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sábado, 29 de julho de 2023

Estragar o IBGE, não vai. Mas pegou mal. - Carlos Alberto Sardenberg

Numa boa: se era para colocar o economista Marcio Pochmann no governo, a presidência do IBGE foi uma saída de pouco dano. Lá, o potencial de estragos é menor, quase nada.[além do mais, o IBGE - com HISTORIA, REPUTAÇÃO e TRADIÇÃO ilibadas e que esperamos não sejam  manchadas pela sua administração petista -  integra um ministério fraco , no qual está uma ministra fraquíssima - tanto que o atual presidente a chama de 'estepe' e usa um órgão do seu ministério como 'estepe']

Com todo o respeito que o IBGE merece, o fato é que lá não se formula nem se pratica política econômica. Trata-se de um órgão que pesquisa e elabora dados. Mede e calcula população, inflação, emprego, desemprego e renda, o Produto Interno Bruto, contas nacionais.

Mais: o IBGE tem tradição e estruturas consolidadas, além de um corpo técnico profissional e gabaritado.

Algumas pessoas levantaram hipóteses de manipulação dos dados, de modo a criar uma imagem mais favorável do país, beneficiando a propaganda do governo.

Por exemplo: martelar os índices de inflação, “produzir” números bem baixinhos, circunstância que favorece o governo de diversas maneiras. Ajudaria a pressionar o Banco Central para uma redução mais acentuada da taxa básica de juros.

Cristina Kirchner fez isso na Argentina. Maduro ainda faz na Venezuela. Aqui mesmo, já houve pressões sobre o IBGE; isso nos anos 80, governo Sarney, para mudar os métodos de cálculo da inflação. Não deu certo. Houve reações políticas e sociais, permitidas pelo ambiente democrático.

Mas, no tempo da ditadura, houve manipulação. Ao final do governo Médici, em 1974, o então todo-poderoso ministro da Fazenda, Delfim Netto, exibia crescimento econômico de milagre, com inflação moderada para a época, 12% ao ano, isso para 1973.

Muita gente desconfiava, mas como reclamar na ditadura?

Só de dentro do regime. Foi o que aconteceu no governo Geisel. Nomeado ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen, entre suas primeiras medidas, providenciou uma revisão da inflação de 1973: não havia sido de 12%, mas de 26,6%, um salto e tanto.

Não foi propriamente uma falsificação, mas um truque. Para conter as óbvias pressões inflacionárias, Delfim havia imposto um controle de preços. A Fazenda fixava os preços, digamos, oficiais, dos principais produtos.

E como sempre acontece nessas circunstâncias, o mercado continua funcionando. Ou seja, havia o preço da tabela e o real, maior, claro. O truque: considerar, na medida da inflação, os preços oficiais. [o truque ainda existe e está sendo aplicado; quem vai aos supermercados comprova que os preços estão sempre crescendo e bem mais do que os percentuais apregoados pelo DESgoverno do petista.]

Ocorre que se mediam também os preços reais, que ficavam no armário. Simonsen mandou abrir, e a inflação de verdade era mais que o dobro da oficial.Seguiu-se um debate entre os dois economistas, mas ficou claro, especialmente para a população, que 26% era o número. O Banco Mundial também fez uma revisão dos dados brasileiros e chegou a uma inflação de 22,5% para 1973. Era por aí.

Qual a chance de acontecer de novo? Zero.[respeitosamente discordamos, está acontecendo e os números e os fatos COMPROVAM,]

Imagine que o presidente do IBGE tente interferir na coleta de preços e cálculo do índice. Em menos de um dia o caso estará na imprensa. Será vazado por funcionários do instituto, zelosos de seu trabalho e sua moral.

Além disso, os índices do IBGE são acompanhados com lupa por centenas de analistas. Há economistas de banco cujo trabalho é adivinhar os números.

Nas consultorias, equipes especializadas até fazem coleta de preços essenciais, além de seguir o detalhe das pesquisas do IBGE, de modo a antecipar cenários para seus clientes.

Basta acompanhar o noticiário. Na véspera da divulgação de qualquer indicador importante, jornais e sites trazem as estimativas do mercado. E sempre bate, não na mosca, mas no alvo.

Tudo considerado, o mercado, os analistas, os jornalistas perceberão qualquer tentativa de manipulação.

Quer dizer, então, que a escolha de Pochmann para o IBGE não tem importância alguma?

