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domingo, 12 de fevereiro de 2023

Salve o planeta. Elimine a humanidade - Revista Oeste

  Dagomir Marquezi

Algumas correntes acham que o Homo sapiens já teve sua chance

Ilustração: Dotted Yeti/Shutterstock

No seu livro A Ordem das Coisas (1966), o filósofo e psicanalista Michel Foucault lançou a ideia de que a existência dos seres humanos não é eterna nem natural. Na última frase do livro, Foucault diz que “a humanidade será apagada, como um rosto desenhado na areia à beira do mar”.

A impressão que temos é que a humanidade sempre existiu e que continuará existindo infinitamente. O Homo sapiens reina sobre o planeta há 2,6 milhões de anos, segundo um cálculo aproximado da Enciclopédia Britânica. Esse período é chamado de Antropoceno — que significa “a recente era do homem”. Como a Terra tem 4,5 bilhões de anos, nossa existência aqui equivale a um instante fugaz, um flash de tempo. Chegamos, há pouco tempo, e absolutamente nada garante que duraremos para sempre. Pelo contrário, inventamos e disseminamos os instrumentos da nossa própria destruição.

Em 1800, havia 1 bilhão de habitantes na Terra. Hoje, somos 8 bilhões. Segundo estatísticas da ONU, poderemos chegar a 11 bilhões em 2050 e a 14 bilhões em 2100. São os cálculos mais alarmistas. Outros revelam que poderemos ter uma reversão desse crescimento, caindo para 5 bilhões em 2100. No fundo, ninguém tem a mínima ideia do que o futuro nos reserva. Temos o presente. Segundo a Britânica, um quinto da superfície da Terra é usado para a agricultura. Um décimo dessa superfície está transformado em áreas urbanas. E os oceanos estão sendo submetidos a um processo predatório fora de qualquer controle.

Para onde estamos indo? Seguiremos firmes no propósito de alimentar e cuidar de bilhões e bilhões de seres humanos, não importa o que seja necessário para isso?
Viveremos permanentemente ameaçados por armas químicas e biológicas que podem exterminar a vida humana em algumas poucas semanas? Temos o direito ético de acabar com a vida na Terra vida essa que não criamos — com uma chuva de armas nucleares disparadas num momento de crise?
Destruição da raça humana
Ilustração: Pictrider/Shutterstock

“O fim de todos os nossos projetos, valores e significados”

Não são questões simples de responder. Nem existem respostas certas ou erradas para elas. São questões profundas, que varremos para debaixo do tapete enquanto tocamos nossas vidas. Não estamos falando aqui de uma crise artificial e ideologicamente corrompida, como a das “mudanças climáticas”. Falamos de um futuro que ninguém pode prever e que pode trazer a redenção da espécie ou um grau inédito de sofrimento e letalidade na história da humanidade.

Existem grupos que propõem soluções radicais para essas questões. A última edição da revista The Atlantic publicou uma reportagem de Adam Kirsch aprofundando essa questão. “Até o mais radical pensador do século 20 não vai até o fim com a perspectiva da extinção real do Homo sapiens, o que significaria o fim de todos os nossos projetos, valores e significados”, escreve Adam Kirsch. “A humanidade pode estar destinada a desaparecer um dia, mas quase todo o mundo concordaria que esse dia seria adiado o máximo possível, assim como a maioria das pessoas geralmente tenta adiar o inevitável fim de sua própria vida.”


Mas existe um grupo — ainda pequeno de pessoas que não só admite o fim da espécie humana como deseja que isso aconteça. Não formam um movimento, mas uma corrente de pensamento, uma filosofia. Não formam partidos políticas nem ONGs. São formas de pensar e agir sobre o futuro.

