem política lulista,
um relevo inescapável na paisagem brasileira, espalhou-se
tão rapidamente quanto a dengue, as obras superfaturadas e o vício do crack. O assassino de nossa curiosidade é uma alma
desonesta.
Lula colhe os frutos da árvore
que plantou e, metodicamente, irrigou. Os fabricantes de “pixulecos” aprenderam a lição de
sectarismo que ele ensinou. Aceitaram a divisão do país segundo as linhas do
ódio político. Chamam-no de “ladrão”
e “bandido” para circundar o
caminho difícil do argumento. No país do impropério, do grito e da palavra de
ordem, identificaram a escada do sucesso. O
principal legado do lulismo é essa espécie peculiar de devastação ambiental.
Fonte:
Demétrio Magnoli é sociólogo