Tem. Trata-se de um mau sinal. Indica que a ideia foi colocar um companheiro numa boa posição, mesmo ele não tendo o currículo e a expertise para o cargo.

Ele não interferirá na gestão da política econômica, como sugeriram pessoas ligadas à ministra Simone Tebet e ao ministro Fernando Haddad. Algo do tipo, deixa pra lá, mal não fará.

Mas pode fazer algum estrago administrativo ou técnico num órgão tão importante.

Mede-se um governo pelo que faz e pelo que não faz. Não mexer no IBGE seria melhor.

Sobretudo porque a mexida sugere que podem existir coisas piores em andamento.

Coluna publicada em O Globo - 29 julho 2023

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista  

 

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Estranha transação



A caixa-preta do setor elétrico começou a ser aberta


Pela primeira vez, Dilma se vê acusada de ‘desvio de verbas’: Queiroz Galvão diz que doou R$ 6,5 milhões à reeleição, por parceria bilionária com Eletrobras na Nicarágua
Pela primeira vez, Dilma Rousseff se vê acusada de participação direta num “esquema de desvio de verbas”. A denúncia foi registrada pelo Ministério Público, com base em informações apresentadas pela empreiteira Queiroz Galvão num acordo de leniência negociado com a antiga Controladoria-Geral da União, recém-convertida em Ministério da Transparência.

A partir dos dados oferecidos pela empreiteira, o procurador Sérgio Caribé pediu ao Tribunal de Contas da União uma devassa nas sociedades criadas pela Eletrobras no exterior. No caso da Nicarágua, escreveu Caribé citando o acordo de leniência, “a presidente da República teria intervindo nas negociações a favor da Queiroz Galvão, que, em contrapartida, teria doado R$ 6,5 milhões à sua campanha e ao diretório de seu partido”.

É um projeto bilionário negociado por Lula com Daniel Ortega, presidente da Nicarágua. Ex-guerrilheiro sandinista e reconhecido como cleptocrata, Ortega se tornou um dos políticos mais ricos da América Central. Aspira a uma dinastia — nomeou a mulher chanceler e os filhos “assessores de investimentos”.

Em julho de 2007, Lula e Ortega combinaram a construção de uma hidrelétrica (235 MW) que abasteceria 30% da Nicarágua. O projeto de Tumarín foi entregue à Queiroz Galvão. O gasto com obras estava previsto em US$ 800 milhões (R$ 2,9 bilhões). Um ano depois, o ministro das Minas e Energia, Edison Lobão (PMDB-MA), mandou a Eletrobras se associar à Queiroz Galvão. O custo, inexplicavelmente, aumentou em 50%, para US$ 1,2 bilhão (R$ 4,4 bilhões).

Problemas nicaraguenses e alguma relutância do corpo técnico da Eletrobras conservaram Tumarín no papel até março de 2014. Foi quando Dilma “interveio”, ordenando a participação da estatal. A procuradoria cita informações da própria empreiteira, em acordo de leniência, sobre a retribuição financeira na campanha de reeleição presidencial.

Auditores do TCU, a pedido do Ministério Público, passaram 12 semanas vasculhando os arquivos da Eletrobras. Relataram não ter localizado qualquer documento, além da “orientação ministerial”, sobre as razões da adesão da estatal à sociedade com a Queiroz Galvão. Não encontraram, também, registros sobre orçamento, projeto básico, análises de contratos, aditivos e relatórios de despesas, entre outros.

Registraram irregularidades “semelhantes àquelas já verificadas na operação Lava-Jato”, com sobrepreço “suficiente para permitir o pagamento de propina, tal como se apurou em relação às obras da Petrobras”. Uma delas foi o ingresso da Eletrobras em um negócio sem análise prévia de viabilidade econômica (a geração de energia em Tumarín terá custo 40% acima do padrão mundial, no mínimo). Outra foi um acordo de acionistas em que a empreiteira “sobrepõe seus interesses aos da Eletrobras, o que não pode ser tolerado”.

Constataram aumentos de 479% em preços de serviços; despesas milionárias “com propaganda” sem comprovação, e até um contrato em idioma desconhecido (o título, literalmente: “Serv de Ingenería y Consultoría Tec Especializada para lelaborac de los estúdios de viabilidade previa del PHY”). Semana passada o TCU suspendeu investimentos de US$ 100 milhões da Eletrobras na Nicarágua previstos para este ano.

A caixa-preta do setor elétrico começou a ser aberta.

Fonte: José Casado é jornalista – Blog do Noblat