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sábado, 16 de outubro de 2021

CPI da Covid: Testemunhas que passaram à condição de investigadas podem ter depoimentos anulado - Mariana Muniz

O Globo

Ala do STF e juristas avaliam que mudança prejudica o direito ao silêncio e entendem que validade do material pode ser questionada na Justiça 

A mudança no status de testemunhas que durante depoimento à CPI da Covid viraram investigados deve ser questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) e pode levar à anulação dessas oitivas. Essa é a percepção de alguns integrantes da Corte ouvidos reservadamente pelo GLOBO. Esses ministros entendem que a mudança de condição do depoente, de testemunha para investigado, altera as circunstâncias do direito à ampla defesa e ao silêncio.
 
A tese começa a prosperar entre investigados pela CPI da Covid, senadores governistas e juristas ouvidos pela reportagem, que apontam precedentes nos tribunais superiores para a mesma situação. A leitura do relatório final da CPI está marcada para o próximo dia 19.

A principal diferença entre prestar depoimento como testemunha ou acusado é que a testemunha deve dizer a verdade. Caso ela minta, está cometendo o crime de falso testemunho. Mas se é investigada, pode até ficar em silêncio e não precisa dizer a verdade. Outros interlocutores do STF entendem que depoimentos de pessoas que eram testemunhas e passaram à condição de investigados não devem chegar a ser anulados, mas o interrogatório não poderia ser usado para incriminar quem falou à CPI e passou a ser investigado por ela.

Ao longo da CPI, a mudança ocorreu, por exemplo, com o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU) Wagner Rosário, que após o depoimento à comissão, em setembro, deixou e de ser testemunha e passou a investigado. A alteração aconteceu após Rosário chamar a senadora Simone Tebet de "descontrolada". [imagine o quanto o Aziz, o Calheiros e o Rodrigues se consideram 'donos' da Covidão - bastava não gostar do dito por uma testemunha ( tipo o ministro da CGU chamar uma senadora que se comportava de forma agressiva de descontrolada) para dedo em riste, 'promover' a testemunha a investigada. 
Agora os 'donos' da Covidão vão começar a colher o que plantaram e perceberem o quanto lhes faltou inteligência.]

Em agosto, o advogado Túlio Silveira, da Precisa Medicamentos, também passou da condição de testemunha a investigado pela CPI durante o intervalo da sessão em que prestava depoimento. O mesmo ocorreu com o diretor-executivo da Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior, que passou da condição de testemunha para a de investigado após ser acusado pelos senadores de mentir em seu depoimento.  —  A questão jurídica reside no seguinte ponto: quando uma pessoa é intimada na qualidade de investigado, ela pode — e tem o direito constitucional de — ficar em silêncio; ou seja, de não produzir provas contra si mesma. Isso já está sacramentado nos tribunais, nas cortes brasileiras e na Constituição Federal: a pessoa não precisa fazer prova contra si. Quando ela é ouvida como testemunha, ela está obrigada a falar a verdade sob pena do delito de falso testemunho — , explica o advogado André Callegari, professor de Direito Penal Econômico no Instituto Brasiliense de Direito Público de Brasília (IDP).

Callegari afirma que o que pode levar à anulação dos depoimentos é o fato de as pessoas serem induzidas a prestar depoimentos como testemunhas. Portanto, foram intimadas nessa qualidade e posteriormente transformadas em investigados. — Se elas já soubessem de antemão que estariam sendo investigadas, provavelmente poderiam adotar a tese de ficar em silêncio e não produzir provas que pudessem levar à sua incriminação. Se elas são chamadas como testemunhas e depois transformadas em investigadas, me parece que há aí um problema que pode levar a uma anulação desses atos praticados pela CPI — , disse o advogado.

Para Celso Vilardi, advogado e professor do Curso de Pós-Graduação em Direito Penal Econômico na Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV), as oitivas de investigados, como se testemunhas fossem, é algo ilegal, que afronta não só a Lei, como a Constituição Federal. Por isso, considera que os atos podem ser anulados pelo Judiciário.

