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Civis que ocuparam o cargo de ministro da Defesa garantem que as Forças Armadas não embarcam numa aventura golpista. Eles sabem mais do que eu. No entanto tenho algumas dúvidas.
Outro dia, um general ficou bravo comigo porque critiquei Pazuello
por sua audácia ao assumir um cargo para o qual não tinha a mínima
competência. Mencionei sua obediência cega a Bolsonaro, e o general
entendeu minha crítica como uma tentativa de minar o conceito de
disciplina dos militares. E disse que era capaz de matar ou morrer pela
pátria. Na verdade, peço muito menos que matar ou morrer: simplesmente
pensar. Bolsonaro não merece uma obediência cega. Ninguém merece. O que
está em jogo é uma noção de dignidade dos militares, discussão
importante, pois, do seu prestígio, depende parcialmente a consistência
da defesa nacional. [o ilustre jornalista, possui um passado, ainda que distante, não muito favorável à democracia = integrou o MR-8, movimento terrorista, que tentou combater o Governo Militar - nem ele, nem o movimento foram exitosos. O ilustre Gabeira sofreu graves ferimentos durante uma fuga, foi preso, foi banido do Brasil em função de uma troca dele e mais 39 pela embaixador alemão covardemente sequestrado; participou do sequestro do embaixador americano e como consequência foi proibido até 2009 de ingressar em território dos Estados Unidos; apesar de ser apresentado como elemento operacional do grupo terrorista, ele não participou das ações de maior risco. Voltou ao Brasil em 1979 e com a Anistia voltou à condição de brasileiro. Essa longa memória sobre Fernando Gabeira é mais como consequência de em vários de seus escritos deixar, ainda que de forma sutil, sua propensão a incitar uma reação belicosa contra o governo Bolsonaro. Como sempre, a qualidade literária do que produz é excelente e não será este humilde escriba que ousar apresentar reparos à mesma.]
O perigoso esporte de humilhar generais, título do artigo que
provocou a ira dos generais, continua a ser praticado. O general Ramos
soube de sua saída da chefia da Casa Civil pela imprensa e confessou que
se sentiu atropelado por um trem. O general Mourão é enviado numa missão a Angola para defender, em
nome do Brasil, a política da Igreja Universal do Reino de Deus. Isso
não é política de Estado, e a tarefa não deveria ser aceita por um
general. [até que uma interpretação com viés crítico ao presidente Bolsonaro pode deixar a impressão de que um oficial general está sendo 'humilhado' ao receber certas missões; no caso do general Ramos entendemos que não ocorreu humilhação e sim uma troca de função; o general Mourão é o vice-presidente da República e tem o direito de recusar qualquer encargo que lhe seja atribuído pelo presidente da República, por não existir subordinação do vice-presidente ao presidente.]
Tenho muita tranquilidade em discutir o conceito de obediência na
política. Não acho que seja uma extensão do conceito de disciplina
militar. Nisso, sempre discordarei dos generais da direita, assim como
discordei dos generais da esquerda nos longos debates sobre o chamado
centralismo democrático. O melhor instrumento que a sociedade tem para tratar da questão
militar que aparece volta e meia é precisamente determinar uma
meia-volta: aprovar o projeto que impede militares da ativa de ocupar
cargos civis no governo. Votar logo essa proposta de voto impresso,
decidir democraticamente se o teremos ou não. [parabéns ao articulista poder defender que a proposta seja votada pelo Congresso Nacional - a quem cabe discutir, analisar e votar as leis. Discutir a conveniência das leis, criar ou revogar leis = legislar = é competência exclusiva do Poder Legislativo.]
Isso não basta. Concordo com o ex-ministro da Defesa Raul Jungmann: o Congresso é omisso ao não discutir os grandes temas da defesa nacional. A omissão dos parlamentares passa aos militares uma sensação de irresponsabilidade ou mesmo de ignorância em relação à dimensão do tema. Impede que a variável ambiental tenha a importância estratégica que merece, atrasa uma solução negociada para o futuro da Amazônia.
A fragilidade da representação política contribui também para que os militares tenham uma visão resignada do Congresso. Nos Anos de Chumbo, seus aliados eram da Arena, partido dos coronéis nordestinos; na eleição indireta à Presidência, o candidato dos militares era Paulo Maluf. Não me espanta que o governo atual tenha se transformado numa associação entre militares e o Centrão. A escolha ideológica sempre foi mais importante que uma sempre anunciada recusa à corrupção.
Durante a Guerra Fria, a ideia de se unir com qualquer um para evitar o comunismo tinha um poder maior de atração. De lá para cá, a sociedade brasileira evoluiu, o comunismo fracassou, apesar da sobrevivência autoritária do PC chinês. Resistir aos impulsos autoritários de Bolsonaro dará à sociedade brasileira mais força contra qualquer nova ameaça aos fundamentos da democracia. O argumento ganha um peso maior se for aceito pelos militares. Ele é a base real da conciliação.
Artigo publicado no jornal O Globo em 26/07/2021
Blog do Gabeira - Fernando Gabeira, jornalista