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quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

O ESTADO LAICO E O MINISTRO EVANGÉLICO - Percival Puggina

Confundir estado laico com estado ateu é como confundir estado sólido com estado gasoso.

Diz-se laico do estado não religioso. Ateu é o estado totalitário que se faz objeto de culto. Surpreso com saber? Mais ainda ficará quando perceber que há quem queira precisamente essa anomalia para si e para todos nós.

Fiquei pensando nisso ao perceber a estarrecida surpresa de muitos jornalistas brasileiros, primeiro com a indicação e, logo após, com a aprovação de André Mendonça para a vaga existente no STF. Diversos senadores manifestaram-se, também, a respeito da tal suposta incompatibilidade. Não duvido que muitos dos votos contrários tenham sido motivados por ela. Sim, sim, no Senado há gente para todos os desgostos. “Na vida e em casa, a Bíblia; no STF, a Constituição”. 
A frase do ministro só não esclareceu quem, diante da luz da verdade, imediatamente coloca óculos escuros. Fotofobia da razão e da alma.
 
O Brasil estaria bem mais feliz se os dez colegas do novo ministro tivessem a Constituição como Bíblia de suas decisões e não a transformassem no Livro de uma seita muito particular, a serviço de suas próprias opiniões e irmandades.

Bem entendido isso, torna-se oportuno sublinhar que é discriminação e preconceito não admitir opinião ou argumento originário de algum ditame religioso, ou a ele semelhante.

Afirmar em tais ocasiões que “o estado é laico”, como quem passa a tranca na porta e encerra o assunto, é retórica farsante. É usar a palavra para bater a carteira do auditório.

Sabem por quê? Porque a única consequência da aceitação dessa trampolinagem é cassar a palavra da divergência sob uma alegação falsa. Não há o menor sentido em que opiniões com fundamento moral desconhecido ou inexistente, diferentes tradições, chavões jornalísticos, contraditórias referências científicas e até o mero querer de alguém ou de alguns sejam legitimados, mas se declare inadmissível algo inerente ou assemelhado ao saber cristão, amplamente majoritário na sociedade.

Com muita ênfase, os constituintes promulgaram a Constituição “sob a proteção de Deus”. Determinaram ser "inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livro exercício dos cultos" (art. 5, inc. VI). Afirmaram que "ninguém será privado de direitos por motivo de crença" (art. 5, inc. VIII).

Não, não são as opiniões de indivíduos ou, mesmo, de figuras públicas em que se perceba inspiração religiosa que violam a Constituição, mas as tentativas de os silenciar. Foi exatamente contra essa pretensão totalitária que os constituintes ergueram sólidas barreiras constitucionais.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. 


sexta-feira, 16 de julho de 2021

A REVOLTA CUBANA SOB O OLHAR DE JOHN LOCKE

Luiz Guedes da Luz Neto

Domingo, 11 de julho de 2021, chegou a notícia de que o povo cubano tinha ido às ruas para protestar contra o governo, clamando por liberdade. De acordo com imagens e notícias divulgadas nas redes sociais, o governo cubano denominou o protesto popular de atos contrarrevolucionários e determinou a repressão imediata e firme por parte do estado e seu aparato. Quando percebeu que os protestos foram divulgados e articulados pelas redes sociais, desligou a internet da ilha.

Um fato novo que não existia na época da queda da antiga URSS é a internet, que permite a disseminação da informação de forma descentralizada. Não se depende mais de uma rádio ou de um canal de televisão estatal, ou que funcione por concessão pública, para se obter informação. Com a rede mundial de computadores, a informação circula de forma livre, sendo possível para moradores de territórios controlados (através de tecnologia simples como uma VPN) por governos totalitários o contato com o mundo exterior e com isso terem conhecimento de outras realidades. Por essa razão regimes totalitários proíbem a internet ou a limitam.

De acordo com vários perfis em redes sociais, a situação em Cuba é bastante desoladora, com milhares de pessoas passando fome e morrendo nos hospitais por problemas de saúde, entre eles a COVID-19. A suspensão do turismo no último ano contribuiu para a redução da renda do regime cubano, o que resultou para uma piora na já extremamente precária infraestrutura. Uma questão ressurge com o movimento recente do povo cubano. Pode um povo se rebelar contra o seu governo? 
Uma rebelião não é um ato ilegal, e como tal, não pode ser tolerada pelo estado, que deve reprimi-la com força?

Para responder às questões acima, que podem ser as mesmas de muitas pessoas, recorro aos ensinamentos de John Locke, na obra “Dois tratados do governo”, publicado inicialmente em 1690, que permanece atual até os dias atuais, ajudando a entender sobre o governo civil.