Já há precedentes sobre a mudança no status de testemunhas e investigados nas Cortes superiores. Em abril deste ano, o ministro Rogério Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), trancou um processo sobre o suposto crime de falso testemunho contra uma pessoa que prestou depoimento na condição de investigado, e não de testemunha.

"A regra é que a testemunha não tem o direito de ficar calada, todavia, quando esta é formalmente arrolada nessa condição, mas tratada materialmente como um investigado, também deverá incidir a garantia constitucional. Sem a comprovação do aviso do direito ao silêncio, nulo está o depoimento do paciente, e não há sentido em se admitir que ele possa ser processado pelo crime do art. 342 do Código Penal", entendeu Schietti.

Na decisão do STJ, o ministro também ressaltou que o direito ao silêncio é uma "garantia constitucional civilizatória", que reconhece a necessidade de o estado ter outras formas de obtenção de provas, independentemente da palavra do réu, para alcançar a verdade. — A mudança na condição do depoente pode, sim, levar à anulação do depoimento. A condição material de investigado, mesmo se ouvido formalmente como testemunha, impede que o “depoimento” incriminador seja utilizado contra ele, principalmente quando não houver expressa advertência do direito de permanecer em silêncio — , observa o advogado criminalista Ariel Weber.

 Veja também:Lira critica entidades que protestam contra PEC que reduz poder do MP: 'querem tumultuar' [a ausência do notório saber jurídico, característica que predomina no Blog Prontidão Total, nos impede o entendimento de  qual o motivo de quando o PL ou a PEC é voltada para o cidadão comum, quase sempre também contribuinte, ele não é ouvido. Aprovam e mandam o ferro. 
Já quando se destina mais aos MEMBROS de um Poder ou do MP, eles são ouvidos e caso não concordem o PL ou a PEC encalha. Ao que sabemos quem vota PL, PEC é o Congresso Nacional - membros do MP, do Poder Executivo ou Judiciário não votam. 
Deputado Lira cumpra seu dever, paute a votação da PEC e cumpra o pautado.]

O Globo - Política

domingo, 29 de setembro de 2019

Tensão crescente sobre futuro da Lava-Jato invade o Supremo - CB - Jorge Vasconcellos

Depois de uma semana confusa com a derrubada de vetos da Lei de Abuso de Autoridade pelo Congresso, Supremo define extensão da decisão sobre depoimentos de acusados em acordos de delação premiada, sob impacto de confissões de Rodrigo Janot 

O futuro da operação que nos últimos cinco anos se consolidou como referência no combate à corrupção está coberto de incertezas. Em um cenário de crescente tensão entre instituições e poderes, uma série de revezes se abateu sobre a Lava-Jato e seus integrantes. Os abalos vão desde o vazamento de mensagens privadas dos procuradores a julgamentos decisivos no Supremo Tribunal Federal (STF). De um lado, apoiadores denunciam uma articulação para livrar políticos de investigações, enquanto, de outro, os críticos apontam parcialidade nas decisões judiciais e exploração política e até financeira da operação.

Os membros da força-tarefa começam a semana com mais uma grande preocupação. Na quarta-feira, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, vai apresentar uma proposta para delimitar o alcance do entendimento da Corte de que réus que não firmaram acordos de colaboração premiada devem apresentar as alegações finais depois dos delatores. Segundo levantamento da Lava-Jato, essa tese, firmada durante julgamento na semana passada, poderá levar à anulação de 32 sentenças, favorecendo 143 condenados na operação.

A preocupação é ainda maior porque o plenário da Suprema Corte vai discutir a questão ainda sob o impacto das recentes confissões do ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Em entrevistas, ele contou que, em maio de 2017, entrou armado no STF com a intenção de matar o ministro Gilmar Mendes. O episódio é considerado o mais tenso da conflituosa relação entre a força-tarefa, da qual Janot era o líder maior, e o tribunal.

