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sábado, 9 de dezembro de 2023

Murro em ponta de faca: enfrentando o superpoder judicial - Roberto Motta

Revista Oeste

A Suprema Corte é chamada de suprema apenas porque é a Corte mais alta do Poder Judiciário. O adjetivo 'suprema' não significa que ela está acima dos outros Poderes

Deusa Têmis é a deusa da justiça, da lei e da ordem, protetora dos oprimidos | Foto: Shutterstock
É tentador dizer que juízes não podem fazer políticas públicas e que essas políticas só podem ser feitas por representantes eleitos. Mas é preciso resistir a essa tentação porque ela está em conflito com a realidade.

Há fartura de evidências.

No excelente livro As Escolhas que os Juízes Fazem, Jack Knight e Lee Epstein mostram como os magistradosque, nos casos examinados no livro, são os juízes da Suprema Corte norte-americana sempre tentaram, e continuam tentando, transformar suas opiniões em política pública.

Como eles fazem isso?
Convertendo decisões judiciais em jurisprudência, ou seja, em precedentes que determinam a direção a ser seguida por todos os tribunais que analisarem questões semelhantes no futuro.

Esse é um poder muito maior do que o poder que o Congresso Nacional tem de simplesmente aprovar uma lei. 
A formulação de jurisprudência em um nível judicial elevado — um nível supremo — não tem apenas a capacidade de regular a aplicação das leis na sociedade, mas também a possibilidade de “criar” novas leis, que nunca foram escritas ou votadas pelo Congresso.

É um superpoder. Seu único limite é a autocontenção. Não adianta dar murro em ponta de faca. É inútil protestar dizendo que juízes — ou ministros — não podem exercer um poder que eles obviamente têm e exercem.

A estratégia precisa ser outra.

A única maneira de mudar ou reverter políticas públicas criadas através de ativismo judicial (que hoje, no Brasil, é impulsionado majoritariamente pela ideologia de esquerda) é apressar a chegada do dia em que magistrados com uma mentalidade diferente — uma mentalidade conservadora ou liberal, uma mentalidade de direita — serão nomeados para as cortes superiores e irão tomar decisões melhores.

O equilíbrio entre os Três Poderes da República sofre reajustes contínuos. Os Estados Unidos são o melhor exemplo disso. Ao longo de sua história os norte-americanos assistiram a inúmeras disputas entre o Executivo e o Legislativo de um lado, e a Suprema Corte de outro. A tensão entre o recém-eleito presidente Franklin Roosevelt e a Suprema Corte, então conservadora, é um exemplo famoso. Ao longo de seus quatro mandatos, Roosevelt, através de nomeações de juízes progressistas, mudaria totalmente o perfil da Corte.
Outro exemplo foi a recusa do presidente Abraham Lincoln de honrar a decisão da Suprema Corte no caso Dred Scott versus Sandford, em 1857. A Corte tinha afirmado que escravos não eram cidadãos americanos. Lincoln ignorou a decisão e determinou que o governo federal continuasse a emitir passaportes e a tratar todos eles como cidadãos.

Declarações como essas dos pais fundadores dos Estados Unidos demonstram que eles nunca pensaram na Suprema Corte como um órgão que teria a última palavra sobre a Constituição. Em seu discurso de posse, Lincoln questionou a legitimidade da Suprema Corte para tomar decisões que entrassem em conflito com o desejo popular, expresso através de seus representantes eleitos: “[…] o cidadão sincero deve confessar que, se a política do governo sobre questões vitais que afetam todo o povo deve ser irrevogavelmente determinada por decisões da Suprema Corte, no instante em que são tomadas em litígio ordinário entre as partes em ações pessoais, o povo terá deixado de ser seu próprio governante e terá entregado o poder de governar nas mãos desse eminente tribunal.“

Lincoln estava seguindo a mesma linha de pensamento de Thomas Jefferson, um dos pais fundadores dos Estados Unidos e autor da Declaração de Independência. Jefferson disse: “A Constituição não erigiu um tal tribunal único, sabendo que a quaisquer mãos que o confiassem, com as corrupções do tempo e do partido, seus membros se tornariam déspotas. Ela, mais sabiamente, tornou todos os departamentos iguais e cossoberanos dentro de si.

Se a legislatura deixar de aprovar leis para um censo, para pagar os juízes e outros funcionários do governo, para estabelecer um exército, para naturalização conforme prescrito pela Constituição, ou se os parlamentares não se reunirem no Congresso, os juízes não poderão emitir suas decisões para eles; se o presidente deixar de nomear um juiz, de nomear outros oficiais civis e militares, de emitir as comissões necessárias, os juízes não poderão obrigá-lo.”


Declarações como essas dos pais fundadores dos Estados Unidos demonstram que eles nunca pensaram na Suprema Corte como um órgão que teria a última palavra sobre a Constituição. No modelo conceitual de uma república, nenhum dos Três Poderes é superior a outro.