Segundo os anti-humanistas, para salvar a complexa teia de vida da Terra, seria necessário eliminar a causadora de toda destruição, toda exploração, todo desequilíbrio — a humanidade

A primeira, segundo a reportagem da Atlantic, é chamada de anti-humanista. Ambientalistas visam a melhorar as condições para que humanos convivam harmoniosamente com outras espécies e o meio ambiente. Segundo os anti-humanistas, para salvar a complexa teia de vida da Terra, seria necessário eliminar a causadora de toda destruição, toda exploração, todo desequilíbrio — a humanidade.

Parte desses radicais se tornou “antinatalista”. Eles propõem simplesmente que os humanos parem de se reproduzir. O maior guru do antinatalismo é o filósofo sul-africano David Benatar, para quem o desaparecimento da humanidade não retiraria do Universo qualquer coisa única ou valiosa. “A preocupação de que os humanos não existirão em algum tempo futuro é ou um sintoma da arrogância humana ou algum sentimentalismo fora de lugar.”

Benatar diz que nós desenvolvemos um senso de autoimportância e que julgamos nossa própria situação no mundo em regime de autointeresse. Nós mesmos, segundo o filósofo, determinamos que somos imprescindíveis. “As coisas serão um dia do jeito que deveriam ser — não haverá gente.” Alguns filmes e documentários já imaginaram cenas de grandes metrópoles tomadas por plantas e animais selvagens, sem nenhum ser humano à vista.

Para reforçar sua ideia, Benatar cita uma pilha de estatísticas, do tipo “tumores malignos matam 7 milhões de pessoas por ano; 310 mil humanos morreram em consequência de conflitos armados em 2000; 107 pessoas morreram por minuto em 2001” — e por aí vai. Segundo ele, se essas vítimas não tivessem nascido, não sofreriam tudo o que esses números mostram. Outro antinatalista, Karim Akerma, inclui todos os outros animais nessa doutrina e propõe uma esterilização total e universal: “Esterilizando animais, nós podemos libertá-los de serem escravos de seus instintos e de trazerem mais e mais animais cativos nesse ciclo de nascer, contrair parasitas, envelhecer, adoecer e morrer; comer e ser comido”.


Upload do pensamento

O antinatalismo não é nenhuma novidade. Alguns dos grupos iniciais do cristianismo seguiam essa linha, como os marcionitas do século 2, para os quais o “mundo visível” seria uma criação de Ievé, o Deus descrito no Velho Testamento. Em oposição a Ievé, as pessoas deveriam abandonar este mundo. E evitar que mais humanos nascessem. Na mesma época, os encratitas também acreditavam na interrupção da procriação humana. Outras seitas em diferentes épocas e lugares concluíram que o nascimento de uma pessoa condenava uma alma a ficar aprisionada num corpo material maligno, que levaria essa alma a se afastar do bem. Muitos acreditam também que o budismo tinha um sentido antinatalista, pois pregava que o sentido da vida é sofrer. Ao não nascer, essa alma evitaria o sofrimento.

A outra corrente, os transumanistas, não quer o fim da humanidade, mas a nossa transformação radical, através de avanços na engenharia genética e da inteligência artificial. Apostam num segundo estágio da civilização, através da colonização de outros corpos celestes. Acreditam numa interação profunda entre os homens e seus computadores e na colonização de outros corpos terrestres. Para os transumanistas, a humanidade não seria extinta, mas transformada num novo conceito de vida, misturando vida biológica com computadores. Nossa consciência se transformaria numa espécie de arquivo mental espiritual, que poderia ser transferida para uma nuvem de consciências sem corpos físicos. (As condições tecnológicas para esse salto não estão tão longe quanto possam parecer.)

Podemos considerar as três concepções (anti-humanismo, antinatalismo e transumanismo) ridículas, absurdas, irreais, ilógicas, insanas e tudo que a gente quiser. Mas seria um erro tentar encaixar essas visões de mundo nas caixinhas mentais “esquerda” e “direita”. Elas tratam de questões existenciais, fundamentais e perenes. E servem — no mínimo — para nos tirar do berço esplêndido das certezas imutáveis.