O entendimento do STF sobre a ordem das alegações finais foi tomada na mesma semana em que a Lava-Jato recebeu mais uma péssima notícia: em sessão conjunta do Congresso Nacional, deputados e senadores derrubaram 18 dos 33 vetos presidenciais à lei de abuso de autoridade, retomando boa parte dos dispositivos vistos pelos críticos como inibidores da atuação das polícias, do Ministério Público e do Poder Judiciário.

A derrubada dos vetos foi vista,  no meio político, como uma resposta à operação de busca e apreensão realizada dias antes pela Polícia Federal nos gabinetes do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), e do filho dele, o deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE), dentro de uma investigação sobre desvio de recursos em obras no Nordeste.  Essa avalanche de dificuldades começou a desabar sobre a força-tarefa neste ano, justamente quando se esperava o contrário, em razão da promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro de “fortalecimento” da Lava-Jato.

Ironicamente, foi a pedido da defesa de um dos filhos do chefe do governo, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que o presidente do STF impôs à operação de combate à corrupção um de seus maiores revezes. Em julho, o ministro Dias Toffoli suspendeu todas as investigações que estivessem utilizando dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) — hoje transformado em Unidade de Inteligência Financeira (UIF) — sem autorização judicial. Assim, o senador se livrou, pelo menos momentaneamente, de um inquérito do Ministério Público do Rio de Janeiro sobre as movimentações financeiras atípicas dele e do ex-assessor Fabrício Queiroz, amigo da família Bolsonaro.

Cobranças

A partir deste ano, os principais atores da Lava-Jato, que ao longo de todo esse tempo se mostraram destemidos na apuração de desvios de dinheiro público e na punição de pesos pesados da política, passaram a ser cobrados a dar explicações sobre os procedimentos adotados nas investigações. 

(...)   

Da mesma forma, nem de longe se cogitava que o prestigiado procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa agraciada com o Prêmio Innovare, o mais alto reconhecimento a iniciativas do Judiciário, se tornasse alvo de processos disciplinares no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

Para a advogada constitucionalista Vera Chemin, “a despeito de toda a artilharia direcionada à operação, a esperança é de que o combate à corrupção continue, até porque o novo procurador-geral da República afirmou publicamente que pretende estimular a Lava-Jato, embora pense em tolher certos ‘abusos’ que se teriam cometidos no âmbito daquela operação, como prisões preventivas alongadas”.


Segundo Vera Chemin, o trabalho da força-tarefa constitui um marco histórico de combate à corrupção no Brasil. Ela destaca que as investigações conseguiram fazer com que a sociedade civil adquirisse a consciência dos seus deveres e direitos, tomando a iniciativa inédita de controlar e intensificar a vigilância sobre a conduta dos representantes políticos. "Não obstante as campanhas que vêm sendo feitas para acabar com a imagem dos protagonistas da operação Lava-Jato, a tendência é de que os seus integrantes continuem trabalhando para promover o efetivo combate à corrupção. Ademais, aquela operação já estendeu os seus tentáculos em todos os estados federados, o que equivale a afirmar que os seus membros se nacionalizaram e não se restringem mais à República de Curitiba”, concluiu.


Boas práticas
Para o advogado criminalista Tiago Turbay, coordenador adjunto do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais do Distrito Federal (IBCCRIM-DF), “o futuro da Lava-Jato está no cumprimento da lei e da Constituição, condizente com o respeito às instituições e às garantias individuais”.  Ele afirmou que apenas por meio da legalidade dos procedimentos é que se fortalecerá o combate à corrupção e o aprimoramento no uso do dinheiro público, com resultados a serem comemorados.

No Correio Braziliense, MATÉRIA COMPLETA

 

 

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Criatividade jurídica - Merval Pereira

O Globo








Há anos, desde o julgamento do mensalão, advogados de defesa dos acusados de corrupção tentam manobras jurídicas para beneficiar seus clientes, o que é perfeitamente normal.  O então ex-ministro da Justiça, Marcio Thomas Bastos, foi o coordenador das manobras que pretendiam levar para a primeira instância da Justiça os réus do mensalão que não tinham foro privilegiado.