John Locke assim se manifesta sobre a possibilidade de rebelião de um povo contra seu governo:

[…] sempre que tais legisladores tentarem violar ou destruir a propriedade do povo, ou reduzi-lo à escravidão sob um poder arbitrário, colocar-se-ão em estado de guerra com o povo, que fica, a partir de então, desobrigado de toda obediência e deixado ao refúgio comum concedido por Deus a todos os homens contra a força e violência” (LOCKE, p. 580).

E continua:

Logo, sempre que o legislativo transgrida essa regra fundamental da sociedade e, seja por ambição, seja por medo, insanidade ou corrupção, busque tomar para si ou colocar nas mãos de qualquer outro um poder absoluto sobre a vida, as liberdades e as propriedades do povo, por uma tal transgressão ao encargo confiado ele perde o direito ao poder que o povo lhe depôs em mãos para fins totalmente opostos, revertendo este ao povo, que tem o direito de resgatar sua liberdade original e, pelo estabelecimento de um novo legislativo (tal como julgar adequado), de prover à própria segurança e garantia, que é o fim pelo qual vive em sociedade” (LOCKE, p. 580).

O que John Locke afirmou em relação ao legislativo, também é aplicável ao executivo, que ele denomina de executor supremo:

O que disse aqui a respeito do legislativo em geral é válido também para o executor supremo que, sendo depositário de um duplo encargo a ele confiado, o de fazer parte do legislativo e o da suprema execução da lei, age contra ambos quando busca estabelecer sua própria vontade arbitrária como lei da sociedade (LOCKE, p. 580).

Quando o estado é governado totalmente contra os interesses do povo, buscando tornar estes escravos, suprimindo a liberdade, a dignidade humana e a propriedade, perde a sua legitimidade, nascendo, para o povo, o direito de rebelar-se contra tal governo e exigir, até mesmo pela força, a constituição de um governo legítimo, que respeite os direitos do seu povo, que seja realizado em favor do povo e não dos interesses privados dos governantes.

John Locke assinala que tal governo é pior do que o estado de natureza. Verdade, de acordo com as teorias contratualistas de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau (na parte comum a elas), o ser humano, através da adesão a um suposto pacto social, abre mão do direito ao uso da força em favor de um estado, para que este, através do monopólio do uso legítimo da força, possa garantir a seus súditos segurança, paz, liberdade (menor do que no estado de natureza, é verdade) e garantia da propriedade.

Porém, um estado totalitário, além de não garantir os direitos buscados com a adesão ao contrato social, procura subjugar os seus cidadãos à tirania do governante, reduzindo-os à condição de servos ou de escravos.

            Quando o governo suprime a liberdade do povo, retirando deste os direitos fundamentais para torná-lo escravo, introduz na nação um estado de guerra, “que é o da força sem autoridade” (LOCKE, p. 585).

O magistério de John Locke é bastante claro e aplicável ao caso cubano:

Todo aquele que usa de força sem direito, assim como todos aqueles que o fazem na sociedade contra a lei, coloca-se em estado de guerra com aqueles contra os quais a usar e, em tal estado, todos os antigos vínculos são rompidos, todos os demais direitos cessam e cada qual tem o direito de defender-se e de resistir ao agressor (LOCKE, p. 588-589).

Sobre o direito do povo em relação ao governo que tenta submeter o povo a um regime tirânico, assim conclui o filósofo inglês:

[…] se por faltas por parte dos que detêm a autoridade, o direito a esse poder é perdido, com a perda do direito dos governantes a esse poder ou ao terminar o prazo estabelecido, retorna este poder à sociedade, e o povo tem o direito de agir como supremo e continuar o legislativo em si mesmo, ou instituir uma nova forma, ou ainda, sob a forma antiga, colocá-lo em novas, conforme julgar adequado.

O povo cubano tem a legitimidade e o poder de agir como supremo e escolher qual tipo de governo quer, resistindo ao poder outrora constituído, porém que não detém mais autoridade, legitimidade, mas apenas a força e, com esta, tenta ou reduz o povo à escravidão com a supressão das liberdades, submetendo este a um estado pior do que o estado de natureza.

Se o povo cubano conseguirá exercer o direito de resistência ao atual governo, que é uma continuidade de uma ditadura que se instalou há mais de 60 (sessenta) anos, só o tempo dirá. Na torcida para que o povo cubano, o real possuidor do poder civil, possa instituir um novo governo e, com isso, construir dias melhores, nos quais a liberdade possa ser exercida da melhor forma possível.

Luiz Guedes da Luz Neto

Referência: LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.