Leia também “A ditadura das big techs”

Dagomir Marquezi, colunista - Revista Oeste


sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

APESAR DE VOCÊ, AMANHÃ É O POVO QUE DECIDE. - Valterlucio Bessa Campelo

Recebi nesta quarta-feira um pequeno vídeo, enviado por um amigo, no qual a bancada de jornalistas da ex-TV trata da tragédia de Petrópolis e, num esforço grotesco de jornalice politicamente engajada, praticamente atribui ao Governo Bolsonaro a culpa pelo desastre.

Tem horas que o gorgomilo não suporta a calhordice “jornalística”. A lógica do analista de araque é de que as inundações são causadas pelas mudanças climáticas e, sendo o Bolsonaro um “negacionista” climático, a culpa é dele. A imprensa putrefata consegue, desse modo, empilhar mais um tijolo no muro de mentiras que ergue desde que seus aliados e mantenedores obscuros deixaram o poder.

Em primeiro lugar, a premissa é falsa. As chuvas que resultaram na enchente em Petrópolis não são devidas às mudanças climáticas, elas são um evento climático, ou seja, a própria mudança climática e, obviamente, nenhum ser na terra pode ser responsabilizado por algo que acontece – a mudança climática, desde que o mundo é mundo. O que, em tese, poderia ser evitado ou minimizado é o estrago humano e material feito pela enchente se, por acaso, a linda cidade de Petrópolis não tivesse crescido morro acima e espremido a drenagem natural das águas pluviais. Planejamento urbano e investimentos ao longo do tempo certamente teriam mitigado as conseqüências da enxurrada que assistimos.

Em segundo lugar, como a esquerda apropriou o termo “negacionista”, dele se serve para qualquer negócio. Neste caso, o zumbi da Globo reforça-o como selo e atribui ao governo um “negacionismo ambiental” fantasioso, que não resiste a qualquer análise objetiva. O que o governo Bolsonaro nega não é a mudança climática, nem poderia, dado que é evidente e eterna, mas os meios financeiros de sustentação da canalhice que se nutria em volta do tema sem qualquer benefício para o Brasil, pelo contrário, ratificando a superação da soberania nacional sobre a Amazônia, e marchando rumo ao globalismo totalitário que não se efetivará sem uma correspondente tirania ambiental.

Com premissas falsas, a conclusão, nos ensina a lógica elementar, só pode ser falsa. É o caso. A tragédia de Petrópolis, considerada como os efeitos terríveis em mortes e perda de patrimônio público e privado, deve-se única e exclusivamente a quem, tendo mandato para tal, não cuidou de proteger a cidade contra essa possibilidade, o que, aliás, já aconteceu ali pertinho, em Teresópolis, no ano de 2011.

A rigor, neste caso, a canalhice da imprensa defunta apenas cumpre um rito que vem sendo adotado desde 2019, sem trégua nem descanso. Criaram um espantalho em torno do Bolsonaro e batem nele permanentemente como se fosse o próprio. O filósofo alemão Arthur Schopenhauer explica isso como técnica da ampliação indevida para ganhar um debate.

Paralelamente,
cuidaram de criar uma espiral do silêncio, contando para isso com a minimização ou supressão rasa de qualquer notícia favorável ao governo, com a justiça através de decisões esdrúxulas e ativismo judicial impróprio, para dizer o mínimo, e, ultimamente, com a investida sobre as redes sociais.

Em resumo, apenas o lado progressista tem voz, o outro é sempre “negacionista” de alguma coisa (selo de más lembranças) e emissor de fakenews. A justiça garante a operação tendo à mão as longas caudas de excelências importantes no Senado e na Câmara dos Deputados. Não bastasse o ataque diário ao governo, inclusive promovidos por ministros fascinados por microfones, e a espiral do silêncio imposta à sociedade, o Sistema possui o controle do processo eleitoral, diga-se, do TSE. Como se vê, o circo está armado para uma supostamente inescapável derrota do Bolsonaro.

