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sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Criatividade jurídica - Merval Pereira

O Globo








Há anos, desde o julgamento do mensalão, advogados de defesa dos acusados de corrupção tentam manobras jurídicas para beneficiar seus clientes, o que é perfeitamente normal.  O então ex-ministro da Justiça, Marcio Thomas Bastos, foi o coordenador das manobras que pretendiam levar para a primeira instância da Justiça os réus do mensalão que não tinham foro privilegiado.

O relator Joaquim Barbosa defendeu a tese de que os crimes eram conectados, e os réus não poderiam ser separados, pois isso prejudicaria a narrativa dos fatos criminais que os envolveram. Sua tese foi vitoriosa, driblando uma tradição da Justiça brasileira de desmembrar os processos, e foi fundamental para a condenação da maioria dos envolvidos. Nos julgamentos do petrolão, diversas táticas foram tentadas pelos advogados de defesa, mas nos primeiros anos, com o apoio popular da Lava-Jato no auge, não houve ambiente para que teses diversas fossem aceitas.


Só recentemente, sobretudo a partir deste ano, passaram a ser aceitas teses que abrandaram a situação dos réus. Vários processos foram enviados para a primeira instância ou para a Justiça Eleitoral, prevalecendo o argumento, defendido por vários anos, de que a maior parte do dinheiro da corrupção não passava de Caixa 2, um crime eleitoral com punição mais branda. A prisão em segunda instância, cuja aprovação foi fundamental para impedir que os processos se eternizassem com os diversos graus de recursos, começa a ser contestada teoricamente pela mesma Corte que por diversas vezes a aprovou.

No julgamento que deverá acontecer ainda este ano, tudo leva a crer que a prisão em segunda instância será derrubada, com a mudança de voto do ministro Gilmar Mendes. O voto da ministra Rosa Weber, que é contrária à prisão em segunda instância, mas a vem acatando por representar a maioria do plenário até o momento, pode confirmá-la se entender que não é hora ainda de mudar a jurisprudência, que prevaleceu durante anos no STF. O presidente Dias Toffoli já propôs que a prisão possa ser decretada depois da condenação no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Coube a um experiente e criativo advogado criminalista, Alberto Toron, a maior vitória até agora, com a aceitação, pela Segunda Turma e ontem pelo plenário do Supremo, da tese de que os delatores transformam-se em “assistentes da acusação”, e, portanto, devem ser ouvidos antes do réu delatado, que fala por último no julgamento.  Como na legislação brasileira não há nenhuma determinação quanto a isto, pois a figura da delação premiada está em prática recentemente, sem que exista uma regulamentação para sua aplicação a não ser a própria lei que a criou, o advogado Toron tirou da cartola a tese que iguala os delatores à acusação.

Não é uma tese esdrúxula, pois vai ao encontro do conceito constitucional de ampla defesa do réu. Dias Toffoli deu o sexto voto pela anulação da condenação do ex-gerente da Petrobras Márcio Ferreira, que reclamou por apresentar alegações finais no mesmo prazo de seus delatores.  O ministro, no entanto, disse que, na próxima sessão, vai propor ao plenário uma forma de modular os efeitos da decisão, para definir se condenações passadas serão anuladas. Existem várias possibilidades na mesa. A Procuradoria-Geral da República defende que a regra só seja aplicada no futuro, o que evitaria anular condenações.

 O ministro Luis Roberto Barroso, que votou contra o habeas corpus, e se colocou contra a tese que acabou vencedora, aceitou a proposta do Ministério Público de que a ordem das alegações finais só valha a partir de agora, para evitar anulações generalizadas. É bastante improvável que essa tese prevaleça, pois, como alegou o ministro Alexandre de Moraes, não é possível acatar o habeas-corpus e dizer que ele não vale para o condenado cujo caso foi analisado. [se tratando do Supr3emo, em que cada caso é um filme de Alfred Hitchcock, tudo é possível - foi lá que surgiu o 'habeas corpus de ofício'.]

A ministra Cármen Lúcia, que na Segunda Turma já havia votado a favor da tese de que delatados devem apresentar alegações finais depois do delator, votou contra a anulação da condenação de Márcio Ferreira, pois, no caso concreto do ex-gerente da Petrobras, disse que não houve prejuízo à defesa, porque ela teve prazo complementar para rebater as acusações de seus delatores.  O mais provável é que o presidente do STF, Dias Toffoli, proponha que a regra só valha para os casos em que a defesa fez o pedido expresso de falar depois dos delatores ainda na primeira instância. A partir da decisão do STF, a ordem passa a ser essa.



Merval Pereira, jornalista - O Globo 


quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Criatividade da Segundona - Merval Pereira

O Globo

Segunda Turma foi criativa ao beneficiar Bendine

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal exerceu o direito de errar por último, como Rui Barbosa definiu ser prerrogativa do STF. Mas o Supremo é composto por 11 ministros, onze ilhas, na definição de Sepultada Pertence, “Os Onze” retratados com maestria pelo livro desse nome dos jornalistas Felipe Recondo e Luis Weber.