A Suprema Corte é chamada de suprema apenas porque é a corte mais alta do Poder Judiciário. O adjetivo “suprema” não significa que ela está acima dos outros Poderes.  A Suprema Corte pode tomar uma decisão e essa decisão ser posteriormente afetada por uma nova lei ou emenda constitucional aprovada pelo Congresso.

Futuros juízes também podem revisar e até anular decisões tomadas pela Corte no passado. Foi exatamente isso que aconteceu nos Estados Unidos, em 2022, quando a atual Suprema Corte — conservadora — anulou a decisão da própria Suprema Corte — então progressista — tomada em 1973, que declarava a existência de um direito constitucional ao aborto.

A escolha desses futuros juízes é tão importante quanto as escolhas feitas pelo eleitor através do voto.

Leia também “Os apóstolos do apocalipse”
 
 

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Prostituição, fraude e sabotagem



No debate da Band, ninguém referiu-se aos escândalos de mensalão e petrolão para não perder eventuais eleitores de Lula

No artigo Todos juntos pela impunidade, publicado na semana passada, comentei como a blindagem da Polícia Federal (PF), sob a égide do criminalista Márcio Thomaz Bastos, foi rompida por dois acidentes de percurso. Roberto Jefferson, furioso com a partilha da propina, pôs a boca no trombone, denunciando a compra de votos, e Joaquim Barbosa, o estranho no ninho, pegou o touro à unha e o levou até o fim.

Recentemente, foi publicada entrevista de Paulo Lacerda, diretor da PF dita “republicana” de Márcio Thomaz Bastos, que foi advogado de Lula na Justiça Militar à época das greves dos metalúrgicos e, depois, ministro da Justiça no primeiro mandato presidencial do petista. Segundo ele, a Polícia Federal (PF) fazia vista grossa à malandragem dos políticos que obedeciam cegamente aos poderosos e não conseguia desvencilhar-se de ingerências politiqueiras. A narrativa de “PF republicana” durou pouco e foi para o saco na Operação Xeque-Mate, que pegou Vavá, irmão de Lula. A PF “republicana”, que o causídico Bastos regia, só investigava inimigos dos donos do poder. 

Seu modelo era a famigerada Delegacia Especial de Segurança Política e Social (DESPS), versão federal dos Dops estaduais no Estado Novo de Getúlio Vargas e que centralizou o aparato policial para perseguir, processar e levar à prisão adversários do regime.  Quando o PT, Lula e Márcio Thomaz Bastos ascenderam ao poder, fizeram um remanejamento de quadros na PF. E a deusa da Justiça, Têmis, inspirou os ocupantes de postos-chave, em que usavam seus olhos vendados a favor do regime e contra a liberdade de quem ousasse desafiá-lo. Por isso os órgãos de fiscalização do Estado de Direito, descentralizado por definição – a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o Tribunal de Contas da União (TCU), a Superintendência de Previdência Suplementar (Previc/fundos de pensão), o Banco Central, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e a PF –, não ouviram o tropel nem viram a manada de elefantes passando à vista por 13 anos e meio a fio: da posse de Lula ao impeachment de seu poste, Dilma.

Só a vista grossa da deusa Têmis pode justificar como a maior corrupção da História chegou ao ponto a que chegou sem ser percebida.

A Lava Jato foi um acidente de percurso e decorreu do tratamento dado a Marcos Valério, que provocou a deserção de mercenários. No mensalão, Lula, o comandante em chefe, nem sequer foi arrolado, sob a proteção de seus lugares-tenentes no Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski (revisor) e Dias Toffoli e com a complacência do relator (e depois presidente da mais alta Corte) Joaquim Barbosa. Nesse ambiente, Luiz Gushiken, personagem importante no escândalo nunca desvendado da guerra das teles gigantes, foi excluído de investigação, processo e pena, chegando a ser inocentado e elevado ao panteão dos heróis nacionais num discurso laudatório fora de propósito de Lewandowski, que substituiria Barbosa na presidência do colegiado. 

Mesmo citado como chefe da quadrilha, José Dirceu só ficou dois anos na prisão, sendo um em prisão domiciliar. Já o publicitário Marcos Valério, que obedecia às ordens de Dirceu, foi condenado a 40 anos e a bailarina Kátia Rabello, dona do Banco Rural, usado na operação, mas na qual ela nunca teve noção do que acontecia, a 16. Os mercenários perceberam que o bote salva-vidas do PT fora inspirado no Titanic: nele só embarcaram os passageiros da primeira classe. O resto foi deixado para servir de pasto aos tubarões. Mas a trava da caixa de Pandora só foi quebrada com Márcio Thomaz Bastos fora da Esplanada dos Ministérios. E a mensagem ao Garcia chegou à “mercenariocracia”.  