Ao vermos, em declarações públicas, três ministros do STF juntarem-se como um triunvirato para proferir esquisitices contra a Rússia, ameaçar a liberdade de expressão e amedrontar a nação, é de se perguntar quais os limites da república.  
Basta ouvir as barrosidades proferidas nesta quinta-feira durante a posse do coleguinha no TSE, para perceber o ataque panfletário antibolsonarista de quem deveria guardar uma independência mínima, para se apresentar isento e merecer respeito. A militância política no nível do STF não é apenas indecente, é inaceitável.

Em absoluto, o que causa estranhamento não é a alternância do poder. É do jogo democrático que assim seja, que o poder político seja móvel em todas as direções. A questão que se apresenta é que da forma como está sendo tramada, essa possível alternância resultará da destruição de elementos básicos de uma democracia, a saber, a liberdade de informação, da qual decorre a livre escolha e a igualdade de tratamento entre os competidores.

Esperemos que não avance mais ainda a marcha da insensatez. Há limites que não podem ser ultrapassados sob pena de quebra dos laços que amarram as pontas desse tecido social.   
Toda vitória precisa ser limpa para SER. 
Do contrário, NÃO É e, não sendo, saindo por qualquer modo enlameada das urnas, não pode ser reconhecida.

Valterlucio Bessa Campelo escreve ensaios, crônicas e contos eventualmente em seu BLOG e é colaborador do site Conservadores e Liberais.


sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

Globo inquieta - Revista Oeste

Cristyan Costa

[O FIM SE APROXIMA e será mais devastador que o da extinta TV Manchete.]

Demissões de jornalistas e artistas, dívida bilionária, queda de lucros e tombo de audiência expõem as dificuldades da emissora mais famosa do Brasil 

Trabalhar na Globo sempre foi o sonho da maioria dos estudantes de jornalismo. Eles eram assediados por familiares que esperavam um dia vê-los na TV segurando um microfone da emissora. Para quem já estava no ramo, ocupar cargos de importância na emissora era como um alpinista alcançar o pico do Monte Everest. A empresa cresceu para um status de conglomerado, reunindo, além da televisão, jornais, rádios e sites. Por anos, a Globo se manteve líder em vários desses segmentos.
 
 
Ilustração: Revista Oeste
Ilustração: Revista Oeste

Antes da chegada da internet, grande parte dos brasileiros acompanhava a programação da Globo e assistia religiosamente ao Jornal Nacional (JN). O que saía no JN era tido como a verdade absoluta. Logo depois, passava a novela das 21 horas, e a audiência era solidamente fiel no país inteiro. A rotina se repetia diariamente. A Rede Globo parecia eterna e indestrutível.

Mas as coisas mudam. A internet tirou o poder da TV tradicional. 
Os serviços de streaming se multiplicaram e roubaram boa parte da audiência. 
Ligar na Globo deixou de ser uma atitude automática. 
E as coisas só pioraram quando a emissora optou por ser um instrumento político, primeiro tentando derrubar o ex-presidente Michel Temer e agora encarnando uma oposição obsessiva ao presidente Jair Bolsonaro, numa atividade puramente política e descolada da realidade. 
O venerável Jornal Nacional perdeu seu maior patrimônio: a credibilidade.

Com a alta do dólar, a dívida da Globo passou de R$ 3,47 bilhões para R$ 5,4 bilhões

 

A nova realidade da Globo é o encolhimento.  
Artistas de novela e dramaturgos consagrados deixaram de renovar contratos. 
Funcionários veteranos, considerados intocáveis, estão sendo demitidos. A rede está perdendo direitos de transmissão, despesas estão sofrendo tesouradas impiedosas, sem contar a dívida bilionária. 
O canal de TV mergulhou na pior crise de sua história.