Portanto, os três votos que inovaram a interpretação da lei para anular o primeiro julgamento da Lava-Jato, usando uma criatividade que até o momento era atribuída apenas ao “direito de Curitiba”, na expressão jocosa do ministro Gilmar Mendes, não representam a opinião do pleno, e em algum momento o caso deverá ser enfrentado pelo conjunto do Supremo. Ou então a própria Segunda Turma, diante da má repercussão da medida na opinião pública, pode explicitar no acórdão que os efeitos da decisão só se produzem nos processos posteriores, não tendo efeito retroativo para os casos em que a defesa não alegou cerceamento em recurso ainda na primeira instância.

Essa interpretação de que os réus delatores são parte da acusação, e por isso o réu delatado deve ter o direito de se defender por ultimo, deve servir para basear pedidos de anulação de uma série de processos, pois nunca os juízes separaram delatores e delatados, sempre considerados réus igualmente. [a interpretação do inicio deste parágrafo só serve para criar um círculo vicioso e levar o julgamento para uma duração infinita.

A condição de os RÉUS delatores serem parte da acusação não elide o fato que também são réus e sendo réus terão o direito de se manifestar por último, levando a novo pedido dos delatados de serem os últimos e, por óbvio cada vez que for concedido ao delatado (réu)  o direito de falar por último, o delator (réu) vai requerer o mesmo direito.

Natural que os 'supremos' ministros, especialmente os integrantes do 'jardim do Eden' tem a solução para essa situação 'suprema' - esse aprendiz de escriba, só pensa em uma: prazo único e simultâneo para todos os réus - delatores e delatados - e, mesmo assim vai dar um rolo.]
A anulação com base nessa nova interpretação da Segunda Turma, porém, só seria possível em situações como a de Bendine, em que a defesa dos réus pediu que falassem depois dos delatores. [uma pergunta que não quer calar: conceder ao réus delatados o direito de falar por último, não estará cerceando a defesa dos réus delatores?] Os que assim fizeram, antes da primeira condenação, tiveram seus recursos negados pelo juiz de primeira instância, pelo TRF-4 e pelo STJ, e agora podem ser beneficiados.

Como salientei ontem, o advogado Cristiano Zanin não fez esse recurso no julgamento de primeira instância nos dois julgamentos em que Lula foi condenado, o do triplex, e o do sítio de Atibaia, mas tenta se aproveitar da nova interpretação no julgamento em curso do processo sobre o terreno do Instituto Lula dado pela Odebrecht. A decisão do juiz Luiz Antonio Bonat ainda não foi divulgada mas, como de praxe, ele deu aos réus o mesmo prazo, fossem delatores ou não. Como o julgamento não terminou na primeira instância, basta que o juiz que substituiu Moro siga a nova instrução do Supremo, refazendo essa parte do processo, concedendo à defesa de Lula o direito de ser a última a falar.

A única possibilidade de que a decisão da Segunda Turma atinja a todos os condenados seria mais uma interpretação criativa. Devido à controvérsia que a decisão causou, era provável que o recurso da Procuradoria-Geral da República fosse encaminhado pelo relator da Lava-Jato, ministro Edson Fachin, para decisão do plenário do Supremo. Foi o que ele fez, ontem à noite, usando outro processo. Será a única maneira de esclarecer se essa criatividade jurídica conta com o respaldo da maioria do STF. Se a Segunda Turma recebesse o recurso, dificilmente o resultado seria diferente. Pode até ser que a ministra Carmem Lucia, que surpreendeu a todos votando junto com Gilmar Mendes e Lewandowski, defendesse  a tese de que a decisão se restringe ao caso de Bendini. Os dois outros teriam interpretação diferente, provavelmente, e o resultado seria um empate de 2 a 2, que beneficiaria o réu.

O ministro Celso de Mello está internado, e provavelmente não retornará ao trabalho tão cedo. A defesa de Lula poderia se aproveitar dessa baixa na Segunda Turma para apresentar o recurso, alargando sua interpretação. Esta é a primeira grande derrota da Operação Lava-Jato no Supremo, pois resultou na anulação de uma condenação. As outras derrotas, como o fim da condução coercitiva, ou a contenção da prisão preventiva, foram superadas na prática do dia a dia. Agora, depois da divulgação de "diálogos" [????] entre Sergio Moro e Dallagnol, e entre os procuradores de Curitiba entre si, foram revelados detalhes pessoais dos investigadores que reforçaram uma rejeição que já havia latente em muitos dos ministros do Supremo, e expressada por outros, sendo o mais contundente o ministro Gilmar Mendes.

Mesmo que as conversas não revelem nenhuma irregularidade jurídica nas decisões tomadas, mostram uma faceta nada edificante das investigações. São questões morais que não deveriam interferir no julgamento, mas interferem.    Muitos atribuem a esse incômodo o voto da ministra Carmem Lucia.
Merval Pereira, jornalista - O Globo