O relator Joaquim Barbosa defendeu a tese de que os crimes eram conectados, e os réus não poderiam ser separados, pois isso prejudicaria a narrativa dos fatos criminais que os envolveram. Sua tese foi vitoriosa, driblando uma tradição da Justiça brasileira de desmembrar os processos, e foi fundamental para a condenação da maioria dos envolvidos. Nos julgamentos do petrolão, diversas táticas foram tentadas pelos advogados de defesa, mas nos primeiros anos, com o apoio popular da Lava-Jato no auge, não houve ambiente para que teses diversas fossem aceitas.


Só recentemente, sobretudo a partir deste ano, passaram a ser aceitas teses que abrandaram a situação dos réus. Vários processos foram enviados para a primeira instância ou para a Justiça Eleitoral, prevalecendo o argumento, defendido por vários anos, de que a maior parte do dinheiro da corrupção não passava de Caixa 2, um crime eleitoral com punição mais branda. A prisão em segunda instância, cuja aprovação foi fundamental para impedir que os processos se eternizassem com os diversos graus de recursos, começa a ser contestada teoricamente pela mesma Corte que por diversas vezes a aprovou.

No julgamento que deverá acontecer ainda este ano, tudo leva a crer que a prisão em segunda instância será derrubada, com a mudança de voto do ministro Gilmar Mendes. O voto da ministra Rosa Weber, que é contrária à prisão em segunda instância, mas a vem acatando por representar a maioria do plenário até o momento, pode confirmá-la se entender que não é hora ainda de mudar a jurisprudência, que prevaleceu durante anos no STF. O presidente Dias Toffoli já propôs que a prisão possa ser decretada depois da condenação no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Coube a um experiente e criativo advogado criminalista, Alberto Toron, a maior vitória até agora, com a aceitação, pela Segunda Turma e ontem pelo plenário do Supremo, da tese de que os delatores transformam-se em “assistentes da acusação”, e, portanto, devem ser ouvidos antes do réu delatado, que fala por último no julgamento.  Como na legislação brasileira não há nenhuma determinação quanto a isto, pois a figura da delação premiada está em prática recentemente, sem que exista uma regulamentação para sua aplicação a não ser a própria lei que a criou, o advogado Toron tirou da cartola a tese que iguala os delatores à acusação.

Não é uma tese esdrúxula, pois vai ao encontro do conceito constitucional de ampla defesa do réu. Dias Toffoli deu o sexto voto pela anulação da condenação do ex-gerente da Petrobras Márcio Ferreira, que reclamou por apresentar alegações finais no mesmo prazo de seus delatores.  O ministro, no entanto, disse que, na próxima sessão, vai propor ao plenário uma forma de modular os efeitos da decisão, para definir se condenações passadas serão anuladas. Existem várias possibilidades na mesa. A Procuradoria-Geral da República defende que a regra só seja aplicada no futuro, o que evitaria anular condenações.

 O ministro Luis Roberto Barroso, que votou contra o habeas corpus, e se colocou contra a tese que acabou vencedora, aceitou a proposta do Ministério Público de que a ordem das alegações finais só valha a partir de agora, para evitar anulações generalizadas. É bastante improvável que essa tese prevaleça, pois, como alegou o ministro Alexandre de Moraes, não é possível acatar o habeas-corpus e dizer que ele não vale para o condenado cujo caso foi analisado. [se tratando do Supr3emo, em que cada caso é um filme de Alfred Hitchcock, tudo é possível - foi lá que surgiu o 'habeas corpus de ofício'.]

A ministra Cármen Lúcia, que na Segunda Turma já havia votado a favor da tese de que delatados devem apresentar alegações finais depois do delator, votou contra a anulação da condenação de Márcio Ferreira, pois, no caso concreto do ex-gerente da Petrobras, disse que não houve prejuízo à defesa, porque ela teve prazo complementar para rebater as acusações de seus delatores.  O mais provável é que o presidente do STF, Dias Toffoli, proponha que a regra só valha para os casos em que a defesa fez o pedido expresso de falar depois dos delatores ainda na primeira instância. A partir da decisão do STF, a ordem passa a ser essa.



Merval Pereira, jornalista - O Globo