Queda de lucros e dívida bilionária
Os números são claros. O aumento de despesas e a queda na receita com publicidade fizeram o lucro líquido do Grupo Globo cair de R$ 752,5 milhões, em 2019, para R$ 167,8 milhões, em 2020. Foi uma queda vertiginosa de 78%. Com a alta do dólar no ano passado, a dívida da Globo passou de R$ 3,47 bilhões para R$ 5,4 bilhões.
Para piorar, a emissora deixou de contar com boa parte da ajuda que recebia do governo federal, o que explica em boa parte sua fúria oposicionista. De 2003 a 2019, nas gestões de Lula, Dilma e Temer, a Globo recebia, em média, R$ 450 milhões por ano para veicular propaganda estatal. 
Segundo levantamento do portal Terra, com base em dados da Transparência, o total foi de R$ 7,2 bilhões. Ao longo dos três anos de Jair Bolsonaro no Planalto, a Globo deixou de receber entre R$ 600 milhões e R$ 750 milhões em verbas publicitárias.

Apesar das dívidas, a emissora informou que tem caixa suficiente para honrar os compromissos: R$ 13,6 bilhões em investimentos.

“O passado não volta mais”
Na tentativa de driblar a agonia financeira e reduzir despesas, a Globo apelou para demissões no jornalismo. Nessa categoria estão os veteranos Alberto Gaspar (São Paulo) e Ari Peixoto (Rio de Janeiro), que deixaram o quadro de funcionários da TV no início do mês passado. Ambos tinham contracheques gordos. Gaspar trabalhou por quase quatro décadas na empresa, atuando como repórter e correspondente internacional. Em 34 anos de casa, Peixoto ocupou as mesmas posições que o colega. As cartas de despedida dos dois profissionais revelaram clima de “velório” nas redações da Globo, com a perspectiva de novos cortes.

Poucas semanas antes, a emissora demitira outros profissionais com a folha de pagamentos elevada. Fernando Saraiva, que estava na empresa desde 1999, foi um deles. O repórter especial Roberto Paiva, idem, além do produtor Robinson Cerântula. No fim de outubro, a Globo ainda desligou 20 profissionais de sua equipe na capital paulista, entre eles jornalistas, produtores, cinegrafistas, operadores de áudio e outros funcionários da equipe técnica. Não foi o suficiente. A empresa tem uma lista grande de degola e está demitindo a conta-gotas, com a finalidade de evitar conflito com sindicatos, noticiou o portal IG.

Nesta semana, a apresentadora do programa É de Casa, Cissa Guimarães, foi surpreendida com o aviso de que estava sendo desligada da Globo. O motivo: redução de custos. Cissa trabalhou 40 anos na emissora, participando de novelas e programas, como o Video Show. Seu salário chegava a R$ 100 mil, noticiou o portal Observatório da Televisão.

A dispensa mais simbólica e surpreendente foi a do casal Tarcísio Meira e Glória Menezes, demitidos em setembro de 2020 após 44 anos de casa. “Nos últimos anos, temos tomado uma série de iniciativas para preparar a empresa para os desafios do futuro”, salientou a Globo, em um comunicado. “Com isso, temos evoluído nos nossos modelos de gestão, de criação e de desenvolvimento de negócios.” O tom do documento era o mesmo do endereçado ao dramaturgo Aguinaldo Silva, que, em março daquele ano, recebera em casa o aviso de que a parceria terminara. Ele garante que não guarda mágoas: “A Globo me deu muito. E eu dei muito para eles.”

Para Aguinaldo, a situação da empresa e a de outras do ramo é reflexo das transformações pelas quais passa o mercado. “Os tempos são outros. As pessoas agora têm uma infinidade de escolhas de novas mídias, como o streaming.” Segundo ele, as adaptações têm de ocorrer por parte dos que quiserem sobreviver à atualidade e se preparar para o futuro. “As novas gerações não estão interessadas em gêneros de novelas que duram meses, histórias que se cruzam demais. Querem algo imediato e profundo. O passado não volta mais.”