Ao primeiro risco de afundar, os mercenários, já sabendo que não teriam lugar no bote do PT, partiram para agarrar o que flutuava: a delação premiada. O que lhes restou foi o instituto usado nos Estados Unidos e na Operação Mãos Limpas, da Itália, para perfurar a blindagem dos poderosos chefões da Máfia, originária da Sicília, que se tornou rica e influente agindo no porto de Nova York e nos bares de Chicago. Não é à toa que tal expediente é o inimigo número um de advogados grã-finos que representam a fina-flor da bandidagem nacional, em particular a turma da empreita, distribuidora de propinas nas frestas da legislação que regula as relações entre contratados e contratadores de obras e serviços públicos desde os tempos da caprichosa Xica da Silva.

O esforço atual é orquestrado para fechar de novo a caixa de Pandora e levar a situação ao estágio anterior, quando havia uma proteção velada das instituições e do Estado ao governo e o entendimento de que dinheiro ilegal usado em eleições é um mal inevitável, a que só se recorre para o bem geral. No nome desse jogo o pano de frente é a compra de votos.

O PT transformou o Congresso em mercado persa. Nele tudo é comprado: apoio, votos, leis, decretos-lei, exonerações fiscais, etc. O que antes já se fazia por baixo do pano, como no sucesso junino de Antônio Barros e Cecéu, à época da compra de apoio de bancadas no Congresso, passou a ser explícito. Nas investigações de operações como Lava Jato, Cadeia Velha, Zelotes e outras se desvendaram práticas antigas, como a de empreiteiros, mas não só eles, que financiavam campanhas políticas redigirem leis que os beneficiam. 

Nesse sistema, que era secreto e se tornou explícito, a contratação de obras e serviços, concessões e outras formas de negociação do Estado com fornecedores privados passaram a ser moldadas ao interesse de quem fosse premiado com contratos superfaturados e a remunerar os donos das chaves dos cofres da viúva em redes de lavagem de dinheiro no exterior, que receberam a denominação de “propinoduto”, um neologismo que não admite eufemismo.  Parte dos recursos arrecadados era, então, empregada pela elite dirigente dos três Poderes da República privatizada para comprar votos do andar de baixo, em que vivem em condições precárias os mais vulneráveis socialmente. Na prática, o Partido dos Trabalhadores (!!!) fez o que sempre condenou nos adversários empresários, latifundiários e que tais: “cafetinou” o Congresso para prostituir o eleitorado.

O trabalho eficiente de uma geração jovem e preparada de policiais, procuradores e juízes federais resultou na devassa dos escândalos do mensalão e do petrolão, que desvendaram a prostituição da política e a fraude eleitoreira que sabota a democracia. O mensalão foi absorvido pelo establishment: os petistas e seus aliados foram indultados por Dilma Rousseff e perdoados pelo STF. José Dirceu e Pedro Corrêa só não tiveram o mesmo prêmio porque foram pilhados pela Lava Jato delinquindo em plena cela. O primeiro, contudo, mesmo condenado a 30 anos e meio de cadeia, com a benemerência da Segunda Turma do STF, sob a égide dos mesmos de sempre, Lewandowski, Toffoli e agora Gilmar, passou férias articulando a sobrevivência do PT no Sul da Bahia, sob a égide da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), ao sol de Itabuna e banhando-se no Atlântico em Ilhéus, no gozo de plena liberdade. Como se fora um sucedâneo contemporâneo do seu Nacib de Jorge Amado.

Enquanto isso, seus companheiros de armas da guerrilha de extrema esquerda e de campanhas eleitorais petistas articulavam com condenados e suspeitos da Lava Jato o sepultamento das operações eficientes de Polícia, Ministério Público e Justiça Federal, na garantia da reeleição dos de sempre para o Congresso. E no apoio a presidenciáveis citados em processos ou aliados na guerra contra a faxina que o povo exigiu nas ruas em 2013. No debate da Bandeirantes em 9 de agosto nenhum dos presentes com chances se referiu à rapina dos cofres públicos promovida por PT, aliados e até oposicionistas domados do PSDB. O tucano Alckmin uniu-se aos apenados no mensalão Roberto Jefferson, Paulinho da Força e Valdemar Costa Neto. Os sermões de irmã Marina nem de longe se referiram aos “malfeitos” do ex-chefe Lula, político preso em Curitiba, excluído da disputa por ser inelegível pela Lei da Ficha Limpa. Nem Álvaro Dias, insistindo em  nomear Sergio Moro ministro da Justiça, que afastaria do combate à corrupção seu agente mais notório, se dignou a fazer uma referência que fosse ao que provocou a fama do herói do povo. Todos de olho nos votos do único que, por exigência da lei, não mentiu no debate: o ausente Lula.


José Nêumanne (publicado no Blog do Nêumanne)