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segunda-feira, 26 de julho de 2021

Meia-volta, volta e meia, os militares no Brasil - Fernando Gabeira

In Blog

Civis que ocuparam o cargo de ministro da Defesa garantem que as Forças Armadas não embarcam numa aventura golpista. Eles sabem mais do que eu. No entanto tenho algumas dúvidas. 

Não são dúvidas turbinadas pelo preconceito ou pelo ressentimento. Como jornalista, sempre destaquei ações positivas dos militares; no Congresso, mantive as melhores relações com assessores parlamentares das Forças Armadas, entre eles o general Villas Bôas. Os fatos abalam qualquer certeza. Desde a não punição do general Pazuello até as recentes notícias sobre ameaças do ministro da Defesa, o curso dos acontecimentos nos leva à desconfiança. É difícil imaginar como uma sucessão de pequenas atitudes autoritárias pode conduzir a uma firme decisão democrática, no dia D e na hora H, como diz Pazuello.
[Nenhum dos civis que ocuparam o cargo de ministro da Defesa, possuem credenciais para opinar sobre ações que se e quando pensadas não se destacam pela publicidade. 
Aliás, o currículo dos ex-ministro da Defesa não os credencia para dissertar sobre o tema = os cinco primeiros e do sexto ao décimo, nem eles nem os presidentes que os nomearam sabem as razões e motivação da nomeação;
o sexto quem o nomeou não possui credencial que justifique a nomeação de uma fusão de jurista, político, para ocupar um cargo que no seu entendimento leigo no assunto, era tão militar, que autorizava ao titular da pasta o uso de uniforme de General de Exército; 
O décimo primeiro, oficial general, foi nomeado por Temer, corrigindo o erro que cometeu ao manter Jungmann; 
O décimo terceiro foi uma nomeação adequada e oportuna do presidente Bolsonaro e o atual outra  de excelente nomeação do capitão.]

Outro dia, um general ficou bravo comigo porque critiquei Pazuello por sua audácia ao assumir um cargo para o qual não tinha a mínima competência. Mencionei sua obediência cega a Bolsonaro, e o general entendeu minha crítica como uma tentativa de minar o conceito de disciplina dos militares. E disse que era capaz de matar ou morrer pela pátria. Na verdade, peço muito menos que matar ou morrer: simplesmente pensar. Bolsonaro não merece uma obediência cega. Ninguém merece. O que está em jogo é uma noção de dignidade dos militares, discussão importante, pois, do seu prestígio, depende parcialmente a consistência da defesa nacional. [o ilustre jornalista, possui um passado, ainda que distante, não muito favorável à democracia = integrou o MR-8, movimento terrorista, que tentou combater o Governo Militar - nem ele, nem o movimento foram exitosos. O ilustre Gabeira sofreu graves ferimentos durante uma fuga, foi preso, foi banido do Brasil em função de uma troca dele e mais 39  pela embaixador alemão covardemente sequestrado; participou do sequestro do embaixador americano e como consequência foi proibido até 2009 de ingressar em território dos Estados Unidos; apesar de ser apresentado como elemento operacional do grupo terrorista, ele não participou das ações  de maior risco. Voltou ao Brasil em 1979 e com a Anistia voltou à condição de brasileiro. Essa longa memória sobre Fernando Gabeira é mais como consequência de em vários de seus escritos deixar, ainda que de forma sutil, sua propensão a incitar uma reação belicosa contra o governo Bolsonaro. Como sempre, a qualidade literária do que produz é excelente e não será este humilde escriba que ousar apresentar reparos à mesma.]

O perigoso esporte de humilhar generais, título do artigo que provocou a ira dos generais, continua a ser praticado. O general Ramos soube de sua saída da chefia da Casa Civil pela imprensa e confessou que se sentiu atropelado por um trem. O general Mourão é enviado numa missão a Angola para defender, em nome do Brasil, a política da Igreja Universal do Reino de Deus. Isso não é política de Estado, e a tarefa não deveria ser aceita por um general. [até que uma interpretação com viés crítico ao presidente Bolsonaro pode deixar a impressão de que um oficial general está sendo 'humilhado' ao receber certas missões; no caso do general Ramos entendemos que não ocorreu humilhação e sim uma troca de função; o general Mourão é o vice-presidente da República e tem o direito de recusar qualquer encargo que lhe seja atribuído pelo presidente da República, por não existir subordinação do vice-presidente ao presidente.]

Tenho muita tranquilidade em discutir o conceito de obediência na política. Não acho que seja uma extensão do conceito de disciplina militar. Nisso, sempre discordarei dos generais da direita, assim como discordei dos generais da esquerda nos longos debates sobre o chamado centralismo democrático. O melhor instrumento que a sociedade tem para tratar da questão militar que aparece volta e meia é precisamente determinar uma meia-volta: aprovar o projeto que impede militares da ativa de ocupar cargos civis no governo. Votar logo essa proposta de voto impresso, decidir democraticamente se o teremos ou não. [parabéns ao articulista poder defender que a proposta seja votada pelo Congresso Nacional - a quem cabe discutir, analisar e votar as leis. Discutir a conveniência das leis, criar ou revogar leis = legislar = é competência exclusiva do Poder Legislativo.]

Isso não basta. Concordo com o ex-ministro da Defesa Raul Jungmann: o Congresso é omisso ao não discutir os grandes temas da defesa nacional. A omissão dos parlamentares passa aos militares uma sensação de irresponsabilidade ou mesmo de ignorância em relação à dimensão do tema. Impede que a variável ambiental tenha a importância estratégica que merece, atrasa uma solução negociada para o futuro da Amazônia.

A fragilidade da representação política contribui também para que os militares tenham uma visão resignada do Congresso. Nos Anos de Chumbo, seus aliados eram da Arena, partido dos coronéis nordestinos; na eleição indireta à Presidência, o candidato dos militares era Paulo Maluf. Não me espanta que o governo atual tenha se transformado numa associação entre militares e o Centrão. A escolha ideológica sempre foi mais importante que uma sempre anunciada recusa à corrupção.

Durante a Guerra Fria, a ideia de se unir com qualquer um para evitar o comunismo tinha um poder maior de atração. De lá para cá, a sociedade brasileira evoluiu, o comunismo fracassou, apesar da sobrevivência autoritária do PC chinês. Resistir aos impulsos autoritários de Bolsonaro dará à sociedade brasileira mais força contra qualquer nova ameaça aos fundamentos da democracia. O argumento ganha um peso maior se for aceito pelos militares. Ele é a base real da conciliação.

Artigo publicado no jornal O Globo em 26/07/2021

 Blog do Gabeira - Fernando Gabeira, jornalista