A dança das cadeiras
Desligado da companhia neste ano, Silvio de Abreu, ex-diretor da Teledramaturgia da Globo, criticou as várias demissões que ocorreram ao longo dos últimos meses. Segundo Abreu, todas as vezes que uma dispensa era anunciada, ia parar no Departamento de Relações Humanas (RH). “Isso foi uma resolução que surgiu quando a Globo fundiu as várias empresas do grupo e resolveu enxugar seus quadros”, relatou, em entrevista publicada pela revista Veja, em outubro. “Fui totalmente contra. Sempre que alguém era dispensado, eu ia ao RH para discutir”, lembrou. “Com o enxugamento, esses profissionais estão na praça e vão acabar na concorrência.”

Embora não tenha sido demitido, o apresentador Fausto Silva se antecipou ao abate e deixou a Globo em junho, pouco antes de terminar seu contrato. Ele irá comandar um programa na Band, a partir de 2022. Em dezembro, será a vez do jornalista Tiago Leifert se despedir da casa que o abrigou por 16 anos. “Tem tanta coisa que quero aprender, quero estudar, cuidar da família”, disse Leifert, em entrevista ao Mais Você, ao justificar com antecedência por que sairá da Globo. “Era essa escolha que eu tinha que fazer. A missão aqui está cumprida.” Os atores Lázaro Ramos, Ingrid Guimarães, Reynaldo Gianecchini, Vera Fischer, Antônio Fagundes, Débora Nascimento, entre outros, também não quiseram renovar seus contratos.

A “dança das cadeiras” ocorreu ainda no alto escalão da emissora, tentativa vista pelo mercado como uma forma de “pôr ordem na casa”. O empresário João Roberto Marinho será o novo presidente do Grupo Globo, formado pela Editora Globo, a Globo, o Sistema Globo de Rádio, a Globo Ventures e a Fundação Roberto Marinho. Diretor de canais da emissora, Paulo Marinho vai assumir a presidência da Globo.

Segundo a empresa, as mudanças já estavam planejadas e fazem parte “da jornada de profunda transformação digital iniciada em setembro de 2018”. A transição total será concretizada a partir de fevereiro de 2022. O atual diretor da Globo, Jorge Nóbrega, ganhará um cargo no conselho editorial da companhia, responsável por dar o tom no jornalismo do conglomerado de mídia.

Jorge Nóbrega atua nas empresas do Grupo Globo desde 1996. Em 2017, assumiu a presidência do grupo, sendo o primeiro presidente a não fazer parte da família Marinho. Com a sua saída, João Roberto Marinho estará à frente do Conselho de Administração e também do Grupo Globo. João Roberto Marinho seguirá também no comando do Conselho Editorial e do Comitê Institucional, que tem o papel de acompanhar e propor linhas de atuação para as relações institucionais do Grupo Globo.

Tombos de audiência
Nenhuma mudança administrativa vai resolver a situação da empresa se os seus principais problemas não forem enfrentados. O jornalismo sem pluralidade, as novelas contaminadas pelo politicamente correto, com enredo pobre e elenco de segundo escalão, a linha de shows estagnada em fórmulas ultrapassadas, a militância esquerdista assombrando até as transmissões de futebol tudo isso está cobrando um preço nos índices de audiência.

Nem o Jornal Nacional foi poupado pelo público. Depois de atingir médias diárias acima de 35 pontos em 2020, no auge da cobertura da pandemia de covid-19, o JN viu 15% de seu público desaparecer. Os índices dos primeiros seis meses deste ano são os piores desde 2015. A média semestral foi de 25 pontos.

No Painel Nacional de Televisão (índice que mensura a audiência das 15 maiores regiões metropolitanas do país), a emissora teve o pior ibope de outubro desde 2015 ao registrar, por dois meses consecutivos, marcas negativas de audiência.

