Blog Money Report
Aluizio Falcão Filho
Ultimamente, o STF parece querer agir de fato como um poder moderador amplo, apesar de não ter recebido um só voto para isso
Dias atrás, em seminário realizado na cidade de Lisboa, o ministro
Dias Toffoli disse que “nós já temos um semipresidencialismo com um
controle de poder moderador, que hoje é exercido pelo Supremo Tribunal
Federal. Basta verificar todo esse período da pandemia”.
Toffoli, além
de constatar a realidade em que vivemos, aproveitou para defender o
parlamentarismo. “Pergunto eu por que não tentar isso no Brasil?
Sobretudo no Brasil de hoje, onde, sem nenhuma dúvida, o centro da
política já é o parlamento, como é próprio de uma democracia
representativa”, questionou.
Antes de mais nada, a declaração do ministro, proferida em evento
organizado por seu colega, Gilmar Mendes, pode ser interpretada de duas
formas. A primeira é que vivemos, de fato, em um semipresidencialismo, à
medida que praticamente tudo o que o Planalto faz precisa ser
ratificado pelo Congresso Nacional.
A Constituição de 1988 traz esse efeito em seu texto, como se pode
ver no bloco que compreende o intervalo entre os artigos 61 e 75. E
reflete o que estava ocorrendo no país naquele final dos anos 1980.
Lembremos que em 1984, houve eleições indiretas, vencidas por Tancredo
Neves. Para garantir os votos que lhe dariam a vitória no Colégio
Eleitoral, Tancredo conseguiu o apoio de políticos do PDS (o sucedâneo
da Arena, o partido de apoio ao governo militar), entre os quais o então
senador José Sarney, que ficou com a vice-presidência da chapa.
Quis o destino que Tancredo morresse sem tomar posse e Sarney fosse
investido na presidência. Ou seja, o PMDB, partido vitorioso, ganhou as
eleições indiretas. Mas não as levou. O resultado deste processo foi uma
tutela violenta do presidente da Câmara, Ulysses Guimarães, sobre o
novo inquilino do Palácio do Planalto.
Sarney era percebido pela classe política como um presidente fraco e
sem legitimidade. Por isso, dependia do apoio do dr. Ulysses, que era
uma eminência parda em Brasília. Essa tutela, de certa forma,
influenciou o texto da Constituição que deu maiores poderes ao
Parlamento. De Sarney para cá, o Congresso sempre agiu como tutor do
presidente – algo que se percebe até na gestão de Jair Bolsonaro, que
fez há dois anos um acordo com o Centrão para garantir apoio político.
Até aí, essa é a realidade dos fatos. Estamos colhendo o que foi
plantado lá atrás. Com um agravante: na época da Constituinte, tínhamos
12 partidos no Congresso. Hoje, passamos de trinta agremiações. Essa
proliferação de siglas tornou a negociação de apoios cada vez mais
difícil. Até o governo Fernando Henrique, bastava negociar com cinco
partidos para obter maioria em qualquer votação. Hoje, esse número mais
que dobrou.
Vamos passar à segunda constatação de Toffoli, a de que o STF é um
“poder moderador”. A Constituição destina o artigo 102 ao funcionamento
do Supremo. O texto diz que “compete ao Supremo Tribunal Federal,
precipuamente, a guarda da Constituição”.
Não se fala nada sobre poder
moderador. Portanto, não há como questionar a legitimidade da Alta Corte
em julgar qualquer tema – desde que essa avaliação tenha como parâmetro
o que está escrito na Carta Magna.
Ultimamente, porém, o STF parece querer agir de fato como um poder
moderador amplo, apesar de não ter recebido um só voto para isso, e
interferir em diversos assuntos do cotidiano brasileiro. Recentemente,
por exemplo, o ministro Alexandre de Moraes proibiu que o deputado
Daniel Silveira desse entrevistas (Silveira é réu no STF por ataques a
ministros da corte e às instituições da República). “Determino a imposição de nova medida cautelar, em caráter cumulativo
com as estabelecidas na decisão de 8/11/2021, consistente na proibição
de conceder qualquer espécie de entrevista, independentemente de seu
meio de veiculação, salvo mediante expressa autorização judicial”,
decretou Moraes.
Silveira é um parlamentar boquirroto, agressivo e desrespeitoso.
Sua
atitude no Congresso e nas redes sociais provoca repulsa e desprezo em
muitos. Mesmo assim, é preciso questionar essa atitude do ministro. Por
enquanto, existe silêncio em relação à decisão de Moraes porque o
deputado em questão é desprezado nos círculos intelectualizados. Mas, se
ficarmos quietos agora, perderemos força na hora de reclamar de abusos
cometidos contra parlamentares que são admirados e aplaudidos pela
maioria da sociedade.
A impressão que se tem é a de que o STF se arvorou da condição de
curador da Nação.
A Corte decide o que é fake news, nos protege de
difamadores e proíbe entrevistas. Por enquanto, estamos falando de
Moraes e de Silveira.
E se, no futuro, tivermos uma desavença, por
exemplo, entre Kássio Nunes e a deputada Tábata Amaral, do PSB?
Ficaremos em silêncio também?
Talvez, nesse momento, seja tarde demais para reclamar.
Curioso o nosso país. Para defender a liberdade de expressão,
precisamos condenar o puxão de orelhas em cima de um indivíduo que não
merece nenhum respeito. Mesmo assim, é o primeiro passo para que
mostremos ao STF que ele é o guardião da Constituição e não a autoridade
suprema sobre todos nós no Brasil.
Todos os poderes são criticados
quando extrapolam suas funções. Neste sentido, o Supremo é igual ao
Executivo e ao Legislativo: precisa ficar em seu quadrado.