De acordo com os dados consolidados pelo TV Pop, a emissora cravou 10,79 pontos de média no acumulado das 24 horas nos 31 dias de outubro. Perdeu ainda mais telespectadores em relação ao acumulado de setembro — mês em que a Globo registrou média de 10,94 pontos e disse adeus a quase 2 milhões de pessoas que a acompanhavam. Para ter ideia, o índice de setembro foi menor que o obtido pelo canal em dezembro de 2020 (11,17 pontos), quando há menos televisores ligados.

O público não se animou com o novo Domingão do Huck. Estreou em 5 de setembro deste ano, com 19,1 pontos de audiência. Em 10 de outubro, registrou 12,7 pontos — uma queda de 33,5% em menos de dois meses. O número fica bem abaixo da média de 18 pontos do apresentador Faustão, que teve seu melhor momento em maio, com 21 pontos de audiência.

Fragmentação e pluralidade de ideias
O mesmo clima de decadência aparece num território em que a Globo era absoluta há poucos anos: os esportes. Perdeu a Fórmula 1 para a Band. Perdeu a transmissão do torneio Libertadores das Américas para SBT, Facebook, Fox Sports e Conmebol TV. Já não tem mais a Copa nem a Recopa Sul-americanas e a exclusividade dos direitos de transmissão da Copa do Mundo de 2022, a ser realizada no Catar, nas plataformas digitais.

As transmissões da elite do tênis passaram para a ESPN. A Globo também já não transmite a Liga dos Campeões, que se transferiu para o TNT e o SBT. O Campeonato Carioca de futebol está fora da grade, assim como o Campeonato Baiano. Como se não bastasse, a Justiça de São Paulo manteve a multa de cerca de R$ 9,9 milhões aplicada pelo Procon à Globo por considerar que a emissora não informou os assinantes do canal Premiere sobre a redução na quantidade de jogos transmitidos do Campeonato Brasileiro de 2019.

Em contrapartida, emissoras como a Jovem Pan (JP), que conseguiu um canal de TV, surpreenderam na audiência em sua data de estreia — em 27 de outubro. A JP conseguiu superar a CNN Brasil, a BandNews e a Record News nos números da TV paga e só ficou atrás da GloboNews durante todo o dia. A Jovem Pan News marcou 0,2 ponto de média entre 6 da manhã e meia-noite no Ibope PNT da TV por assinatura. Na mesma faixa horária de competição, a GloboNews obteve 0,6 ponto. CNN Brasil, Record News e Band News empataram com 0,1 ponto.

O maior destaque na programação da Pan TV foi o programa Os Pingos nos Is, que já é sucesso no rádio. Obteve 0,8 ponto entre 18 horas e 20 horas, contra 1,1 da GloboNews. Quem também rendeu foi o Pânico, que conseguiu 0,3 ponto, contra 0,6 da GloboNews.

A queda da Globo é o maior símbolo de um novo tempo para o jornalismo e o entretenimento. A tendência é a fragmentação e a pluralidade de ideias. Quem não se adaptar ficará para trás.

Leia também “O tombo da velha mídia”

Jornal Nacional sobe o tom contra Bolsonaro em editorial

[Comentando:  o veneno que o jornalista Boner destila contra o presidente Bolsonaro é produzido pela angústia do ainda global, que o domina todo inicio de mês: não saber se será descartado no mês entrante ou no próximo - dúvida que nunca afligiu Cid Moreira, Sérgio Chapelin  e outros que o antecederam.
Uma sugestão para a Globo = algo tipo um 'tiro de misericórdia' antes de fechar as portas: reapresentar novelas da década de 70 e seguintes tipo Roque Santeiro, Bandeira 2, O Bem-amado, Saramandaia, A Fábrica  e outras - o custo é praticamente ZERO e o Ibope sobe Evereste.]
 

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Bolsonaro precisa escolher um caminho. E tem uma oportunidade. O dito centrão está vestido de noiva esperando ser chamado para o altar - Alon Feuerwerker

Análise Política


Os principais complicadores potenciais para a presidência de Jair Bolsonaro são três. 
1) Uma base congressual apenas programática,
2) a ausência de partido(s) forte(s) para chamar de seu(s) e 
3) o ritmo lento de recuperação da economia. 
Enquanto o povão não se cansa deste terceiro item, dá para ir levando os dois primeiros. Mas a paciência não é eterna.
Falar em crise política no Brasil de Bolsonaro em outubro de 2019 é jornalisticamente sexy, mas talvez algo exagerado. Basta ver as atribulações, por exemplo, de Donald Trump, Boris Johnson, Pedro Sánchez, Lenín Moreno, Sebastian Piñera, Benjamin Netanyahu e Carrie Lam. Shaky governments parece ser o novo normal na era da hiperconectividade e das redes sociais. [Sebastian
Piñera cheou a ter a ousadia de posar de estadista e criticar o presidente Bolsonaro; o Netanyahu corre o risco de parar na cadeia; Boris Johnson está sendo sabotado; Trump é o inimigo dos democratas que querem ter o que não ganharam; para o  presidente Bolsonaro enfrentar seus inimigos, que também são os do Brasil, é moleza.]

Todos esses nomes têm base congressual. Bolsonaro por enquanto não.
Até agora, mesmo sem resultados brilhantes, Bolsonaro vem se sustentando  
1) no crédito de confiança do eleitor dele, que numericamente continua com ele, ou pelo menos não está contra. Como mostrou esta semana a pesquisa Veja/FSB. E 2) no fato de o Congresso, majoritariamente pró-mercado, não ter como rejeitar a agenda econômica liberal capitaneada por Paulo Guedes.

Mas a guerra no PSL deveria acender uma luz amarela no Planalto.
Presidente sem partido e sem base congressual própria alguma hora acaba sinucado. Pode demorar, mas a conta chega. Enquanto tem um terço de bom/ótimo e meio a meio no aprova/desaprova, dá para manter o stand by. O problema? Não haver nenhuma previsão de retomada brilhante do emprego no curto ou médio prazos. 
Esta costuma ser a época em que os políticos estão recolhidos, apenas amolando as facas à espera do momento em que o governante vai perder força e vai depender deles para atravessar o rio cheio de crocodilos. E esta é a hora em que o presidente pode ainda negociar em vantagem com o Congresso. Basta consultar a literatura. Quem fez se deu bem. Quem não...

E o cenário está montado. Há uma avenida aberta.
O dito centrão anda com síndrome de abstinência de governo, E agora ele viria algo repaginado, depois de eleito pela imprensa como o salvador das reformas. E afinal o chamado centrão é de direita mesmo. Não à toa Bolsonaro ostenta uma média alta de apoio nas votações congressuais. Seria o casamento da fome e da vontade de comer.

Claro que precisaria ser feito sem macular muito o brand da “nova política”, mas não falta aos próceres do centrão expertise nesse tipo de coisa. Fazer sem parecer que está fazendo. E aliás Bolsonaro foi dessa turma, o dito centrão, durante todo o tempo de deputado federal. Tem muito mais a ver com esse pessoal do que com o jacobinismo do PSL, ainda que os mais jacobinos até ali estejam espremidos.

*
É preciso reconhecer em Bolsonaro um sujeito de sorte. A pipocada dos Estados Unidos no tema “Brasil na OCDE” abriu uma janela de oportunidade para o presidente fazer o que precisa ser feito: atrair os capitais chineses, especialmente em infraestrutura e tecnologia.
Vamos ver se a viagem à China vai ser um sucesso no estabelecimento de parcerias que ajudem a alavancar nosso desenvolvimento ou se as viseiras ideológicas vão impedir o governo de fazer o que é melhor. 

Alon Feuerwerkerjornalista e analista político -  Análise Política